Notícias
Primeiros resultados do “Muon g-2” reforçam evidências de nova física
Os primeiros resultados do experimento “Muon g-2” no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory) do Departamento de Energia dos EUA (US-DOE), mostram partículas subatômicas chamadas múons se comportando de uma forma que não é prevista pela melhor teoria que descreve as partículas elementares e as interações fundamentais: o Modelo Padrão da física de partículas.
Este resultado marcante, feito com precisão experimental sem precedentes, confirma uma discrepância que tem intrigado os físicos por décadas.
Entendendo o conceito
Múons são partículas subatômicas elementares (isto é, não são compostas de outras partículas “menores”) e pertencem a uma família de outras partículas elementares conhecidas como léptons. Um múon tem massa cerca de 200 vezes maior do que a de seu “primo” mais conhecido, o elétron. Múons são instáveis e, após serem gerados por algum processo físico, decaem aproximadamente após 2 milionésimos de segundo, tipicamente, se desintegrando em elétrons e neutrinos. Múons são produzidos naturalmente, por exemplo, quando os raios cósmicos atingem a atmosfera da Terra. Múons também podem ser produzidos em aceleradores de partículas e no Fermilab, em particular, os cientistas desenvolveram linhas de aceleradores que podem produzi-los em grandes quantidades (fig. 1).
Fig.1: O anel do experimento “Muon g-2”. Este experimento impressionante opera a -267ºC e estuda a precessão (ou oscilação) dos múons à medida que viajam através do campo magnético (fonte: Fermilab/DOE).
Assim como os elétrons, os múons possuem carga elétrica e spin, e por isso comportam-se como se tivessem um minúsculo ímã interno. Em um campo magnético forte, a direção do ímã do múon precessiona, ou oscila, de maneira muito parecida com a precessão observada no eixo de um pião ou giroscópio. A força do “ímã interno” do múon determina a taxa de precessão dessa partícula quando colocada em um campo magnético externo e é descrita por um número que os físicos chamam de “fator g”. Este número pode ser calculado com altíssima precisão.
Atualmente, o valor de g predito pela teoria é 2.00233183620(86) [incerteza entre parênteses]. Note que a incerteza da predição teórica está na casa dos bilionésimos!
O experimento Muon g-2 do Fermilab envia um feixe de múons para o anel de armazenamento, onde circulam milhares de vezes quase à velocidade da luz. Os feixes de múons são preparados para circular sob a influência de um campo magnético de grande intensidade. Os detectores que revestem o anel permitem que os físicos determinem a velocidade com que os múons estão precessando. Medindo-se a taxa de precessão dessas partículas pode-se extrair o fator g.
Em seu primeiro ano de operação, em 2018, o experimento do Fermilab coletou mais dados do que a combinação de todos os experimentos anteriores dedicados à medida do fator g do múon. Com mais de 200 cientistas de 35 instituições em sete países, a colaboração do Muon g-2 concluiu agora a análise do movimento de mais de 8 bilhões de múons.
Efeitos quânticos que podem revelar uma nova física
Conforme os múons circulam no ímã Muon g-2, eles também interagem com uma “névoa” quântica de partículas subatômicas surgindo e desaparecendo (partículas que surgem do vácuo quântico e existem por instantes muito breves).
O fato de possuir uma massa muitas vezes maior do que a massa do elétron, faz com que o múon tenha uma probabilidade de interação com essas partículas que surgem do vácuo quântico milhares de vezes maior do que a do seu primo mais leve, o elétron. Por isso múons são escolhidos para esse experimento.
As interações dos múons com essas partículas de vida curta afetam o valor do fator g, fazendo com que a precessão dos múons acelere ou desacelere ligeiramente. A quantidade que registra o efeito dessas interações é chamada de “momento magnético anômalo”.
O Modelo Padrão fornece predições extremamente precisas para o momento magnético anômalo do múon. Para a predição mencionada anteriormente do fator g = 2,00233183620(86), o momento magnético anômalo é 0,00116591810(43) [incerteza entre parênteses].
Contudo, se a névoa quântica conter forças adicionais ou partículas não contabilizadas pelo Modelo Padrão, isso modificaria ainda mais o fator g do múon. Ou seja, a medida de alta precisão de g, permite testar a previsão do Modelo Padrão verificando se nesse conjunto teórico todos os fenômenos físicos observados estão devidamente contabilizados.
Se houver uma forte evidência de que as propriedades fundamentais dos múons se desviam do cálculo do Modelo Padrão, isso indicará que há uma nova física além daquela já descrita pela teoria corrente.
O estudo das propriedades do momento magnético anômalo dos múons atua, portanto, como uma janela para possíveis descobertas no mundo subatômico, tais como novas partículas ou forças.
Experimento vs. Teoria
Antes que se iniciasse o experimento “Muon g-2” no Fermilab, outro experimento semelhante, também dedicado ao estudo do momento magnético anômalo dos múons, esteve em funcionamento no Laboratório Nacional de Brookhaven (BNL). Este experimento foi concluído em 2001 e produziu resultados “incômodos” indicando que o comportamento do múon discordava do Modelo Padrão.
O resultado recentemente apresentado pelo experimento Muon g-2 no Fermilab concorda fortemente com o valor encontrado em Brookhaven e diverge da mais precisa predição teórica calculada até o momento (fig. 2).
Os novos resultados experimentais da média mundial anunciados pela colaboração Muon g-2 são:
* fator g = 2,00233184122(82),
* momento magnético anômalo: 0,00116592061(41).
Os resultados combinados dos experimentos realizados no Fermilab e em Brookhaven mostram uma diferença com a teoria em uma significância de 4,2 sigma, um pouco inferior ao limite de 5 sigma (ou desvios-padrão) que os físicos exigem para reivindicar uma descoberta. Contudo, esse resultado já pode ser considerado como uma forte indicação de que há algum fenômeno ou nova física que precisa ser levado em consideração para se explicar a discrepância dos resultados do experimento vs. teoria.
A chance de que os resultados experimentais sejam uma flutuação estatística é de cerca de 1 em 40.000.
Nos próximos anos, Muon g-2 continuará a observar o comportamento dos múons interagindo com o campo magnético e deverá quadruplicar a amostra de dados para análise. Isso permitirá reduzir ainda mais algumas das incertezas na medida, e espera-se, indicará definitivamente se realmente estamos revelando uma nova física. A medida do momento magnético anômalo dos múon pode abrir-nos imensas possibilidades para se investigar novos setores ainda desconhecidos do mundo das partículas subatômicas.
Fig. 2: Momento magnético anômalo do múon. O primeiro resultado do experimento Muon g-2 no Fermilab confirma o resultado do experimento realizado no Laboratório Nacional de Brookhaven há duas décadas. Juntos, os dois resultados mostram fortes evidências de que os múons divergem da previsão do Modelo Padrão. Imagem: Ryan Postel, colaboração Fermilab / Muon g-2.
Arthur Moraes
Pesquisador associado
CBPF
Mais informações:
Artigo Physics World:
https://physicsworld.com/a/the-muons-theory-defying-magnetism-is-confirmed-by-new-experiment/?utm_medium=email&utm_source=iop&utm_term=&utm_campaign=14290-49498&utm_content=Title%3A%20The%20muon%E2%80%99s%20theory-defying%20magnetism%20is%20confirmed%20by%20new%20experiment%20-%20Editors_pick&Campaign+Owner=
Página da Colaboração Muon g-2:
https://muon-g-2.fnal.gov/
Referências:
B. Abi et al. (Muon g−2 Collaboration), Measurement of the Positive Muon Anomalous Magnetic Moment to 0.46 ppm. Phys. Rev. Lett. 126, 141801