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Pesquisadores do CBPF e colegas mostram que o tempo anda para trás
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Roberto Sarthour, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), descreve, em linguagem para o grande público, artigo no qual ele e colegas obtiveram resultado inusitado: o tempo pode ‘andar’ para trás. O trabalho será publicado amanhã (05/06) no periódico Nature Communications.
Revertendo a seta termodinâmica do tempo
A termodinâmica nos ensina que, quando dois corpos ou sistemas com temperaturas diferentes são colocados em contato (dito, térmico), o mais quente esfria e o mais frio esquenta, até que os dois atinjam a mesma temperatura ‒ ou o equilíbrio termodinâmico, como preferem os físicos.
Percebemos isso quando colocamos pedras de gelo na limonada. Esse processo é uma via de mão única, ou seja, à medida que tempo passa a parte mais fria esquenta, e aquela mais quente esfria, até que ambos igualem suas temperaturas. O renomado astrônomo britânico Arthur Eddington (1882-1944) deu nome a esse fenômeno: a seta do tempo (ou, tecnicamente, a seta termodinâmica do tempo), ligada a uma das mais poderosas leis da natureza, a segunda lei da termodinâmica, que explica por que uma xícara de chá que cai ao chão e se quebra não volta intacta para cima da mesa ou por que o perfume não retorna ao interior de um frasco aberto.
Em 1872, o físico e matemático britânico James Maxwell (1831-1879) introduziu a ideia de que um ser inteligente poderia violar esta lei. Para isso, esta entidade deveria ser capaz de medir a velocidade das moléculas de um gás em um recipiente e separar as mais lentas de um lado e as mais rápidas do outro lado.
Em um gás, a velocidade das moléculas (na verdade, o quadrado dessa grandeza) é diretamente proporcional à temperatura desse sistema. Ao fazer tal separação, aquele ser inteligente conseguiria fazer com que um lado do recipiente ficasse mais quente, e o outro, mais frio. Imaginando um aquário com água, seria como se a ação desse demônio pudesse fazer com que tivéssemos água quase fervendo de um lado e água quase congelando do outro.
Se isso pudesse ocorrer, seria possível extrair trabalho mecânico desse sistema sem que fosse necessário introduzir nele calor. Ou seja, o ser inteligente violaria a segunda lei da termodinâmica. O físico britânico William Thomson (1824-1907) ‒ mais conhecido como lorde Kelvin ‒ batizou aquele ser inteligente como ‘demônio’, alegando que somente uma entidade diabólica seria capaz de tal feito.
Paradoxo
Esse paradoxo da teoria da termodinâmica ficou conhecido como ‘demônio de Maxwell’, e vários cientistas tentaram resolver o problema e/ou até mesmo bolar dispositivos que pudessem atuar como o tal entidade.
O alemão Rolf Landauer (1927-1999) e o norte-americano Charles Bennett propuseram uma solução para o paradoxo: a memória do demônio de Maxwell teria que ser finita e, quando se esgotasse, seria necessário gastar energia para apagar a informação contida nela.
Dessa forma, o trabalho que seria realizado pelo sistema por causa da ação do demônio seria compensado na hora de apagar sua memória. E isso está de acordo com a segunda lei da termodinâmica.
A resolução desse paradoxo criou uma conexão entre a bem estabelecida teoria da termodinâmica e a mais recente teoria da informação.
Inversão da seta
Na informação quântica ‒ área de pesquisa iniciada na década de 1980 ‒, estudamos como armazenar, processar e transmitir a informação usando, para isso, sistemas quânticos. Desde então, surgiram estudos conectando informação quântica e termodinâmica, levando a uma nova e intrigante área de pesquisa chamada termodinâmica quântica, na qual muitos resultados têm sido obtidos.
Um deles, recente, foi do Grupo de Informação Quântica do CBPF, em colaboração com uma equipe internacional. O artigo ‒ que sai na edição desta quarta-feira (05/06) da Nature Communications ‒ mostra que é possível haver a inversão da seta do tempo termodinâmica. E que o preço para isso ocorrer é algo que pode ser comparado à solução de Landauer e Bennett para o demônio de Maxwell.
Nesse trabalho experimental -- feito no Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear do CBPF --, usamos dois sistemas com temperaturas distintas, quanticamente correlacionados ‒ a correlação quântica é fenômeno estranho para nosso cotidiano, mas corriqueiro no microuniverso dos átomos e suas partículas.
Núcleos atômicos desempenharam o papel de ‘corpo quente’ e ‘corpo frio’. Quando esses sistemas interagiam entre si, o mais frio esfriava e mais quente esquentava, contrariando a seta termodinâmica do tempo e, por conseguinte, a segunda lei.
Posto de modo simples: o tempo pode, sim, ‘andar’ para trás. Pelo menos, no diminuto universo atômico e subatômico.
Mostramos que para que essa reversão temporal, no contexto termodinâmico, ocorresse, as correlações quânticas tiveram que desempenhar papel fundamental: elas foram ‘consumidas’, levando a uma diminuição geral do emaranhamento dos dois sistemas (corpos).
Também assinam o artigo Ivan dos Santos Oliveira e Alexandre Martins de Souza, pesquisadores do CBPF, e John Peterson, doutor pelo CBPF e agora pós-doutorando no Canadá. Há também autores da Universidade Federal do ABC (SP), Universidade de São Paulo, bem como da Alemanha, do Reino Unido e de Singapura.
Roberto Sarthour
Pesquisador titular
CBPF
Mais informações:
Nature Communications: https://www.nature.com/ncomms/
No portal do CBPF: https://portal.cbpf.br/pt-br/ultimas-noticias/no-mesmo-dia-grupo-do-cbpf-emplaca-um-nat-comm-e-um-prl