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Pesquisador titular do CBPF escreve sobre a antimatéria para o JB
O físico experimental Ignácio Bediaga, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), publicou hoje (12/07) artigo no Jornal do Brasil sobre uma das questões científicas mais profundas deste século: onde foi parar a antimatéria do universo?
Abaixo, a íntegra do artigo.
De acordo com a teoria das interações fundamentais da natureza, para cada partícula produzida em um acelerador é criada uma antipartícula, de mesma natureza, com a mesma massa, mas carga elétrica oposta. Para criar um par partícula-antipartícula, é necessária a energia de uma colisão, produzida em um acelerador ou em raios cósmicos. Quando, porém, as partículas e suas antipartículas se encontram, elas se aniquilam e, com isso, produzem energia, muitas vezes em forma de fótons (partículas de luz).
Ao transferirmos essa ideia para os momentos iniciais da fase atual de expansão do Universo, numa analogia entre produção de partículas em um acelerador com expansão primordial deveríamos ter igual quantidade de partículas e antipartículas espalhadas pelo cosmo. Caso nada mais interferisse nesse processo, poderiam existir estrelas e antiestrelas, planetas e antiplanetas, anãs brancas e antianãs brancas, visto que todas as propriedades da matéria também são rigorosamente idênticas às da antimatéria.
Visto que foi possível formar átomos, estrelas, animais, DNA, minerais e tudo que conhecemos de matéria, também poderiam ter sido formados objetos equivalentes de antimatéria. Contudo, se existissem galáxias desse tipo, de alguma forma o nosso Universo seria muito mais explosivo e instável. Um fenômeno bastante usual, por exemplo, é a colisão entre duas galáxias. Caso uma delas fosse feita de antimatéria, observaríamos uma verdadeira hecatombe. A energia contida nas massas de duas galáxias geraria explosão de tamanho esplendor, que seria observada por todo o Universo, inclusive aqui na Terra. Iríamos observar dezenas de explosões apocalípticas no céu diversas vezes durante as nossas vidas.
Essa e outras razões experimentais nos levam a crer que não existem galáxias de antimatéria, ou seja, que o Universo observável é feito somente de matéria e fótons. A questão fundamental que a ciência propõe, e para a qual ainda não há resposta convincente: onde foi parar a antimatéria do Universo?
Independentemente de ter existido ou não o Big Bang, todos concordam que houve um momento em que o Universo teve dimensões diminutas e energias imensas, ou seja, altíssimas temperaturas. Nesse período, a criação e a destruição da matéria e da antimatéria dominavam o Universo. Ao se expandir, esse foi esfriando e o processo de criação e destruição foi se arrefecendo, fazendo com que os fótons produzidos na aniquilação de uma partícula com a sua antipartícula não tivessem mais energia suficiente para criar um novo par, como no início, com altas temperaturas. Dessa forma, os fótons existentes no Universo atual seriam a memória daquele processo inicial.
Esses fótons estão espalhados por todo o Universo de forma bastante homogênea e com energias muito parecidas, que equivalem a uma temperatura de 2,7 graus Kelvin (ou 270 graus Celsius negativos), ou seja, perto do zero absoluto. Por serem uma relíquia do início da fase atual de expansão do Universo, são estudados em seus mínimos detalhes, por meio de satélites enviados exclusivamente para esse fim, em conexão direta com experiências feitas na Terra.
Pequenas flutuações observadas na temperatura e na densidade têm importantes consequências sobre a nossa compreensão de como se formou o Universo. Um resultado obtido com esses estudos – de fundamental importância para a nossa narrativa – foi o de que o número de fótons existentes no Universo é cerca de 10 bilhões de vezes maior que o número de prótons, nêutrons e elétrons.
Isso nos leva a pensar que, para cada próton, elétron ou nêutron que convive conosco nos dias de hoje, dez bilhões de pares de partículas e antipartículas se aniquilaram para produzir os fótons que pairam no Universo, conhecidos pelo nome de “Radiação de Fundo”. Ou seja, lá nos primórdios da expansão atual do Universo, essa quebra de simetria entre a matéria e antimatéria foi extremamente pequena, difícil de ser compreendida e de tentar reproduzir em aceleradores. Embora muito pequena, ela se mostrou fundamental, pois foi esse desequilíbrio inicial que permitiu a presença do excesso de matéria sobre a antimatéria nos dias de hoje. Em última análise, é ela a responsável pela nossa existência e por isso objeto de intensas pesquisas, teóricas e experimentais.