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Pesquisador do CBPF examina ‘sensibilidade’ dos sistemas caóticos
O físico Raúl O. Vallejos, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), preparou, a convite do Núcleo de Comunicação Social, artigo sobre o comportamento de sistemas caóticos, com ênfase em resultados recentes publicados por ele e colegas.
Efeito borboleta
“Uma borboleta bate suas asas na China e produz um furacão no Caribe”. No final da década de 1980, essa analogia passou a ser usada (sem parcimônia) para resumir o comportamento de sistemas ditos caóticos, ou seja, aqueles com alta sensibilidade a diminutas perturbações.
A imagem do inseto e do consequente fenômeno climático foi reforçada pelo repentino sucesso de Caos , de James Gleick, jornalista científico e escritor norte-americano. Em linguagem acessível e com bom roteiro, o livro atraiu a atenção do grande público para algo que passou a ser denominado (simplificadamente) ‘teoria do caos’, que estuda os fenômenos caóticos da natureza.
No cenário dos fenômenos caóticos, em uma linguagem mais técnica, a borboleta representa a quase insignificante perturbação a que um sistema físico (no caso, o clima planetário) foi submetido. A tormenta é a prova de que tal sistema respondeu de modo inusitado, por ser muito sensível a qualquer variação em seu estado.
O clima planetário é um sistema caótico. Entre suas propriedades, está o fato de amplificar, muito rapidamente (exponencialmente, na verdade), diminutas perturbações sofridas por ele. A taxa com que essa amplificação ocorre é medida por meio do chamado expoente de Lyapunov ‒ homenagem ao físico matemático russo Aleksandr Lyapunov (1857-1918). Portanto, esse expoente pode ser visto como o grau de ‘sensibilidade’ do sistema caótico.
Satélite da NASA mostra nuvem de fumaça sobre a América do Norte
(Crédito: NASA/Jeff Schmaltz/GSFC)
Essa sensibilidade, no entanto, depende do local em que agem tais perturbações ‒ em nossa analogia, a região da Terra em que a borboleta bate suas asas. Isso faz com que, por exemplo, a sensibilidade do clima terrestre tenha que ser descrita não com um expoente de Lyapunov, mas com um conjunto extenso de expoentes desse tipo.
Portanto, para caracterizar completamente a sensibilidade de um sistema caótico, é preciso conhecer a distribuição desses expoentes.
Teoria na prática
Consideremos um modelo matemático do clima de certa região do planeta (ou de um sistema caótico qualquer). Existem programas computacionais que calculam o expoente de Lyapunov associado a uma dada perturbação. Essa é uma tarefa geralmente executada sem muitas dificuldades. Basta que o programa seja voltado para a tarefa e ter um computador relativamente veloz.
Porém, calcular a distribuição completa de expoentes é algo bem mais difícil do ponto de vista computacional. Requer programas (algoritmos) sofisticados. Fazer isso para o clima ‒ mesmo que de forma restrita a dada região do planeta ‒ é um exemplo dessa dificuldade. Dado um sistema caótico, não é óbvio qual algoritmo deva ser usado. O procedimento usual é ‘tentativa e erro’. Por isso, métodos alternativos são bem-vindos pela comunidade que trabalha na área de caos.
Em trabalho recente, este autor e colegas ‒ Celia Anteneodo, do Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e Sabrina Camargo, atualmente pós-doutoranda na Universidade Federal do ABC (SP) ‒ propuseram um novo algoritmo que permite calcular, de modo eficiente, a distribuição de expoentes de Lyapunov de um sistema caótico. Primeiramente, nosso método foi testado com sucesso em três modelos caóticos, mas todos eles simples e abstratos.
Etapas seguintes
A próxima etapa de nosso trabalho já se encontra em andamento. Consiste do grande desafio de aplicar o novo algoritmo a um gás do elemento químico argônio aprisionado em uma garrafa, sistema simulado teoricamente, ou seja, representado por um modelo matemático. A razão dessa simulação é que, até o momento, não existe um procedimento experimental para medir expoentes de Lyapunov em um sistema caótico.
Luz emitida por um tubo com gás argônio sob descarga elétrica
(Crédito: Wikimedia Commons/Alchemist-hp)
Então, nosso objetivo é comparar os dados fornecidos pelo novo algoritmo com aqueles calculados teoricamente a partir do modelo matemático representando o gás mais o recipiente. Esse cálculo foi o tema da dissertação de mestrado de Leonardo Cirto, atualmente pós-doutorando do CBPF.
Caso o novo algoritmo se mostre capaz de inferir com precisão os expoentes de Lyapunov obtidos pelo cálculo matemático, ele poderá ser aplicado para obter esse conjunto de expoentes em outros sistemas naturais. Por exemplo, em fluidos que alternam regimes caóticos e regulares, tema de interesse para vários ramos da indústria, como a de petróleo e aeroespacial.
Raúl O. Vallejos
Pesquisador Titular
CBPF
Mais informações:
Artigo: https://journals.aps.org/pre/abstract/10.1103/PhysRevE.96.062209