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Pesquisador do CBPF comenta esforço internacional para obter a primeira foto de buraco negro
O físico Martín Makler, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), a convite do Núcleo de Comunicação Social, escreve sobre o esforço internacional para a obtenção da primeira imagem de um buraco negro ‒ e a emoção indescritível em presenciar esse feito científico.
Buraco negro: a primeira fotografia a gente nunca esquece
Em geral, a imagem que se tem de um cientista é a de uma pessoa racional ‒ de certo modo, até fria e calculista. No plano pessoal, isso é uma baboseira, óbvio. Cientistas são como quaisquer outras pessoas.
Mas, em relação à atividade de pesquisa, essa imagem é bastante correta. Claro que os pesquisadores sentem momentos de grande satisfação em suas pesquisas, apesar de, na maior parte do tempo, as atividades serem (na prática) tediosas, complexas; porém, não menos necessárias e importantes. Além disso, quando se faz uma descoberta, não é comum que ela aparece repentinamente, como um ‘momento eureka’. Vão surgindo linhas de evidência, indicações, até que o pesquisador ‒ geralmente, um grupo de pessoas ‒ vai se convencendo.
Geralmente, descobertas importantes passam por um escrutínio interno, intensa verificação e, depois, verificação pelos pares ‒ estes últimos, cientistas não envolvidos na descoberta e que modem avaliar de forma mais critica e independente a descoberta.
O anúncio feito hoje, da primeira imagem de um buraco negro, passou por todo esse processo.
Aí, aparece o pesquisador comum, aquele que escreve este texto e que não participou desse processo e, de supetão, é exposto a um resultado realmente extraordinário, amplamente amparado em minuciosa e vasta análise. Tudo de uma vez só!
Não dá para segurar a emoção. Lágrimas escorrem ao ouvir a exposição na conferência de imprensa descrevendo o resultado, anunciada simultaneamente em vários países e idiomas. A emoção é especial para quem é do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), instituição pioneira nos estudos nessa área, os quais prosseguem até hoje. São dezenas de cientistas que passaram pela Escola de Cosmologia e Gravitação, do CBPF, assistindo, entre outros, a cursos sobre buracos negros e suas implicações. Há, portanto, uma ligação sentimental também.
Empreitada internacional
Para o público leigo, realmente, uma imagem falou mais que mil palavras. Estava lá, o tal ‘buraco’. Uma região de onde nem a luz sai ‒ exatamente, como se esperava que fosse, segundo décadas de estudo, evidências indiretas e previsões teóricas.
Paralelamente, para o cientista da área, estavam disponíveis os primeiros artigos científicos que detalhavam os processos que levaram ao resultado e suas implicações físicas. São centenas de páginas escritas e verificadas cuidadosamente. Ou seja, não é só uma imagem. E obtê-la não foi apenas apontar uma máquina de fotos e clicar. Foi uma verdadeira empreitada internacional, de grande envergadura.
Primeira fotografia de um buraco negro, no centro da galáxia M87
(Crédito: Event Horizon Telescope Collaboration)
Vamos primeiro entender o que se queria ver. Primeiramente, buracos negros são objetos misteriosos (ao menos até hoje), cuja versão contemporânea é uma consequência da relatividade geral do físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), proposta em 1915. Essa teoria revolucionou nossos conceitos de espaço, tempo e da gravitação, sendo uma forma nova de enxergar a gravidade e prevendo fenômenos novos, subsequentemente observados. Formalmente, a teoria equivale a um conjunto de 10 equações de matemática bastante complexa.
A primeira solução dessas equações do tipo buraco ‒ no caso, um objeto estático, sem rotação ‒ foi obtida, em 1916, pelo físico alemão Karl Schwarzschild (1873-1916). Ela indicava um objeto que tem uma propriedade esquisita: se algo cai em sua direção, atravessando o chamado horizonte de eventos, nada pode mais sair ‒ e isso vale até mesmo para a luz. Daí, veio o nome buraco negro, pois seria um objeto perfeitamente sem emissão de luz. Depois, vieram estudos sobre buracos negros com rotação e os vários caminhos para a formação desses objetos cósmicos (vida e morte de estrelas massivas e até mesmo a fusão de dois buracos negros preexistentes).
De início, era tudo no plano teórico, tudo baseado na tal da relatividade geral. Depois, notou-se que esses objetos poderiam ter um disco ao seu redor, com matéria extremamente quente, espiralando em sua direção ao seu centro. Esse sistema geraria jatos de matéria na direção perpendicular a esse disco. Ou seja, esse objeto teria a emissão de radiação (principalmente, raios x) no disco, bem como jatos bem visíveis em ondas de rádio ‒ exatamente, como ocorre nas partes centrais de muitas galáxias.
Os supermassivos
A princípio, podemos ter buracos negros de massas muito diferentes. Se o Sol, por exemplo, fosse muito maior, no final de sua vida, ele poderia virar um buraco negro. Há poucos anos, tivemos evidências muito fortes da existência de buracos negros com dezenas de vezes a massa do Sol, que se fundiram emitindo ondas gravitacionais ‒ que, por sinal, deu o prêmio Nobel para seus descobridores, em tempo recorde.
Esses buracos negros podem estar em qualquer lugar nas galáxias. Mas se acreditava que, no centro de grande parte das galáxias, haveria um buraco negro supermassivo, com massas entre cerca de 100 mil a 1 milhão de vezes a massa do Sol.
Uma galáxia próxima ‒ na qual se acreditava haver um buraco negro supermassivo ‒ é a chamada M87, alvo da descoberta anunciada ontem. O tamanho daquela região a partir da qual nem a luz escapa ‒ o chamado horizonte de eventos ‒ é de dezenas de milhões de quilômetros. Porém, visto da Terra, aquela região pareceria tão pequena que não poderia ser visto com nenhum telescópio.
Qual foi a solução para resolver esse problema? Um time de pesquisadores criou o projeto chamado Event Horizon Telescope (Telescópio do Horizonte de Eventos). Eles perceberam que, combinando cuidadosamente a informação captada dos telescópios (no caso, radiotelescópios) espalhados por todo o planeta, seria possível ver escalas tão pequenas quanto o horizonte de eventos em uma galáxia que não é a nossa.
Para isso, eles usaram uma técnica (interferometria) que permite combinar de forma precisa a informação dos vários radiotelescópios planetários, correspondendo efetivamente a um telescópio do tamanho da Terra. Para ter a capacidade técnica de combinar a informação dos telescópios, foi necessário instalar vários aparelhos nesses telescópios, fazer inúmeros testes, etc., até a chegada do ‘Dia D’ ‒ aliás, esse esforço custou dezenas de milhões de dólares.
Nesse dia, dezenas de equipes previamente treinadas e preparadas apontaram seus telescópios para M87. Os resultados apresentados hoje correspondem a observações feitas em vários dias de abril de 2017.
Mais que milhão de sóis
E por que se levou tanto tempo? Porque, primeiramente, foi preciso transportar a informação e condensá-la em um único centro de computação, para combinar as informações gravadas. São tantos dados que só podiam ser enviados em vários discos rígidos. Demoraria muito para transmitir pela internet. Processá-los devidamente, fazer todas as verificações necessárias, entre outros procedimentos, custaram meses de trabalho ‒ incluindo equipes independentes. Tudo isso para verificar se chegariam a um mesmo resultado, tornando-o mais confiável.
Depois, é todo o processo descrito no início deste texto, até o escrutínio final feito por pesquisadores especialistas e a aprovação dos artigos com as descrições técnicas detalhadas.
Aí, foi só contar para o mundo e expor a todos nós ‒ para deleite dos espectadores ‒ os primeiros resultados do projeto, condensados em uma imagem que fala mais que um milhão de sóis.
Martín Makler
Pesquisador titular
CBPF
Mais informações:
Site do projeto: https://eventhorizontelescope.org/
Descrições mais detalhadas: https://www.eso.org/public/outreach/first-picture-of-a-black-hole/blog/
Os artigos científicos: https://iopscience.iop.org/journal/2041-8205/page/Focus_on_EHT