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Pesquisador do CBPF comenta artigo em que uma estrela foi ‘pesada’
Artigo recém-publicado na revista Science por um grupo internacional de cientistas traz um feito considerado histórico: a primeira medida da massa de uma estrela por meio de uma técnica que mede o desvio sofrido pelos raios de luz em um campo gravitacional.
Kailash Sahu, do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial (EUA), e colegas norte-americanos, canadenses e britânicos mediram o quanto a luz, vinda de uma estrela mais distante, alterava sua trajetória ao passar nas proximidades da anã branca (tipo de estrela superdensa) batizada Stein 2051 B.
O efeito de desvio da luz permitiu aos pesquisadores ‘pesar’ (calcular a massa) da anã branca.
O físico de origem alemã Albert Einstein (18979-1955) – cuja teoria da relatividade geral foi comprovada pelo desvio da luz causado pelo Sol durante um eclipse em 1919 – sugeriu essa possibilidade em 1936, mas sem acreditar muito na possibilidade de realizar essa ‘pesagem’, por conta das dificuldades técnicas que ela impõe. Cerca de 80 anos depois, esses obstáculos foram vencidos.
Martín Makler, pesquisador titular do CBPF, concedeu esta entrevista ao Núcleo de Comunicação Social do CBPF. Nela, o físico especialista em lenteamento gravitacional comenta o impacto dos resultados apresentados no artigo da Science (v. 356, n. 6.342, pp. 1.046-1.050).
Por que a medida de desvio da luz por uma estrela anã branca é interessante?
Porque estrelas anãs brancas são uma das possíveis etapas finais da ‘vida’ de uma estrela. Mas, como podemos saber isso, se as estrelas levam bilhões de anos em sua vida? Nenhum cientista pôde acompanhar a vida de uma estrela, obviamente. No entanto, existem modelos físicos sobre a evolução das estrelas, incluindo a classe das anãs brancas, corpos muito compactos e quentes, mas em processo de resfriamento. Os resultados apresentados no artigo coincidem com os cálculos baseados nesses modelos.
Mas como saber realmente se o que vemos como uma anã branca é o resultado da evolução das estrelas e não outro objeto cósmico qualquer?
Uma forma é medir sua massa. Os modelos teóricos preveem condições sobre a massa e o tamanho das anãs brancas. Então, se esses parâmetros coincidem com aquilo que observamos, isso se torna uma sustentação muito importante para nosso conhecimento sobre a evolução estelar.
Como essa medida de desvio da luz foi feita? Como medir a massa de algo tão massivo (quase a massa do Sol) e tão distante?
Uma forma direta é usar a deflexão da luz pelo campo gravitacional, como previsto por Einstein em sua teoria da relatividade geral, que, por sinal, foi comprovada com base na deflexão que a luz ao passar nas proximidades do Sol em um eclipse de 1919 observado em Sobral, no Ceará, e na ilha de Príncipe, costa ocidental da África. Nesse caso, viu-se o efeito da gravidade do Sol modificando a trajetória da luz vinda de estrelas distantes, que, por conta desse desvio, são observadas no céu não em suas posições reais, mas, sim, aparentes, ou seja, diferente da qual ela realmente está. No caso do trabalho de Sahu e colegas, o desvio causado pelo campo gravitacional de uma anã branca sobre a luz de uma estrela distante é ínfimo e muito difícil de detectar. Daí o grande feito dessa equipe.
A matéria fala em ‘anel de Einstein’, e isso pode ser enganoso, não?
É importante dizer que não foi detectado nenhum anel de Einstein nesse estudo. O efeito do anel só ocorre em uma configuração muito específica: as duas estrelas – a que serve de fonte de luz e a que atua como de lente gravitacional – devem estar quase que perfeitamente alinhadas com o observador (nós na Terra). Não foi o que aconteceu no caso da anã branca e da estrela distante, pois não havia o alinhamento necessário para a ocorrência do fenômeno. O que a equipe de pesquisadores observou foi a variação da posição angular da estrela distante devido à deflexão da luz pela anã branca.
E como é a anã branca em questão?
Como mostrado pelos autores, a Stein 2051 B tem um centésimo do raio do Sol – 0,0114 do raio do Sol, para ser mais preciso. Ou seja, em volume, ela é um bilionésimo do volume do Sol. Usando esse raio e um modelo teórico para anãs brancas, a massa esperada seria em torno de 0,67 vezes a massa do Sol. A massa obtida pelo efeito de lente gravitacional foi de 0,675 vezes a massa do Sol. É impressionante o acordo da previsão com a observação, o que reforça nosso entendimento sobre essas estrelas. Note-se que a massa da anã branca em questão é de 70% da massa do Sol, mas isso em um volume que é um bilionésimo do Sol. Portanto, a densidade da Stein 2051 B é cerca de 450 mil vezes maior que a do Sol, o que não é nada surpreendente quando se trata de uma anã branca.
Um comentário na mesma edição em que saiu o artigo ressalta que Einstein não achava que esse efeito pudesse ser detectado. Por quê?
Porque é necessária uma precisão enorme nas medidas das posições das estrelas, o que só é possível com tecnologia atual. Por exemplo, com o telescópio espacial Hubble, com foi o caso. Porém, além da ajuda desse telescópio, foi preciso informações sobre as posições e os movimentos das estrelas com grande precisão, para que o sistema – anã branca e estrela – pudesse ser observado pelo próprio Hubble. E esse tipo de localização extremamente precisa só se tornou disponível recentemente. Então, a resposta para a pergunta é: tecnologia, bem como acúmulo de informação astronômica.
Mais informações sobre o tema (em inglês) e o entrevistado:
http://science.sciencemag.org/content/early/2017/06/06/science.aal2879
http://science.sciencemag.org/content/356/6342/1015
http://lattes.cnpq.br/6567844719949395
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