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Pesquisador da UFBA lança coletânea de divulgação com temas também de tecnologia
A certa altura de sua formação científica, o físico Marcio Luis Ferreira Nascimento foi infectado por um ‘vírus’ para o qual se diz não haver ou melhora, ou cura: o da popularização da ciência. E, no caso dele, da tecnologia ‒ reflexo do fato de ele ser professor e pesquisador da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia.
Parte desse trabalho de divulgador pode agora lido em Etcetera ‒ engenharia, tecnologia & ciência. O subtítulo revela um dos diferenciais da coletânea em relação a outras obras de divulgação: a inclusão de temas relacionados a invenções e indústria. A obra ‒ que sai pela Editora Universidade Federal da Bahia (Udufba) ‒ reúne textos de Nascimento para jornais e revistas, como Tribuna da Bahia , Correio da Bahia e A Tarde .
Marcio Nascimento, da UFBA
Anos de experiência podem fazer o processo de escrever para o grande público mais rápido, mas isso nem sempre significa menos esforço ‒ afinal, como na pesquisa, vez por outra, o praticante é arrastado a terras desconhecidas. No caso de Nascimento, isso implica, por exemplo, tentar explicar teorias que correspondem a formulações matemáticas simplesmente perfeitas, em termos de estética e simplicidade. “Como não dá para mudar a matemática, devemos buscar maneiras de interpretá-la ao grande público”, diz o físico.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida por Nascimento ao Núcleo de Comunicação Social do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ).
Como surgiu a ideia de escrever para o grande público?
No final da graduação e início do mestrado, por volta de 1999, passei a escrever textos que foram publicados em ‘Geocities’, extinto repositório da web: ‘Experimentos legais que você pode fazer em casa’. Fazendo uma simples busca na internet, é possível, ainda hoje, encontrar um espelho da página ‒ evidentemente, desatualizada.
Muitos dos textos de seu livro parecem mesclar assuntos bem diversos, como no caso de ‘A bota do índio, o Sr. Goodyear, serendipismo e a escola que queremos’. Como você escolhe esses temas? Quais a fontes de inspiração?
A resposta para essa pergunta não é trivial, pois a inspiração pode chegar de repente, como numa avalanche, ou aos poucos, ao amadurecerem as ideias. No caso do artigo sobre a ‘bota do índio’, tive a oportunidade de conhecer o grande físico brasileiro César Lattes [1924-2005], em palestra comemorativa dos 50 anos da descoberta do méson pi, em 1997 ‒ eu era ainda estudante do Instituto de Física da USP [IFUSP]. Lembro-me de que ele começou a palestra provocando os presentes, ao informar que se praticava ciência antes mesmo da chegada dos portugueses, e isso ocorria, por exemplo, quando o índio arremessava um arpão para fisgar um peixe. Para ter sucesso, o índio deveria, mesmo que intuitivamente, perceber a existência da refração da luz na água, que desloca a imagem do peixe quando visto pelo observador. Já com relação ao serendipismo, era um dos assuntos preferidos de palestras e conversas de meu orientador de iniciação científica e de mestrado, [o pesquisador] Shigueo Watanabe, no IFUSP. Estudávamos e produzíamos materiais amorfos naquela época, e me lembro de que ele ilustrava descobertas sensacionais feitas ao acaso, como foi o processo de vulcanização elaborado pelo inventor norte-americano Charles Goodyear [1800-1860]. A borracha é um material natural que apresenta uma estrutura desorganizada, dita amorfa. Juntando todas essas informações, o resultado passou a ser aquele texto.
“Ciência precisa ser vista como algo divertido!”
Um diferencial de seu livro é que você dá ênfase a temas tecnológicos e de engenharia. Por que você optou por esse viés?
Bom, estou professor de engenharia, e esses assuntos naturalmente fazem parte do dia a dia com alunos e colegas da universidade onde leciono. Muitas das ideias engenhosas em nosso mundo são aplicações científicas que correspondem a tecnologias incríveis. Por exemplo, para fazer grandes vidros planos de janela, o inventor [britânico] Alastair Pilkington [1920-1995] se inspirou em como flui a água com sabão na pia, ao lavar pratos. Antes dele, também se faziam vidros de janela, mas com um custo adicional de polimento que encarecia por demais o produto. A proposta do livro é apresentar, em linguagem acessível, esses engenhos e técnicas a um público amplo que possivelmente não tenha tido oportunidade de lidar diretamente com esses assuntos científicos em seu dia a dia. Ciência precisa ser vista como algo divertido!
Fale um pouco sobre sua área de pesquisa atual. Ela tem influência sobre a escolha de temas de seus textos?
Ao entrar na universidade, comecei a apreciar muito a vivência em laboratório e a aplicação das teorias aprendidas. Nesse sentido, tive muita sorte, ao ter bons professores e orientadores que considero acima da média, como, no caso do doutorado, do [pesquisador] Edgar Zanotto, da UFSCar [Universidade Federal de São Carlos (SP)]. Por sinal, tive os primeiros exemplos sobre como proteger o conhecimento na forma de patentes com ele, que, além de docente, é inventor. Em linhas gerais, pesquiso propriedades fundamentais e busco desenvolver aplicações de materiais amorfos denominados vitrocerâmicas. Também trabalho com compósitos de fibras naturais, com alguns argilominerais, bem como um ou outro material nanotecnológico, em associação com outros grupos de pesquisa no país e no exterior. No entanto, existem surpresas, boa parte delas trazidas pelos próprios alunos, que nos fazem aprender e aplicar ferramentas estatísticas, como é o caso de recentes problemas que estamos enfrentando ao utilizar conceitos de big data e ciência de dados. Nesse particular, tive sorte de ter [o pesquisador] Luiz Barco, ainda na USP [Universidade de São Paulo], como tutor e amigo para discutir e aprender um pouco mais de aplicações matemáticas. Por fim, ao desenvolver novas tecnologias, nosso grupo passou a estudar mais sobre inovação e transferência tecnológica, depositando as primeiras patentes. Pesquisar é isso: estar continuamente enfrentando novos desafios.
“Para me fazer entender, esse esforço de escolher as palavras, e ilustrar as ideias com os exemplos mais simples é algo absolutamente necessário”
Ao escrever, como você imagina seu leitor(a)? Como é o processo de ‘calibrar’ a linguagem para esse público?
Ao escrever, tenho sempre em mente as pessoas ao meu redor, principalmente minha família. Somente eu tive a oportunidade de estudar assuntos de engenharia, física e que tais; portanto, pelo menos no ambiente familiar, sou um estranho no ninho. Para me fazer entender, esse esforço de escolher as palavras, e ilustrar as ideias com os exemplos mais simples é algo absolutamente necessário.
Tem algum texto da coletânea com o qual você mais se identifica? Algum foi particularmente trabalhoso?
Difícil responder. Certamente, o maior trabalho foi o da prospecção de imagens, mais de 200 delas, a maioria em domínio público. Contamos com a gentileza da cessão de direitos de imagens importantes e ilustrativas, como a da nanoguitarra, por Harold Craighead, da Universidade Cornell [EUA]. Escrever para o grande público, em geral, é muito trabalhoso e gratificante ao mesmo tempo. Estou sempre atento, me policiando para escrever no modo mais simples possível. Às vezes, fico com vontade de escrever alguma fórmula ou equação, que simplificaria muito o argumento, mas quase sempre não funciona, pois infelizmente a matemática continua sendo um bicho-papão para a maioria das pessoas.
“Como não dá para mudar a matemática, devemos buscar maneiras de interpretá-la ao grande público”
Diz-se que, uma vez que se começa a escrever para o grande público, é difícil parar, pois a tarefa de pensar de modo simples sobre ciência e aquilo que se pesquisa é gratificante. Seria seu caso?
Sim. No início, escrevia muito devagar, mas depois notei que passei a escrever cada vez mais rápido. É realmente curioso e gratificante todo esse processo. No entanto, um grande entrave que ainda persiste surge ao tentar explicar teorias que correspondem a formulações matemáticas simplesmente perfeitas, em termos de estética e simplicidade. Como não dá para mudar a matemática, devemos buscar maneiras de interpretá-la ao grande público.
Algum projeto nessa área de divulgação científica?
Sim. Submetemos o segundo livro para avaliação da editora da universidade [Edufba] o qual trata de engenhosas ideias matemáticas, claro!
SERVIÇO
Título: Etcetera ‒ engenharia, tecnologia & ciência
Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento
Editora : Edufba
Páginas : 363
Preço médio: R$ 45 (papel)
Mais informações:
Sítios do autor: www.nano.ufba.br e www.lamav.ufba.br