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Partículas de vida longa são biografadas em texto de pesquisador do CBPF
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Arthur Marques Moraes, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), escreve sobre partículas de longa vida, tema de palestra que ele fará no workshop conjunto do CBPF com o ICISE (Centro Internacional para Ciência e Educação Interdisciplinares), em Quy Nhon (Vietnã), que ocorre entre esta segunda-feira (01/07) e o próximo dia 06. No evento – que terá a participação de Ronald Shellard, diretor do CBPF –, será assinado (dia 05) um memorando de entendimento para a formalização de um acordo de cooperação científica entre as duas instituições.
As vidas secretas das partículas de vida longa
O universo aparenta ser um tanto desequilibrado. A gravidade é tremendamente fraca, praticamente imperceptível em nível subatômico. Mas a força ‘fraca’, que permite que as partículas interajam e se transformem, é enormemente mais forte que a gravidade naquela escala diminuta.
Mais uma evidência dessa falta de equilíbrio: a massa do bóson de Higgs ‒ a partícula detectada recentemente e responsável por conferir a propriedade massa às suas companheiras subatômicas ‒ é curiosamente pequena.
E quanto ao universo? A situação da maior estrutura conhecida também não é muito reconfortante: cerca de 96% da lista de ingredientes do universo são desconhecidos.
No universo subatômico, quase todas as observações podem ser explicadas pelo chamado Modelo Padrão de Partículas Elementares (ou só Modelo Padrão), conjunto teórico robusto e repleto de previsões que, ao longo das últimas décadas, foram verificadas com precisão impressionante.
Mas esse ferramental teórico de sucesso tem seus quebra-cabeças não resolvidos, cuja matemática é desajeitada, incompleta e cheia de restrições. Na engenharia do mundo subatômico, se pudéssemos adicionar mais algumas partículas ao conjunto das já conhecidas, quase todas essas frustrações seriam resolvidas.
A supersimetria é um dos caminhos para atacar esses mistérios. Mas esse modelo colossal introduz novas partículas nas equações do Modelo Padrão. Arredonda a matemática e amarra as pontas soltas. O único problema é que, depois de décadas de busca, os físicos não encontraram nenhuma dessas novas partículas, ditas supersimétricas.
Espécies clandestinas
Talvez, a razão pela qual os físicos não tenham encontrado partículas previstas por modelos supersimétricos (ou outras extensões do Modelo Padrão) seja a de que eles estejam olhando pela lente errada.
No passado, os físicos supunham que novas partículas produzidas em colisões de partículas decairiam imediatamente – quase precisamente em seus pontos de origem. Um exemplo nesse sentido seriam os bósons de Higgs produzidos no LHC (sigla, em inglês, para Grande Colisor de Hádrons), o mais potente acelerador de partículas do planeta.
Essas partículas são observadas por meio de instrumentos chamados detectores, construídos em torno dos pontos de colisão entre os constituintes da matéria. Mas e se as novas partículas tivessem vidas longas e viajassem centímetros (ou quilômetros!) antes de se transformarem em algo que os físicos pudessem detectar?
Isso não seria um cenário sem precedentes. Exemplos: i) os chamados quarks bottom podem percorrer décimos de milímetro antes de se decomporem em partículas mais estáveis; ii) os múons (elétrons ‘pesados’) podem viajar quilômetros – com a ajuda da dilatação temporal prevista pela teoria da relatividade especial – antes de se transformarem em outros partículas (elétrons e neutrinos).
Muitos físicos teóricos, agora, estão prevendo que pode haver espécies clandestinas de partículas que se comportam de maneira semelhante.
Setor oculto
Um problema (talvez, o único) com as partículas de vida longa é que elas raramente interagem com a matéria comum, o que explicaria por que têm escapado da detecção por tanto tempo. Possível explicação para esse comportamento: elas residem em um ‘setor oculto’ da física.
As partículas do setor oculto são separadas da matéria comum ‒ a que forma de vírus e bactérias a planetas, estrelas e galáxias ‒ por uma barreira de energia quântica, como se fossem duas aldeias apartadas por uma cadeia de montanhas. As aldeias podem estar bem próximas uma da outra, mas, sem um grande aumento de energia para superar o pico, os habitantes desses dois povoados nunca conseguirão interagir uns com os outros.
Colisões de alta energia geradas pelo LHC poderiam permitir que essas partículas do setor oculto superassem essa barreira e passem a transitar em nosso regime de energia. E, se o LHC puder produzi-las, os cientistas poderão ver as ‘impressões digitais’ de partículas de vida longa impressas em seus dados.
A figura mostra possíveis traços (trajetórias) desse tipo de partícula em colisões no acelerador LHC.
Figura. Indícios de partículas de vida longa: posição 12h (traços desaparecendo),
5h (jatos sem traços), 6h (vértices multitraços) e 11h (vértices deslocados)
(Crédito: A. M. Moraes)
Como criaturas vivas
Partículas de vida longa lançadas em nosso mundo pelo LHC provavelmente voariam com velocidades próximas à da luz (cerca de 300 mil km/s), por distâncias que poderiam variar entre micrômetros (milionésimos de metro) a centenas de milhares de quilômetros, antes de se transformarem (decaírem) em matéria ordinária e mensurável. Essa amplitude de possibilidades incrivelmente generosa torna difícil para os cientistas determinar onde e como procurá-las.
Assim como criaturas vivas, partículas subatômicas têm um tempo de vida bem característico. Cada tipo de partícula tem uma expectativa de vida média, mas o valor exato varia individualmente.
Ainda que algumas dessas partículas de vida longa possam viajar milhares de quilômetros antes de decair, os cientistas esperam conseguir capturar algumas que tenham decaído antes de deixar o detector.
Primas da matéria escura
Como partículas de vida longa não interagem com o detector, seu sinal no interior desse equipamento teria a aparência de uma sequência ou de um jato de partículas de matéria comum, com o diferencial de que surgiriam espontaneamente do nada. Por exemplo, se uma partícula de vida longa se decompusesse em quarks , enquanto ela estivesse dentro do detector de múons, ela imitaria a aparência de vários múons próximos uns dos outros.
Para ver se uma sequência ou um jato de partículas poderiam ser descendentes de uma ‘mãe’ invisível (e de vida longa), os cientistas usam algoritmos personalizados para reconstruir as origens dessas partículas em grupos.
Se descoberta, essa nova espécie de matéria poderia ajudar a responder a questões persistentes na física. Partículas de vida longa não são previsão de uma única nova teoria, mas, sim, fenômeno que poderia se encaixar em quase todas as nossas estruturas para uma física além do Modelo Padrão.
Além de ‘arredondar’ a matemática do Modelo Padrão, partículas inertes de vida longa poderiam ser ‘primas’ da matéria escura, forma invisível de matéria que interage com o cosmo visível apenas por meio da gravidade e que é responsável por cerca de 25% da composição do universo. Portanto, a detecção de partículas de vida longa ajudaria também a explicar a origem da matéria após o Big Bang , o processo que deu origem ao universo há cerca de 13,8 bilhões de anos.
Arthur Marques Moraes
Pesquisador associado
CBPF
Mais informações:
Workshop: https://www.icisequynhon.com/conferences/2019/ICISE-CBPF-Workshop/
ICISE: www.icisequynhon.com