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Livro de pesquisador do CBPF acaba de sair pela Cambridge Press
Acaba de ser lançado pela prestigiosa editora britânica Cambridge University Press (CUP) o livro Quantum scaling in many-body systems – an approach to quantum phase transitions , de Mucio Continentino, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ).
Com cerca de 230 páginas, divididas em 15 capítulos (mais apêndice, referências e índice), a obra é resultado de décadas de pesquisa de um dos pioneiros na aplicação das ideias de teoria de escala ( scaling ) a sistema com muitos corpos para o entendimento das chamadas transições de fase quânticas.
As origens do livro remontam a um artigo de revisão escrito por Continentino para a Physics Report , publicado ainda em 1994. A boa repercussão da revisão – 67 citações até o momento, segundo a Web of Science – motivou o convite da editora científica World Scientific para que o físico brasileiro trabalhasse e ampliasse aquelas ideias na forma de um livro, cuja primeira edição saiu em 2001.
O livro – voltado para professionais da área ou estudantes avançados de pós-graduação – foi bem recebido pela crítica não só pelo pioneirismo – foi o primeiro sobre teoria de escala aplicada a transições de fase quânticas –, mas também pela “redação inspiradora” e por cativar o leitor a “pegar lápis e papel” para fazê-lo “se debruçar sobre ideias que vêm à mente”, segundo resenha (em inglês) publicada à época em Brazilian Journal of Physics (v. 32, n. 2b, pp. 671672, 2002), a qual também enfatizou o fato de a obra, sempre que possível, dialogar com resultados experimentais e ressaltar aplicações.
A edição que sai agora pela CUP traz acréscimos de conteúdo. Por exemplo, o capítulo sobre supercondutividade foi alargado e foi introduzido assunto muito recente das chamadas transições de fase topológicas – por sinal, tema premiado pelo Nobel de Física do ano passado.
Capa da nova edição, que sai pela Cambridge University Press
(Crédito: M. Continentino/Cambridge University Press)
Assunto ‘acadêmico’
Por muito tempo, o assunto ‘transição de fase quântica’ foi tema meramente acadêmico, quase uma curiosidade teórica. Experimentais não davam atenção ao assunto – afinal, por que gastar tempo e recursos com um fenômeno (transição de fase quântica) que se acreditava ocorrer apenas a zero kelvin?
No entanto, no final da década de 1980 e início da seguinte, os teóricos mostraram que era possível resgatar toda a rica fenomenologia das transições de fase quânticas em uma região na vizinhança do zero absoluto. Esse foi, à época, um dos resultados de Continentino, obtido com a aplicação da teoria de escala ao fenômeno.
A partir daí, houve uma mudança de paradigma. Experimentais passaram a olhar com interesse para as transições de fase quânticas, e resultados começaram a aparecer na literatura, dando momento a essa área de pesquisa cujas origens estão cravadas na década de 1960.
Nas últimas duas décadas, os resultados dessas pesquisas – tanto teóricas quanto experimentais – têm tido muita relevância para a área de física da matéria condensada, pois passou a ser possível acessar, a temperaturas muito baixas, porém finitas, as transições de fase quânticas.
Hoje, tanto teóricos quanto experimentais tentam descobrir novas transições de fase quânticas – como a passagem de um material isolante para condutor de eletricidade – em busca de aplicações que possam ser potencialmente exploradas com propósitos tecnológicos. Em especial, destaca-se a área de transições de fase topológicas, que pode ser visto como um tipo novo e peculiar de estado físico da matéria (http://portal.cbpf.br/noticia/nobel-de-fisica-2016-fases-topologicas-da-materia/1054).
Padronagem e competição
A teoria de escala e as transições de fase quânticas são a ‘alma’ do livro de Continentino. Portanto, vale esmiuçá-las, ainda que de modo simplificado.
Uma maneira pictórica de entender no que consiste a teoria de escala é imaginar uma padronagem (uma estampa, por exemplo) com a seguinte propriedade: ao ser examinada ao microscópio, ela se mantém exatamente a mesma, ainda que se aumente o poder de resolução desse equipamento óptico (10 vezes, 100 vezes, 1000 vezes etc.).
Por sua vez, uma transição de fase quântica é uma expressão – não sem alguma pompa – para designar um fenômeno que, em sua essência, tem um equivalente observado corriqueiramente no cotidiano: um cubo de gelo derretendo, tornando-se água, e esta evaporando (ou seja, mudança entre os estados sólido, líquido e gasoso).
Apresentados esses dois conceitos, pode-se agora juntá-los em outro quadro pictórico. Imagine uma barra de ferro comum. Se a examinarmos microscopicamente, veremos que ela é formada por um sem-número de diminutas ‘bússolas’. Porém, a temperaturas altas, essas pequeninas ‘agulhas’ estão orientadas aleatoriamente – cada uma aponta em uma direção.
No entanto, se a barra for resfriada a temperaturas suficientemente baixas, em determinado momento (e espontaneamente), essas agulhas se alinham em uma única direção. A ‘desorganização’ torna-se ultraorganizada, e, com isso, a barra torna-se um ímã.
Essa transição de fase térmica resulta da competição entre a energia de interação entre as bússolas, a qual é menor quando elas estão alinhadas, favorecendo esse estado. O outro ingrediente é a entropia (ou ‘desordem’), que é maior quando as bússolas apontam em direções arbitrárias. Essa entropia está associada a um conteúdo energético proporcional à temperatura, mas de sinal contrário ao da interação entre as bússolas e, portanto, competem entre si.
Em temperatura zero – ou seja, no caso das transições quânticas –, não existe o termo de entropia. Portanto, uma transição de fase só pode ocorrer se a própria energia do sistema possuir termos que competem entre si. A transição quântica ocorre quando um termo da energia predomina sobre o outro, alterando o estado fundamental. Nesse momento, o sistema se torna invariante por escala e, assim como nossa estampa, o material passa a ter uma ‘padronagem’ uniforme. É mais ou menos como se, antes da transição de fase, uma bússola ‘sentisse’ a influência apenas daquelas que estão em sua vizinhança; na transição, todas elas, independentemente da distância que as separa, estão ‘conectadas’.
Atualmente, conhecem-se várias transições de fase quânticas. As mais emblemáticas são aquelas que transformam isolantes em bons condutores de eletricidade, e estes em supercondutores – um estado em que o material conduz eletricidade sem dissipar calor; ou seja, um fio supercondutor não esquenta, como ocorre com aqueles de cobre usados no cotidiano.
Entender os mecanismos subjacentes às transições de fase quânticas é, em última instância, compreender materiais que têm (ou podem vir a ter) aplicações tecnológicas de grande importância econômica na atualidade, como aqueles com propriedades supercondutoras, magnéticas ou de superfluidez, para ficar em poucos exemplos.
Quanto ao livro, uma boa síntese da obra está nas palavras do resenhista citado anteriormente: “É bem provável que você será um físico melhor quando chegar à última página”.
Mais informações:
Quantum scaling in many-body systems: https://www.cambridge.org/core/books/quantum-scaling-in-manybody-systems/84139AD3B91D46615EA51699BE699AAE
Physics Report : http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0370157394901120
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