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Infraestrutura de pesquisa requer instalações em várias escalas de tamanho no Brasil
O físico e escritor Alaor Chaves, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física, discute neste artigo questões ligadas ao financiamento e à infraestrutura para a pesquisa científica, ressaltando a necessidade de ampliar ambos no Brasil.
Até a Segunda Guerra Mundial, a pesquisa científica e tecnológica empregava uma infraestrutura muito modesta comparada à existente na atualidade. Durante a guerra, os feitos tecnológicos realizados pelos países aliados deram novo prestígio à ciência e à tecnologia na visão do público e dos governos.
Em novembro de 1944, o engenheiro norte-americano Vannevar Bush (1890-1974), diretor do OSRD (sigla, em inglês, para Escritório de Pesquisa Científica e Desenvolvimento), dos EUA, convenceu o presidente Frank Delano Roosevelt (1882-1945) da importância de se criar um sistema federal de financiamento da pesquisa para a época de paz. Encarregado pelo presidente de delinear tal sistema, Bush iniciou o trabalho. Em julho de 1945, entregou ao presidente seguinte, Harry Truman (1884-1972), o relatório Science, the endless frontier (Ciência, a fronteira sem fim), que, por décadas, influenciou fortemente a programação da pesquisa e do seu sistema de financiamento nos EUA e no resto do mundo.
Até o final da década de 1950, nos países industrializados, houve enorme ampliação do sistema de pesquisa, com a correspondente institucionalização da infraestrutura e do sistema governamental incumbido do seu financiamento. Bush apontou a distinção entre ciência básica – feita sem consideração de uso – e pesquisa aplicada, e afirmou que aquela é a precursora das tecnologias.
Bush, coordenador do relatório Science, the endless frontier
(Crédito: Wikimedia Commons)
Toda a infraestrutura de pesquisa moderna, que vem se aprimorando e ampliando desde então, envolve instituições com missões específicas em ciência básica e pesquisa aplicada. Para a interação criativa entre essas duas atividades, instituições voltadas para a pesquisa aplicada incluem cientistas dedicados à pesquisa básica e vice-versa. Cada um dos países desenvolvidos criou seu próprio sistema de pesquisa, segundo sua experiência em C,T&I, e, em cada um deles, há uma lógica e um funcionamento eficiente. O retorno dos dispêndios em pesquisa tem sido fenomenal.
A função das universidades é, em todos os modelos, principalmente, formar pessoas qualificadas. Para isso, praticam intensos programas de pesquisa básica financiada muito majoritariamente pelos governos e, na maioria dos casos, programas complementares de pesquisa aplicada financiada pelas empresas. Nos EUA, o governo federal arcou, em 2012, com US$ 42 bilhões dos US$ 64 bilhões despendidos em pesquisa pelas universidades. A pesquisa tecnológica, bem mais dispendiosa, é realizada principalmente pelas indústrias, que arcam lá com cerca de dois terços dos investimentos nacionais em C,T&I.
Do laboratório local ao nacional
Na média, os 20 países da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) investiram, em 2015, 2,38% dos seus Produtos Internos Brutos (PIBs) em P&D, e esse percentual vem crescendo no último meio século. A Coreia do Sul ‒ que, em 1960, era menos desenvolvida do que o Brasil ‒ investiu, em 2015, 4,03% do PIB em P&D. A ênfase coreana na educação e na pesquisa foi o que gerou a divergência na história econômica e social daquele país.
Ao largo do mundo, as instalações de pesquisa têm escalas que vão desde o laboratório universitário do professor e seus alunos a enormes instalações, como as unidades temáticas de pesquisa dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), dos EUA. Este tem orçamento de US$ 32 bilhões, gasta cerca de 20% disso intramuros nas suas unidades, e o restante, no financiamento da pesquisa universitária em medicina e biologia. Enfim, um análogo ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), com orçamento algo 30 vezes maior, voltado só para a área de saúde.
Uma das instalações dos Institutos Nacionais de Saúde, dos EUA
(Crédito: Wikimedia Commons)
Muitas das instalações são laboratórios nacionais, geralmente abertos a usuários externos. O Departamento de Energia, dos EUA, destina cerca de US$ 12 bilhões a grandes unidades de pesquisa. Os orçamentos de duas delas ‒ o Laboratório Nacional Argonne (US$ 760 milhões) e o Fermilab (US$ 345 milhões) ‒ somam um total que, talvez, seja superior ao orçamento que será executado este ano pelo MCTIC.
A NASA tem um orçamento de US$ 18 bilhões; seu telescópio James Webb já custou mais de US$ 8 bilhões ‒ e ainda não está pronto. Vai suceder o Hubble, que, na sua longa história, custou mais de US$ 10 bilhões. O CERN (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares) ‒ consórcio europeu de 19 países europeus, Israel e cinco membros associados ‒ opera, entre outras instalações, o LHC (Grande Colisor de Hádrons), acelerador de pesquisa que custou US$ 12 bilhões.
Cenário brasileiro
O Brasil tem praticado desde o final da década de 1960 um bem-sucedido programa de pós-graduação. Em 1970, o país tinha cerca de mil pessoas com grau de doutor; ano passado, titulou mais de 18 mil doutores. Mas esse programa não tem sido acompanhado de um crescimento correspondente na infraestrutura de pesquisa.
No final do governo Lula, graças ao extraordinário esforço do ministro Sergio Rezende, o Brasil investiu 1,15% do seu PIB em P&D. Nos últimos anos, esses gastos estão declinando dramaticamente ‒ e nem encontrei dados confiáveis sobre o quanto temos investido.
O orçamento do MCTIC tem sofrido cortes contínuos, além de drástico contingenciamento durante a execução. Ano passado, o total liberado foi inferior a US$ 1 bilhão. Nas 16 unidades de pesquisa e três organizações sociais vinculadas ao MCTIC, o dinheiro liberado não tem sido suficiente para pagar despesas essenciais, como conta de eletricidade. No CBPF, no Rio de Janeiro (RJ), há um acervo de R$ 100 milhões em equipamentos de pesquisa, boa parte do qual paralisada por falta de manutenção.
Nas outras unidades do MCTIC e nas universidades, a realidade é bem semelhante. No Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), segundo seu idealizador e atual diretor, o físico Rogério Cerqueira Leite, há uma pequena reserva de contingência suficiente para pagar as contas e fechar as portas. Em São José dos Campos (SP), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) não tem dinheiro para manutenção do supercomputador que usa para fazer previsões climáticas.
Obras do acelerador síncrotron Sírius, em Campinas (SP)
(Crédito: CNPEM)
Nas unidades de pesquisa vinculadas a outros ministérios, a situação não é nada melhor. Os institutos da Fundação Fiocruz estão em gravíssima crise, o que resultará em muitas mortes evitáveis ‒ com isso, o Sistema Único de Saúde (SUS) despenderá dezenas de vezes o retirado da Fiocruz. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tanto impulsionou nossa tecnologia agrícola, tem sido afetada por cortes de orçamento e sofrido grave ingerência política.
Entendemos que o governo passa por grave crise financeira. Mas há várias questões a se considerar. Em 2014, o governo federal concedeu R$ 25 bilhões de isenções fiscais na Zona Franca de Manaus (ZFM), criada em 1967 e que nunca será capaz de andar com as pernas próprias. A ZFM, na verdade, provoca atraso na nossa tecnologia, pois desenvolvê-la em Manaus é inviável – meio século de experiência demonstrou isso.
No total, o governo federal pratica, em todo o país, mais de R$ 270 bilhões de renúncia fiscal. Boa parte disso em benefício de multinacionais das quais sequer se cobra a contrapartida de internalizar parte da sua pesquisa. Nos governos estaduais, a renúncia fiscal é uma guerra que ajudou a quebrá-los.
O Brasil precisa ampliar urgentemente sua infraestrutura de pesquisa, em várias escalas, do laboratório multiusuário local aos projetos de grande envergadura, como o Sírius e o Reator Multipropósito Brasileiro, caso queira voltar a repetir o sucesso obtido em anos recentes. As verbas para isso poderiam vir de uma reengenharia da renúncia fiscal do governo federal ou de fundos nacionais criados especificamente para esse propósito, como um percentual dos lucros dos bancos tantos estatais quanto privados.
Alaor Chaves
Professor emérito,
UFMG
Mais informações:
Science, the endless frontier : https://www.nsf.gov/od/lpa/nsf50/vbush1945.htm