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Hawking, mesmo preso a cadeira de rodas, foi muito além dos buracos negros
Marc Casals, pesquisador associado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a convite do Núcleo de Comunicação Social, destaca, no texto a seguir, contribuições científicas do físico teórico britânico e divulgador da ciência Stephen Hawking, morto no último dia 14 de março.
No último dia 14 de março, o mundo recebeu uma notícia muito triste: a morte, aos 76 anos de idade, de Stephen William Hawking, professor lucasiano de matemática na Universidade de Cambridge (Reino Unido). Suas enormes contribuições científicas avançaram nossa compreensão não só dos buracos negros, mas também do universo.
Até os resultados de Hawking, acreditava-se que buracos negros estáticos (ou seja, sem rotação) eram exatamente assim: ‘negros’, isto é, não emitiam nem luz, nem outro tipo de radiação. Surpreendentemente, em 1974, Hawking mostrou que isso não é exatamente assim. Os buracos negros são soluções das equações da relatividade geral ‒ teoria da gravitação proposta, em 1915, pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955).
Segundo essa teoria, buracos negros estáticos não emitem radiação. Porém, Hawking mostrou que, quando elementos da física quântica (teoria que lida com os fenômenos atômicos e subatômicos) são incorporados à descrição de buracos negros, estes emitem radiação eletromagnética (e de outros tipos) de caráter térmico, ou seja, de forma semelhante a um black body (corpo negro).
Essa radiação quântica é bem fraca (atualmente, indetectável), mas sua simples existência levanta questões fundamentais, como o famoso paradoxo de informação: se os buracos negros emitem radiação, eles acabam por desaparecer, deixando para trás só essa radiação térmica. Então, para onde foi toda a informação sobre a matéria que originou inicialmente esse corpo ultramassivo, que devora até mesmo a luz?
Singularidade e entropia
A descoberta do ‘brilho’ quântico dos buracos negros não foi a única contribuição científica de Hawking. Longe disso. Anteriormente, ele já havia feito estudos profundos sobre o comportamento clássico de buracos negros ‒ quando certa condição de energia é satisfeita. Por exemplo, juntamente com o físico-matemático britânico Roger Penrose, da Universidade de Oxford (Reino Unido), ele fez os importantes teoremas de singularidades (1965 e 1970), segundo os quais matéria suficientemente massiva acaba por colapsar, formando uma ‘singularidade’ no espaço-tempo (‘tecido’ que reúne as três dimensões espaciais e o tempo). Nesse cenário, é esperado que um buraco negro acabe se formando, ‘recobrindo’, assim, essa singularidade.
Hawking também formulou o importante teorema da área, de 1971, segundo o qual, classicamente, a área de buracos negros não pode diminuir. Com isso, ele estabeleceu um paralelismo entre a área e a entropia (conceito da termodinâmica relativo à medida do grau de ‘desordem’ de um sistema) desses objetos astrofísicos.
O físico Stephen Hawking
(Crédito: NASA)
Fechado e sem fronteiras
As contribuições de Hawking foram além de buracos negros: elas também se deram em temas como a origem do universo. Por exemplo, ele e James Hartle, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA), fizeram, em 1983, a proposta do chamado ‘ no boundary ’: o universo seria espacialmente fechado e sem fronteiras (como uma esfera), com as leis da física valendo em todos os lugares, e o inicio do universo não seria uma singularidade (como o Big Bang ), mas, sim, um ponto ordinário no espaço-tempo.
Lucy apresentando seu pai, em cerimônia na NASA
(Crédito: NASA/Paul Alers)
Hawking nasceu em 8 de janeiro de 1942, em Oxford (Reino Unido). Ele se casou duas vezes (1965 e 1995) e teve dois filhos (1967 e 1979) e uma filha (1970). Em 1963, foi diagnosticado com a rara doença degenerativa ELA (esclerose lateral amiotrófica). A doença o paralisou quase completamente, afetando seu cotidiano. Mesmo assim, ele continuou fazendo pesquisa e divulgação científica. Tipicamente, os portadores desse quadro têm poucos anos de vida depois do diagnóstico. Hawking, no entanto, desafiou novamente o nosso conhecimento das leis da natureza e viveu mais quatro décadas.
Marc Casals
Pesquisador Adjunto,
CBPF