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Fotografia de pioneira mundial da física lança ‘Memória por Imagem’
MEMÓRIA POR IMAGEM
(Crédito: Memória por Imagem/Biblioteca do CBPF)
O portal do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ), inaugura a seção ‘Memória por Imagem’ em grande estilo, com uma fotografia do acervo de sua Biblioteca na qual está uma pioneira da física: a brasileira Sonja Ashauer (1923-1948).
Formada em física em 1942, pela Universidade de São Paulo (USP) ‒ em uma época em que poucas mulheres chegavam ao nível superior, tanto no Brasil quanto no mundo ‒, Sonja foi contratada como assistente do ítalo-ucraniano Gleb Wataghin (1899-1986), fundador do Departamento de Física da USP e principal responsável pela institucionalização da pesquisa em física no Brasil, o que se deu a partir de meados da década de 1930.
Em 1945, Wataghin enviou Sonja fazer o doutorado na Universidade de Cambridge (Reino Unido). Lá, seu orientador foi o físico britânico Paul Dirac (1902-1984), um dos luminares da física do século passado, Nobel de 1933 e grande especialista em mecânica quântica, teoria que lida com os fenômenos do mundo atômico e subatômico.
Verso da fotografia, com a lista de parte dos participantes do colóquio de 1945 em Dublin (Irlanda)
(Crédito: Memória por Imagem/Biblioteca do CBPF)
A foto reúne participantes do Colóquio de Física Teórica sediado no Instituto de Estudos Avançados de Dublin (Irlanda) entre 5 e 18 de julho de 1945. Sonja é a 2ª mulher (da esq. para a dir.), da 2ª fileira. Entre os sentados, na 1ª fileira (também da esq. para a dir.), estão, por exemplo, Dirac (4º), o físico alemão Max Born (1882-1970) (2º) e o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) (7º), ambos ganhadores do Nobel.
Nascida em São Paulo (SP), em 9 de abril de 1923, Sonja voltaria ao Brasil no primeiro semestre de 1948. Era agora detentora do segundo doutorado formal em física no país ‒ o primeiro foi o de um dos fundadores do CBPF, José Leite Lopes (1918-2006), em 1946, em Princeton (EUA). Em 21 de agosto daquele ano, Sonja morreria, aos 25 anos, em circunstâncias ainda hoje mal esclarecidas.
A foto foi feita em um momento histórico: cerca de três semanas depois, os EUA lançariam sobre o Japão duas bombas nucleares, e o mundo entraria em uma nova fase geopolítica: a Guerra Fria. E o modo de fazer física nunca mais seria o mesmo: o físico solitário ou como parte de pequenos grupos perderia espaço para aquele que iria trabalhar em laboratórios nacionais e gigantes ‒ não raramente, com milhares de pesquisadores.
Era o início da Big Science , cuja casa eram os EUA, onde havia verbas torrenciais para a pesquisa, vindas, em sua maioria, de fontes ligadas ao militarismo. Por exemplo, em 1949, naquele país, 96% dos fundos para todas as ciências básicas vinham de agências como o Departamento de Defesa e a Comissão de Energia Atômica. Quatro anos depois, 98% das verbas para a pesquisa em física tinham origem em órgãos de defesa ou segurança nacional.
Esse cenário era produto da ‘Metafísica da Guerra Fria’: governos ‒ inclusive, o brasileiro, à época, e a fundação do CBPF é prova disso ‒ perceberam que conhecimento era sinônimo de poder (político e econômico).
Mulheres na ciência
No Brasil, exatos 70 anos depois da morte de Sonja, as mulheres de (e ligadas à) ciência e tecnologia percorreram longo (e árduo) caminho. Hoje, estão presentes nos quadros de universidades e centros de pesquisa, tanto como professoras, pesquisadoras e tecnologistas quanto como parte da importante estrutura de gestão e administração das atividades científicas. Atualmente, no país, em várias carreiras científicas, o número de graduandas, graduadas e pós-graduandas já ultrapassa o de homens.
Em física, o cenário atual contrasta com aquele do início do século passado, em que pesquisadoras, muitas vezes, nem eram remuneradas por seu trabalho. Pioneiras como a franco-polonesa Marie Curie (1867-1934), a sérvia Mileva Maric (1875-1948), as austríacas Lise Meitner (1878-1968) e Marietta Blau (1894-1970), entre tantas outras, assim como Sonja, ajudaram a vencer preconceitos e mudar mentalidades.
No entanto, 60 anos se passariam desde o Nobel de Física de Marie Curie (1903) até o de outra física, a teuto-americana Maria Goeppert-Mayer (1906-1972), agraciada, em 1963 ‒ e, desde então, a última mulher a receber o prêmio nessa categoria. Em matemática, a iraniana Maryam Mirzakhani (1977-2017) seria, em 2014, a primeira (e, até agora, única) mulher a ganhar a prestigiosa Medalha Fields, criada em 1936.
Entre 1901, quando o Nobel foi criado, até o ano passado, 48 mulheres ganharam esse prêmio ‒ Marie Curie foi agraciada também com o de Química, em 1911. Nesse período, foram 584 premiações.
Tecnologistas, pós-graduandas, servidoras e funcionárias do CBPF, reunidas em foto para o 'Memória por Imagem'
(Crédito: JRicardo)
O projeto e a Biblioteca
O projeto ‘Memória por Imagem’ foi idealizado e é coordenado por Valéria Fortaleza, da Biblioteca do CBPF. “Esse projeto foi criado para ilustrar a história do CBPF, já que a encontramos em atas, publicações e até mesmo em nosso portal [da internet]. Porém, a riqueza da criação desta instituição é tão grande que merece ser contada também por meio de imagens, com as quais teremos a oportunidade de homenagear não só nossos fundadores, mas também todos que fazem parte da história desta instituição”, disse a assistente em ciência e tecnologia do CBPF.
A cada mês Valéria e o filósofo e historiador da ciência Antonio Augusto Passos Videira, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador colaborador do CBPF, escolherão uma imagem, que ganhará um breve ensaio de Videira. O próximo ‘Memória por Imagem’ já está pronto: será sobre os 70 anos da produção artificial da partícula nuclear méson pi (ou píon), obtida, em 1948, nos EUA, pelo físico brasileiro César Lattes (1924-2005) ‒ também fundador do CBPF ‒ e por seu colega norte-americano Eugene Gardner (1913-1950).
“O projeto ‘Memória por Imagens’ divulga documentos, fotos, filmes, cartas etc. que, na realidade, são testemunhos fantásticos de nossa rica história. A física brasileira, certamente, passa pelo conteúdo dessas imagens. É uma singela homenagem que prestamos a todos aqueles que ajudaram nossa instituição a chegar até aqui. A ciência, por sua dinâmica própria, muitas vezes, obscurece o brilho desses pioneiros. Assim, emociona rever o passado por meio desse projeto. Nossa Biblioteca, por sua tradição e seu histórico, estará sempre trabalhando no sentido de, cada vez mais, divulgar esse tipo de informação”, disse o tecnologista sênior do CBPF Nílton Alves Júnior, responsável pela Biblioteca.
Fundada em 1949, concomitantemente com o CBPF, a Biblioteca é referência nacional na área de física. Tem atualmente um acervo de aproximadamente 21 mil livros e 850 títulos de periódicos (240 correntes). Constam dele periódicos de grande importância histórica, como The Philosophical Magazine (1800), Comptes Rendus des Séances de L'Acadêmie des Sciences (1835), Philosophical Transactions of the Royal Society of London (1875), Proceedings of the Royal Society of London (1877).
Hoje, a Biblioteca faz parte da Coordenação de Ações Institucionais (COINS), chefiada pelo tecnologista sênior Márcio Portes de Albuquerque, vice-diretor do CBPF.
Sugestões de leitura:
Pioneiras da ciência no Brasil , de Hildete Melo e Ligia Rodrigues, SBPC, São Paulo, 2006. Disponível (PDF) em: http://cnpq.br/pioneiras-da-ciencia-do-brasil
Mulheres na física ‒ casos históricos, panorama e perspectivas, de Elisa Saitovitch, Renata Funchal, Marcia Barbosa, Suani Pinho e Ademir Santana (orgs.), Editora Livraria da Física, São Paulo, 2015