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Formado pelo CBPF, físico atua em projetos que unem pesquisa básica e indústria
Há ainda a ideia de que a principal saída profissional para os físicos é a acadêmica e universitária, mas isso está longe de ser verdade - as opções são inúmeras. Para ilustrar uma delas, a seção Alma Mater conversou com o físico Maury Duarte Correia. Atuando na área de geofísica na Petrobras desde 2010, Correia, com formação em física, concluiu seu doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, em 2015, sob orientação do pesquisador titular Ivan dos Santos Oliveira Júnior.
“Há muitos físicos na Petrobras; só no concurso que eu passei, entraram 45”, recorda.
Nesta entrevista, concedida ao Núcleo de Comunicação Social do CBPF, Correia fala sobre o trabalho como físico em uma empresa de grande porte, os desafios da área de óleo e gás e sobre o modo como a interação com a pesquisa básica tem ajudado a indústria a inovar e se desenvolver.
Fabiana Matos
Especial para o NCS-CBPF
Por que físico? Qual foi sua motivação?
Desde a escola, já me interessava mais pela física do que por outras matérias. Gostava de fazer os desenhos, os diagramas, era uma ‘higiene mental’ para mim. Parecia que organizava meus pensamentos. Conseguir equacionar movimentos e chegar a um número que representava as coisas que observávamos na natureza era algo prazeroso, apesar de naquela época eu encarar tudo como tarefas a cumprir, parte de ser um menino obediente para a instituição escolar e familiar. Tinha facilidade [na disciplina de física] em relação aos meus colegas e aquilo me impulsionava a ir mais fundo.
"Conseguir equacionar movimentos e chegar a um número que representava a quantidade das coisas que observávamos na natureza era algo prazeroso”
Como é o seu trabalho na Petrobras?
Sou especialista em modelos estatísticos de ressonância magnética nuclear para rochas, tema da minha tese [de doutorado]. Trabalho na Petrobras desde 2010, no cargo de geofísico. Em 2011, vim para o Centro de Pesquisas Leopoldo Miguez de Mello [Cenpes, da Petrobras], na ilha do Fundão (RJ), e comecei a trabalhar na área de pesquisa e desenvolvimento. Foi natural para mim o interesse em estudar propriedades de rochas e acabei indo para a petrofísica.
Uma questão importante nessa área é a capacidade de predizer como um fluido - seja óleo, gás ou mesmo água - irá escoar num rocha submetida às condições das operações de produção. Para isso, desenvolvemos uma série de medidas que ajudam a entender tanto a formação rochosa quanto os fluidos contidos nela. Isso significa criar modelos e caracterizar com ferramentas e medidas laboratoriais.
Estamos agora, Cenpes e CBPF, tentando fundamentar e testar hipóteses que levantamos sobre essa questão. Propusemos um modelo e, caso ele se mostre verdadeiro, podemos estendê-lo para outros meios porosos, como solos e, possivelmente, até para tecidos macios, como o cérebro. Já fizemos testes com medidas da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], obtidas pelo pesquisador Etelvino Novotny, nosso colaborador. E os resultados são animadores.
Correia, especialista em RMN, em visita ao Núcleo de Comunicação Social do CBPF
(Crédito: NCS-CBPF)
Quais são as fronteiras na exploração de petróleo hoje?
Fronteira exploratória, no jargão da área de óleo e gás, são regiões onde possivelmente há sistemas petrolíferos de interesse comercial; porém, ainda não há conhecimento geológico suficiente [para explorá-los] ou são áreas estratégicas, e, por isso, há ainda algum sigilo com relação a elas. Por exemplo, o pré-sal foi uma fronteira exploratória há uns 10 anos e, hoje, é uma realidade, pois já está na fase de produção.
Do ponto de vista científico, a indústria é um prato cheio no quesito fronteiras de exploração científica, ou seja, fronteiras de conhecimento. Os processos básicos de fluxo de fluidos na microescala são regidos pela termodinâmica do não equilíbrio em meios porosos rochosos, que, possivelmente, são uma classe específica de sistemas complexos. A maioria das rochas foi formada por incontáveis processos de dissolução, cimentação, erosão e sedimentação, processos que identificam e caracterizam as rochas. São esses processos que estão ocorrendo quando um engenheiro de petróleo coloca um sistema de válvulas em um poço e extrai os fluidos, uma operação cotidiana, contínua e que está ocorrendo neste exato momento. E, no entanto, não há um entendimento completo de ciência básica para explicá-los.
Na macroescala, na fronteira do conhecimento, nos deparamos com o tectonismo e problemas geomecânicos, que influenciam sobremaneira os reservatórios e suas condições de operação, não só para conseguirmos melhorar a eficiência de produção, mas também para garantir que essa produção seja ambientalmente segura, evitando exsudações [migração da água] por reativação de falhas, estabilidade de poços e redução de incertezas relacionadas à operação.
Um exemplo concreto de fronteira de entendimento na área em que atuo é o que comumente se conhece pelo termo 'u pscaling' , que significa levar propriedades de rocha da escala de plugue (cm 3 ) para uma escala maior, a escala de campo (km³). Esse é um ponto no qual vejo grande necessidade de conexão entre físicos e geólogos. A geologia é uma ciência não só descritiva, mas também preditiva, como a física. Acontece que os experimentos da geologia não podem ser repetidos em laboratório, e isso causa uma dificuldade tremenda para se testarem hipóteses e modelos. Acredito que a área de sistemas complexos, que vem sendo desenvolvida na física, possa fornecer bases mais sólidas e insights para a geologia. Por exemplo, com o conceito de classes de universalidade, porque, na geologia, aparecem padrões emergentes, as fácies, e isso é uma característica básica de alguns tipos de sistemas complexos.
“Precisamos voltar nossa atenção e concentração para nossos problemas reais e resolvê-los. Somos capazes, e a rota para isso necessariamente passa por uma sociedade integrada, sendo a ciência brasileira um grande trunfo e tesouro que temos a nosso favor ”
Correia, no Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear, do CBPF, onde ele completou seu doutorado
(Crédito: Bruno Chencarek)
Como funciona a parceria do CBPF com a Petrobras nas pesquisas nas quais você atua?
Começamos a trabalhar com temas da indústria de petróleo no CBPF no segundo ano da minha tese, em 2010, quando passei no concurso para a Petrobras. Quando vim para o Cenpes, logo fizemos projetos com o CBPF. Os primeiros projetos envolviam a produção de imagens de rochas por microtomografia computadorizada e perfilagem de poços. Depois, passamos a trabalhar com ressonância magnética nuclear de alto campo, com modelos, simulações e experimentos, e também com processamento de ondas acústicas em poços, medidas de resistividade em plugues por indução magnética e com nanopartículas para melhoria da recuperação de óleo.
O primeiro projeto começou em 2013, com uma equipe de seis pessoas. Hoje, temos cinco projetos e cerca de 30 pessoas trabalhando nesses temas, entre pesquisadores, tecnologistas, pós-doutorandos, doutorandos e mestrandos, além dos funcionários da Petrobras, como eu.
Além disso, atualmente há dois funcionários da Petrobras que são físicos e estão fazendo doutorado no CBPF. Estamos realmente construindo um caminho de parceria e colaboração científico-industrial entre essas instituições. A ciência é o pilar necessário para o fomento à inovação industrial. E, aqui no Rio de Janeiro - e no Brasil como um todo -, há capital intelectual suficiente para que caminhemos nessa direção.
Precisamos voltar nossa atenção e concentração para nossos problemas reais e resolvê-los. Somos capazes, e a rota para isso necessariamente passa por uma sociedade integrada, sendo a ciência brasileira um grande trunfo e tesouro que temos a nosso favor. Temos que entender as rochas do pré-sal, que são únicas; temos que entender e desenvolver os processos dessa indústria que é estratégica para nós. E o CBPF e as universidades brasileiras têm papel fundamental nesse processo.