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Físico do CBPF comenta resultado sobre aspectos da teoria da relatividade
Marc Casals, pesquisador adjunto do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ), comenta, a convite do Núcleo de Comunicação Social, artigo recente de uma equipe internacional sobre se (ou não), sob certas condições, a teoria da relatividade geral viola o determinismo no interior de buracos negros.
Relatividade geral e determinismo
Matematicamente, buracos negros são soluções das equações propostas pelo físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) em sua teoria da relatividade geral, de 1915. Fisicamente, eles são objetos astrofísicos dos quais nada (nem mesmo a luz) pode escapar.
Mas o que acontece dentro de um buraco negro? Se ele tem carga elétrica e/ou está em rotação, ele possui uma região interior onde as equações de Einstein não são determinísticas. Isto é, se um(a) observador(a) pudesse entrar nessa região dentro de um buraco negro, ele(a) não poderia explicar cientificamente a evolução de sistemas físicos que ele(a) estaria observando.
Em princípio, essa falha no determinismo é um problema, pois, na prática, podemos prever o futuro de um sistema físico ‒ supondo que conhecêssemos tudo sobre o estado desse sistema em um dado instante. Porém, estes devoradores de luz e matéria não existem isolados no universo ‒ ao redor deles, há, por exemplo, campos de matéria, como luz (campo eletromagnético), ondas gravitacionais (campo gravitacional) etc.
Portanto, a questão realmente importante é se, na presença desses campos, os buracos negros continuam tendo essa região não determinística dentro deles. Ou se, pelo contrário, esses campos de matéria são suficientemente fortes para ‘despedaçar’ essa região, de forma que o determinismo esteja assegurado mesmo no interior desses objetos astrofísicos.
Censura cósmica
O matemático britânico Roger Penrose, da Universidade de Oxford (Reino Unido), formulou a famosa hipótese da ‘censura cósmica’. Segundo a versão fraca dessa hipótese, de 1969, as equações de Einstein não permitem que a natureza tenha regiões não determinísticas, a menos que elas estejam dentro de um buraco negro. Assim, nós ‒ que somos observadores externos aos buracos negros ‒ não conseguiríamos observar os efeitos dessas regiões, mesmo que elas existissem.
Dez anos depois, Penrose formulou a versão forte da censura cósmica: regiões não determinísticas não deveriam existir em lugar algum da natureza, nem mesmo dentro de buracos negros. Porém, a censura cósmica não foi até agora provada (nem na versão fraca, nem na forte) e, assim, continua sendo só uma hipótese ‒ ainda que considerada bem razoável.
Diluição versus blueshift
Artigo publicado recentemente em Physical Review Letters vislumbra a possibilidade de violar a versão forte de censura cósmica. Os autores ‒ Vitor Cardoso, João Costa, Kyriakos Destounis, Peter Hintz e Aron Jansen, de instituições de Portugal, do Canadá, dos EUA e da Holanda ‒ estudaram o caso de um buraco negro com carga elétrica, mas sem rotação.
Fora desse buraco negro, os autores colocam um campo escalar, que serve de modelo para campos mais realistas, como os campos eletromagnético ou gravitacional. Esse campo escalar se ‘dilui’ com o tempo: parte dele se afasta até o infinito, e outra parte penetra o buraco negro.
A parte que entra no buraco negro sofre um blueshift (aumento de sua frequência e, portanto, de sua energia) até chegar ao horizonte de Cauchy, ou seja, a fronteira da região não determinística. Até o instante da entrada, o campo é enfraquecido devido à diluição que sofreu fora do buraco negro. Mas, por conta do blueshift, ele passa a crescer a partir do momento que penetra o buraco negro até chegar ao horizonte de Cauchy.
É possível que, no momento em que chegar ao horizonte de Cauchy, o campo seja suficientemente forte para ‘despedaçar’ essa fronteira e, consequentemente, a região não determinística. Se isso acontecer, a versão forte de censura cósmica seria mantida: ou seja, não haveria região não determinística em região alguma do universo. Mas, se o campo não for suficientemente forte para despedaçar tal horizonte, a versão forte da censura cósmica seria violada.
Ser ou não violada é, portanto, uma ‘luta’ entre a diluição que o campo sofre fora do buraco negro e o blueshift pelo qual o campo passa dentro dele.
No caso de um buraco negro em um universo com constante cosmológica nula, é sabido que o campo é suficientemente forte no horizonte de Cauchy para impedir a continuação do espaço-tempo como solução das equações de Einstein e, portanto ‒ até certo ponto ‒, a censura cósmica é mantida.
Mas o fato é que os dados observacionais indicam que nosso universo está em expansão acelerada (constante cosmológica positiva). Nesse caso, não se sabe se o campo é suficientemente forte no horizonte de Cauchy.
Com ressalvas
O artigo mencionado acima estuda esse caso concreto: um buraco negro com carga elétrica, sem rotação, com um campo escalar em um universo com constante cosmológica positiva.
Os autores mostram numericamente que existem valores da carga elétrica e da constante cosmológica para os quais o campo escalar ‒ no momento em que este chega ao horizonte de Cauchy ‒ não é suficientemente forte para impedir a continuação do espaço-tempo como solução das equações de Einstein. Isso significa que, dentro desse tipo de buraco negro, as equações de Einstein permitem ao campo evoluir de uma forma não única, levando, assim, a uma falha do determinismo na relatividade geral: ou seja, a existência de uma região não determinística.
Contudo, é necessário considerar esses resultados com um pé atrás, com ressalvas. Primeiramente, eles consideram buracos negros sem rotação, enquanto os buracos negros no universo têm rotação (e carga elétrica desprezível). Além disso ‒ e como mencionamos ‒, os campos mais realistas são o eletromagnético e, sobretudo, o gravitacional, em vez do escalar. Finalmente, esses resultados só consideram efeitos lineares como uma aproximação a resultados não lineares das equações de Einstein.
Os resultados desse artigo são bem interessantes, mas esperamos que, no futuro, eles sejam obtidos em situações mais realistas. Só o futuro, portanto, determinará se a evolução na relatividade geral é determinista ou não…
Marc Casals
Pesquisador adjunto
CBPF
Mais informações:
https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.120.031103