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Falece físico pioneiro da pesquisa experimental em raios cósmicos no Brasil
Faleceu ontem (08/11), no Rio de Janeiro (RJ), o físico Fernando de Souza Barros, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pioneiro da pesquisa experimental na área de radiação cósmica no Brasil.
Souza Barros nasceu no Recife (PE), em 1929. Formou, em 1952, em engenharia civil pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Física na década de 1980 e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.
Iniciou sua carreira científica na área de radiação cósmica, trabalhando com uma câmara de nuvens (tipo de detector de partículas) doada ao físico brasileiro César Lattes (1924-2005) pela Universidade de Chicago (EUA), equipamento que foi levado para o Laboratório de Chacaltaya (Bolívia) – a cerca de 5,2 mil metros de altitude em relação ao nível do mar – no início da década de 1950.
Liderada pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), a iniciativa de levar uma câmara de nuvens para aquele monte boliviano representou um salto sem precedentes na história da física experimental brasileira, por conta do número de pesquisadores envolvidos (inclusive estrangeiros), bem como o montante de financiamento, a quantidade de equipamentos e a logística empregada (caminhões, aviões, carros de boi, barcos etc.). O projeto contou com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Vale notar que, naquele momento, a Europa, destruída pela guerra, unia-se para a construção de seu Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN).
Souza Barros foi um dos oito alunos da Escola de Engenharia do Recife que foram enviados pelo professor Luiz de Barros Freire (1896-1963) para estagiar no CBPF, então recém-fundado (1949) – Lattes foi um dos fundadores. Nesse momento, como aluno do 3º ano do curso de engenharia, Souza Barros era bolsista do CNPq – à época, Conselho Nacional de Pesquisas; hoje, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq.
Daqueles oitos estudantes, apenas ele e Ricardo Palmeira permaneceriam na física. Em Chacaltaya, Souza Barros foi orientado pelo brasileiro Ugo Camerini (1925-2014) – mais tarde, emérito na Universidade de Wisconsin (EUA) – e por Alfred Hendel, da Universidade de Michigan (EUA).
Física e revolução
Para Souza Barros, as pesquisas em Chacaltaya se estenderam de 1953 a 1956, em um período em que a Bolívia vivia sob um regime de viés liberal e popular. Nas palavras de Souza Barros:
“A revolução de 1952 foi um episódio político que afetou nossas atividades na Bolívia. Essa revolução merece um comentário pois não foi uma revolução do tipo 'palaciana', comum na Bolívia da época. Resumidamente, uma coalizão improvável entre políticos liberais, liderados por Victor Paz, e as lideranças de trabalhadores das minas bolivianas (o futuro Movimento Nacional Revolucionário, MNR), estabeleceram um regime que se manteve no poder de 1952 a 1956. As decisões desse regime popular contrariavam as lideranças conservadoras, donas das riquezas minerais bolivianas. A pressão política internacional gerada pelos interesses financeiros frustrados determinou o bloqueio comercial da Bolívia pelos países vizinhos. Éramos obrigados a despender mais tempo em tarefas do quotidiano e na procura de gêneros alimentícios ou materiais de consumo para o Laboratório de Chacaltaya. As patrulhas militares paravam ocasionalmente nossa caminhonete no Altiplano, para inspeções formais sem qualquer manifestação ostensiva de hostilidade. Talvez, o nosso ‘salvo-conduto’ nessas ocasiões fosse a presença dos bolivianos contratados para os serviços de apoio do Laboratório de Chacaltaya e que retornavam conosco para passar o fim de semana nas suas residências”.
Em seguida a Chacaltaya, Souza Barros partiu diretamente para um doutorado na Inglaterra. “[Eu e Suzana] recebemos um convite de [Patrick] Blackett [1897-1974, Nobel de 1948]. No primeiro ano do nosso estágio em Manchester, Blackett aceitou a direção do Departamento de Física da Universidade de Londres! Decidimos, então, mudar de campo de pesquisa, concluindo o doutorado em física nuclear, na equipe de Samuel Devons [1914-2006]”.
Souza Barros foi casado com a argentina Suzana Lehrer de Souza Barros (1929-2011), uma das pioneiras da pesquisa em física na América do Sul e igualmente especialista em radiação cósmica e física da matéria condensada – Suzana se tornaria grande especialista em ensino de física. Ambos trabalharam conjuntamente em Chacaltaya na década de 1950. O filho do casal nasceu na Inglaterra durante o doutorado de ambos. Mais tarde, os dois físicos fariam o pós-doutorado e trabalhariam na Universidade Carnegie-Mellon (EUA).
O casal regressou dos EUA em meados da década de 1970 e se dedicou à consolidação do curso de pós-graduação em física da UFRJ.
Souza Barros (boné) e Suzana em Chacaltaya na década de 1950
(Crédito: CBPF)
Sem armas nucleares
Souza Barros – ou Souza-Barros, como, por vezes, assinava seus artigos – trabalhou em vários temas de pesquisa, da radiação cósmica à física nuclear, da física da matéria condensada a tópicos relativos à química. Manteve interesse prolongado por questões relacionadas ao uso pacífico da energia nuclear, assunto sobre o qual escreveu diversos ensaios e artigos. Por sua atuação em prol de uma América Latina sem armas nucleares, recebeu o Prêmio Joseph Burton, concedido pela Sociedade Norte-americana de Física.
A diretoria do CBPF, em nome de todos seus servidores e funcionários, oferece condolências a familiares e amigos de Souza-Barros.
O velório ocorrerá amanhã (10/11), no Memorial do Carmo, Capela, sala 4, das 6h às 11h, à rua Monsenhor Manuel Gomes 287, no bairro do Caju, Rio de Janeiro (RJ).
Mais informações:
Souza Barros: http://lattes.cnpq.br/2846438410081735
Suzana Lehrer: https://pt.wikipedia.org/wiki/Susana_Lehrer_de_Souza_Barros