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Evento discute a detecção de partículas misteriosas: neutrinos e matéria escura
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Martín Makler, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e Carla Bonifazi, professora adjunta do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IF-UFRJ), descrevem a importância de um encontro científico que começa hoje em São Paulo e do qual eles são coordenadores.
A matéria escura e os neutrinos estão entre as partículas mais enigmáticas da natureza. Os neutrinos foram descobertos há décadas, mas algumas de suas propriedades não se encaixam muito bem na teoria padrão da física de partículas. Elas são as partículas conhecidas com massa mais abundante no cosmo e poderiam até elucidar por que o universo não tem a mesma quantidade de matéria do que de antimatéria. Já a matéria escura foi teorizada também há décadas, mas nunca foi detectada. Sem a sua presença, as teorias mais aceitas para descrever o universo caem por terra.
Essas duas partículas compartilham o fato de serem difíceis de detectar, dada sua baixa interação com a matéria ordinária. Existe hoje um grande esforço teórico e experimental nessas duas áreas, que provavelmente levará à elaboração de novas teorias físicas. E um dos caminhos mais promissores para isso é a realização de grandes experimentos para detectar e medir essas partículas.
Os neutrinos e a matéria escura têm muitas conexões, tanto em relação às suas possíveis propriedades físicas quanto aos seus métodos de detecção. Elas são o foco de alguns dos ramos de maior interesse na pesquisa em física da atualidade. No entanto, esses temas são ainda pouco estudados no Brasil ‒ mesmo nos cursos de pós-graduação em física, especialmente no que se refere aos seus métodos de detecção. Embora exista participação brasileira em experimentos de neutrinos ‒ inclusive há dois em solo brasileiro ‒ e de matéria escura, essa participação ainda é tímida em nível mundial.
Escola dedicada
Tendo em vista esse cenário, está sendo realizada, pela primeira vez, uma escola dedicada à detecção desses dois tipos de partículas: School on Dark Matter and Neutrino Detection , que começa hoje (23 de julho) e se estende até 3 de agosto próximo. O evento acontece no International Center for Theoretical Physics‒South American Institute for Fundamental Research (ICTP-SAIFR), em São Paulo (SP).
A escola trará pesquisadores brasileiros e estrangeiros de renome internacional que abordarão esses dois temas de forma integrada, aliando teoria e experimento. Essa é uma característica fundamental e inovadora da escola, que terá sua primeira semana dedicada à fundamentação teórica, e a segunda, aos métodos de detecção e aos experimentos associados, tanto em andamento quanto em construção ou planejamento.
O objetivo da escola é dar uma base aos participantes no que se refere aos neutrinos e à matéria escura, resumindo o estado da arte do conhecimento nesses campos e apontando as grandes questões atuais que motivam o trabalho teórico e experimental nessas linhas. Além das palestras, a escola terá sessões práticas, nas quais os participantes farão atividades em interação com os pesquisadores, e sessões de discussão, em que os alunos poderão dialogar mais diretamente com os professores.
Fabio Iocco na School on Dark Matter and Neutrino Detection
(Crédito: C. Bonifazi)
Na segunda semana, os alunos terão quatro horas de trabalho experimental ‒ na linha ‘mão na massa’ ‒ em pequenos grupos. Cada dia, o grupo trabalhará em um experimento diferente, ilustrando técnicas usadas nos grandes projetos de pesquisa, de modo que, ao final da escola, o participante terá realizado cinco experimentos completos. Também haverá sessões de pôsteres, nas quais os alunos apresentarão seus trabalhos.
Além do CBPF e da UFRJ, a escola é organizada pelo Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual de São Paulo, pela Universidade de São Paulo e Universidade Federal de Goiás.
Novas gerações
A escola tem um intuito nada modesto: contribuir para motivar e formar uma nova geração de físicos no Brasil e na América Latina para atuar nos temas de matéria escura e neutrinos. Ou seja, experimentais com boa base teórica e teóricos com boa base experimental.
Dessa forma, ela pretende ajudar a quebrar uma divisão ‒ bastante marcada no Brasil e na América Latina ‒ entre trabalho teórico e experimental. A finalidade não é que todos os participantes acabem atuando nessas áreas, mas que terminem a escola com uma visão geral desses assuntos importantes para a física contemporânea.
Experimento de detecção de neutrinos com CCDs (dispositivos de carga acoplada)
(Crédito: Guillermo Moroni)
Outro objetivo da escola é aumentar a participação brasileira e da América Latina na física de neutrinos e da matéria escura ‒ especialmente, na área experimental. Com relação aos neutrinos, o Brasil já participa de diversos experimentos nessa área e tem pesquisadores atuando no tema, mas ainda são poucos e estão concentrados geograficamente.
Portanto, é importante buscar uma participação mais ampla, com foco em experimentos futuros. Já os grupos de pesquisa em matéria escura estão em expansão. Porém, são ainda pouco numerosos no Brasil.
Lugar ideal
Buscar partículas que interagem fracamente com a matéria ordinária ‒ como neutrinos e matéria escura ‒ requer se isolar o máximo possível das outras partículas conhecidas que atrapalhariam a detecção (elétrons, nêutrons, múons etc.). O problema é que somos bombardeados o tempo todo por essas outras partículas provenientes do espaço.
A saída para a maioria dos experimentos é ficar protegido dessa radiação cósmica por enormes camadas de rocha. Assim, a maioria dos experimentos de matéria escura e neutrinos opera em laboratórios instalados em minas muito profundas ou túneis debaixo de elevadas montanhas.
No entanto, não existe ainda um laboratório com essas características no hemisfério Sul. Há diversas razões físicas para termos detectores operando neste hemisfério. Inclusive, uma detecção de matéria escura no Norte dificilmente convenceria a comunidade científica sem uma detecção análoga no Sul. Isso se deve ao fato de que, com detecções nos dois hemisférios, efeitos sazonais poderiam seriam facilmente separados de um sinal de matéria escura.
Há alguns anos, surgiu uma oportunidade única para construir um laboratório subterrâneo em um túnel que irá conectar a Argentina ao Chile sob a cordilheira dos Andes: o túnel de Agua Negra. Graças à mobilização dos físicos, já está previsto nos planos da construção do túnel ‒ que está prestes a começar ‒ a instalação de um grande laboratório internacional, o Agua Negra Deep Experiment Site (ANDES).
Ainda será preciso obter recursos e planejar as enormes cavidades na rocha para abrigar um laboratório cheio de experimentos. No entanto, esse será, sem duvida, o local ideal para instalar os primeiros grandes detectores de neutrinos e de matéria escura no hemisfério Sul ‒ de fato, esses experimentos serão as joias desse laboratório subterrâneo.
Aproveitando a realização da escola, será realizado logo a seguir (de 4 a 6 de agosto) o Sixth International ICTP-SAIFR/CLAF Workshop for the Design of the ANDES Underground Laboratory .
Nessa oficina, será apresentada a situação atual do ANDES e serão discutidas não só propostas científicas, mas também a dinâmica da colaboração internacional que está sendo montada para gerenciar o projeto. Será uma oportunidade única para buscar um maior envolvimento brasileiro em todos os níveis do projeto, desde a gerência e construção do laboratório à construção de novos experimentos e à exploração de seu potencial científico.
Dupla função
O ICTP-SAIFR foi pioneiro na realização de atividades ( workshops e escola) na área de matéria escura. Essa foi uma das motivações para a escolha dessa instituição como sede do evento ‒ além de todo apoio e infraestrutura que ela oferece. No entanto, é a primeira vez que se realiza um evento com esse forte componente experimental, tanto nos cursos e nas palestras quanto em relação a equipamentos reais com os quais os participantes irão interagir.
Em resumo, a escola tem a dupla função: introduzir o tema neutrinos e matéria escura, bem como expor alunos a grandes experimentos da área, com a oportunidade de fazer atividades experimentais didáticas no laboratório.
Esperamos que eles saiam da escola tão motivados quanto os membros da crescente comunidade que fazem pesquisa nessas áreas. Que sejam uma nova geração a contribuir com esse esforço global e que possam fazer novas descobertas.
Martín Makler
CBPF
Carla Bonifazi
IF-UFRJ
Mais informações:
A escola (em inglês): http://www.ictp-saifr.org/school-on-dark-matter-and-neutrino-detection/
Andes (em inglês): http://www.ictp-saifr.org/sixth-international-workshop-for-the-design-of-the-andes-underground-laboratory/