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Esforço planetário foi capaz de ver e ouvir ondas gravitacionais vindas da colisão entre estrelas
Estes tempos parecem ser mesmo das ondas gravitacionais. Depois da recente – e já que o termo existe, revolucionária – detecção desse fenômeno, previsto no início do século passado, bem como o Nobel deste ano para a área, agora mais um feito histórico: um esforço planetário de laboratórios e equipamentos conseguiu não só ‘ouvir’ essas ondas decorrentes de um fenômeno cósmico catastrófico, mas também ver as consequências da tal colisão cataclísmica. A detecção reuniu cerca de 70 laboratórios do mundo, quase mil instituições científicas e milhares de pesquisadores – entre eles, dezenas de brasileiros.
A origem de toda essa mobilização de mentes tem suas origens poucas semanas atrás, quando o LIGO – equipamento ultrassensível capaz de ‘ouvir’ ondas gravitacionais – anunciou, em uma parceria com outro experimento congênere, o Virgo (Itália), a detecção de ondas gravitacionais vindas de duas estrelas de nêutrons, em uma galáxia a 130 milhões de anos-luz da Terra – cada ano-luz equivale a 9,5 trilhões de km. A novidade aqui era não só a união internacional de esforços, mas também o fato de tal trombada cósmica envolver agora esses corpos ultradensos.
Por que a novidade? Explicando: no final de 2015, a primeira detecção de ondas gravitacionais foi feita com base no choque entre dois buracos negros que, há 1 bilhão de anos, depois de girarem um torno de outro, a cerca de 150 mil km por segundo (metade da velocidade da luz no vácuo), produziram, por cerca de um décimo de segundo, energia (na forma de ondas gravitacionais) dezena de vezes superior àquela produzida por todas as estrelas de todas as galáxias, nesse mesmo intervalo de tempo. Impressionante, sem dúvida.
Agora, um exército mundial de PhDs se reuniu para não só ouvir a tal colisão entre esses dois corpos cósmicos – cuja densidade, no caroço central, pode chegar a impressionantes um bilhão de toneladas por centímetro cúbico –, mas também para enxergar os diversos tipos de luz (raios gama, luz visível, ondas de rádio etc.) associada ao evento, detectado em 17 de agosto último pela colaboração LIGO-Virgo.
A teoria prevê que o resultado desse tipo de fusão é um objeto conhecido como kilonova. E as observações indicam que isso está correto, por conta da luminosidade variável desse corpo igualmente ultradenso. Mais um ponto para a astrofísica deste século.
Concepção artísticas de duas estrelas de nêutrons colidindo
(Crédito: NASA/Swift/Dana Berry)
“É absolutamente incrível a miríade de detectores e telescópios que buscou observar [esse evento]. Até onde sei, é totalmente sem precedentes um evento ser observado por tantos aparatos distintos e com muitas detecções positivas”, comentou o pesquisador titular do CBPF Martín Makler, especialista em lentes gravitacionais, fenômeno no qual a luz tem sua trajetória alterada ao passar por grandes aglomerados de massa no universo, que agem como gigantescas ‘lupas’.
Cerca de dois segundos depois da colisão, experimentos aqui na Terra já haviam detectado a radiação gama (a mais energética das ondas eletromagnéticas) originados da fusão. E, cerca de 10 h mais tarde, foi feita uma observação na frequência de luz visível – ou seja, aquela que o olho humano é capaz de detectar.
Essas observações – publicadas hoje em várias revistas científicas, como Nature, Nature Astronomy, Astrophysical Journal Letters, Physical Review Letters – não só esclarecem mais detalhes sobre as ondas em si e a fusão de objetos ultradensos, mas também sobre outros fenômenos do céu, como as chamadas explosões de raios gama, as mais energéticas conhecidas na natureza.
Esse esforço conjunto dos cientistas é tecnicamente denominado ‘multimensageiro’ – ou seja, vários experimentos olhando para o mesmo fenômeno.
Brasil presente
Pesquisadores brasileiros colaboram com vários dos experimentos que se uniram para ouvir e ver as ondas gravitacionais e a luz associada à colisão. Por exemplo, o Laboratório Pierre Auger, na Argentina, que estuda a chamada radiação cósmica (núcleos atômicos ultraenergéticos e de origem extraterrestre que a todo bombardeiam a Terra). No Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), dois físicos participam do Auger: Ronald Shellard, diretor do CBPF, e Ugo Giaccari, pós-doutorando italiano.
Ao todo, estima-se que cerca de 60 pesquisadores e 10 instituições do Brasil estiveram envolvidos nessa força-tarefa científica planetária. Vale lembrar que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos (SP), e o Instituto Internacional de Física, em Natal (RN), têm pesquisadores que participam do LIGO.
Outro destaque entre brasileiros é a participação do telescópio robótico T80-Sul, coordenado pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, da Universidade de São Paulo (IAG/USP). O T80-Sul, instalado em Cerro Tololo (Chile), entrou em funcionamento este ano. O equipamento, que capta luz visível, custou cerca de US$ 4 milhões (cerca de R$ 13,2 milhões) e conta com participação, além do IAG/USP, de mais três instituições brasileiras, com grande parte dos investimentos providos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“É muito importante ressaltar o aspecto colaborativo da ciência e a necessidade de complementação com diversos ‘olhos’, diversos telescópios, voltados para o mesmo objeto, para entender os importantes e complexos eventos astronômicos. Cada peça do quebra-cabeça é importante, e, neste sentido, o T80-Sul deu uma contribuição sólida para a observação na frequência do visível do evento de fusão de estrelas de nêutrons", disse a pesquisadora do IAG/USP Claudia Mendes de Oliveira, coordenadora do T80-Sul, ao Núcleo de Comunicação Social do CBPF.
Imagem feita pelo telescópio T80-Sul; a luz visível (indicada pelos riscos
brancos) emitida pela colisão das duas estrelas de nêutrons – o centro
galáctico foi mascarado (círculo opaco) para permitir melhor visualização
(Crédito: T80-Sul)
Astrofísica gravitacional
Esses resultados reforçam o que vem sendo dito desde 2015, quando o LIGO (sigla, em inglês, para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser ) mostrou para o que veio: início da era da astrofísica gravitacional. Ou seja, observar e estudar o universo por meio da gravidade e seus efeitos correlatos – e não só com base nas diversas formas de luz.
Ondas gravitacionais são ondulações na curvatura do chamado espaço-tempo, uno quadrimensional indissociável que reúne as três dimensões espaciais (altura, largura e comprimento) e o tempo (quarta dimensão). É o cenário onde todos os eventos do universo ocorrem e podem ser comparadas às ondas que se formam na superfície de um lago de águas calmas quando nele atiramos uma pedra. Uma diferença é que as ondas gravitacionais se propagam à velocidade da luz (cerca de 300 mil km/s). Elas foram previstas em 1916, quando o físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) publicou a relatividade geral, teoria que lida com os fenômenos gravitacionais.
Este ano, o Nobel de Física foi concedido a três físicos norte-americanos por avanços tantos teóricos quanto experimentais na área de ondas gravitacionais: Rainer Weiss, Kip Thorne e Barry Barish. Não há como negar que o tema está em seus melhores momentos, o que deve atrair muitos estudantes para a área.
E é sempre bom lembrar que o modelo teórico para a colisão de buracos negros que serviu de ferramenta para a descoberta recente das ondas gravitacionais pelo LIGO veio de trabalhos feitos na década de 1970 pelo físico Jayme Tiomno (1920-2011) – um dos fundadores do CBPF, em 1949 – e por seu colega italiano Remo Ruffini. Ou seja, o Brasil está presente também nas origens da tal descoberta (já que o termo existe) revolucionária.
Mais informações:
Coletiva do T80-Sul: http://www.iag.usp.br/noticia/coletiva-imprensa-t80-sul
Simulação colisão de duas estrelas de nêutrons: http://newscenter.lbl.gov/wp-content/uploads/sites/2/2017/10/growth-caltech-gif.gif