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Entrevista com Julio Larrea inaugura seção sobre egressos do CBPF
A seção Alma Mater tem como seu primeiro entrevistado o físico peruano Julio Antonio Larrea Jim é nez. Natural de Lima, Larrea chegou ao Brasil em 1998 para realizar seu mestrado no CBPF com Elisa Baggio Saitovitch, atualmente pesquisadora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e colaboradora do CBPF . A viagem acabou durando oito anos: o pesquisador permaneceu na casa até completar o pós-doutorado júnior. Em seguida, partiu para Suíça, onde ficou de 2007 a 2009, e logo para Áustria, onde trabalhou até 2014. Ao final do período, retornou ao Brasil e ao CBPF, onde atuou por mais dois anos como pesquisador visitante, com bolsa Jovem Talento-Nível A, do Programa Ciência Sem Fronteiras, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) .
Agora Larrea deixa o Rio de Janeiro rumo a São Paulo, onde vai atuar como professor na Universidade de São Paulo (USP). Lá, pretende trabalhar na elaboração de novos materiais em condições extremas e investigar um tema inédito nos laboratórios brasileiros, relacionado à pesquisa de fases topológicas quânticas.
Nesta entrevista, concedida via e-mail ao Núcleo de Comunicação Social do CBPF, Larrea fala sobre a importância do CBPF para sua formação, sobre o projeto que desenvolverá no futuro - que classifica como “ambicioso” - e deixa uma mensagem aos jovens que escolhem o CBPF como alma mater.
O que te trouxe ao Brasil?
Cheguei no Brasil em fevereiro de 1998 após passar na prova de mestrado do CBPF, feita no Peru. Naquela época escutei bons comentários de alguns professores da minha universidade, a Universidade de San Marcos (UNMSM). Meu orientador de licenciatura, professor Victor Peña, hoje vice-reitor acadêmico da UNMSM, fez seu mestrado e doutorado no CBPF, no grupo da doutora Elisa Baggio Saitovitch. Peña me motivou a seguir a pós-graduação na área da física experimental. Mas para fazê-lo, teria que estudar numa boa instituição, como o CBPF. Iria ser difícil, pois eu teria que passar no exame obtendo os primeiros lugares para conseguir bolsa. Além disso, na época que terminei minha graduação (1995), o Peru estava se recuperando de uma guerra interna contra o terrorismo, o governo não oferecia bolsas de estudos, nem existiam programas de doutorado em ciências. Hoje em dia, a situação é muito diferente, eu diria que mudou para melhor, favorecendo a nova geração de jovens que querem fazer ciência no Peru. Apesar de haver ainda muito por melhorar, o início é alentador.
O que destaca de sua experiência no CBPF?
O que mais destaco sobre esta experiência é a boa infraestrutura em equipamentos disponíveis no CBPF. Desde meu ponto de vista, alguns desses equipamentos são de primeiro mundo, com o apropriado uso, pode-se fazer ciência de impacto e qualidade. Além disso, o ambiente interno e externo é muito agradável, a sua localização, dentro de uns cartões postais do Brasil, torna o CBPF muito atraente para trabalhar. Das atividades acadêmico-cientificas realizadas, posso destacar o aprendizado do uso de condições extremas de altas pressões (200 kbar) e temperaturas muito baixas (50 mK, próximo ao zero absoluto) para o estudo de transições de fase quântica. Este tema, proposto pela minha orientadora de tese de doutorado, professora Elisa Baggio-Saitovitch, marcou a minha área de expertise e até a presente data me interessa e desenvolvo. Para fazer um pouco de história, minha tese de doutorado foi a primeira no CBPF abordar este tema de transições de fase quântica usando as condições extremas apropriadas. O tema das transições de fase quântica, uma transição que ocorre à temperatura do zero absoluto (o que é contra intuitivo quando comparamos às transições de fase clássica, onde a temperatura controla a mudança de estado) continua sendo um tema em aberto e muito quente na física de hoje. Isto acontece porque não existe teoria que possa descrever as propriedades físicas, muitas delas medidas sob condições extremas.
"Minha tese de doutorado foi a primeira no CBPF a abordar o tema de transições de fase quântica usando as condições extremas apropriadas"
E das pessoas com quem conviveu, quem mais marcou sua trajetória?
Eu não poderia aprender e ter sucesso no meu trabalho sobre este tema [transições de fase quântica] sem a competente supervisão de minha orientadora,
doutora Elisa Baggio Saitovitch,
assim como a co-supervisão dos professores visitantes alemães Andreas Eichler e Jochen Litterst, da Universidade Técnica De Braunschweig. Com eles adquiri não só
know-how
sobre experimentos em condições extremas e temas de física referentes aos tópicos mencionados, mas também consegui captar a disciplina e a objetividade que caracterizam o trabalho cientifico alemão. Outro professor que contribuiu para a minha formação foi Múcio Continentino. Na época de meu doutorado e pós-doutorado júnior, o professor Múcio estava na Universidade Federal Fluminense (UFF) e me lembro de minhas viagens frequentes a Niterói para discutir meus resultados experimentais e abordar estes resultados com nossas próprias e originais interpretações teóricas. Foi muito bom para minha formação, pois aprendi que um bom físico experimental é aquele que sabe interagir com um bom físico teórico.
Além do Brasil, você estudou e trabalhou na Alemanha, Áustria, França, Suíça e em seu país natal, o Peru. Quais as principais diferenças que você observou entre as estruturas de pesquisa nesses países?
De fato, fiz algumas curtas estadias na Alemanha e França como estudante de intercâmbio durante meu doutorado e trabalhei na Suíça por dois anos e meio, na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), e na Áustria, por cinco anos, na Universidade Técnica de Viena (TU Wien). No Peru, além de estudar a graduação e fazer a licenciatura, dei aulas como professor assistente. As diferenças são bem marcadas. A primeira coisa que percebi de diferente nas instituições europeias é a organização e o planejamento dos trabalhos de pesquisa, além da procura por temas originais e de inovação dos experimentos, e da transferência dos conhecimentos alcançados na pesquisa para a sociedade. Outra coisa que notei, é que a forma de trabalhar dentro dos grupos de pesquisa estava associada, de certa forma, ao comportamento social do país onde morei. Trabalhar na Alemanha, Áustria ou Suíça tem diferenças de fazê-lo na França. Posso citar como exemplo a Suíça. Embora seja um país que investe muito dinheiro em ciência e tecnologia, os gastos que realizam, por exemplo com compra de instrumentos, são muito cuidadosos, o pesquisador tem que levar em conta a comparação de muitos parâmetros como: benefício a curto e longo prazo, disponibilidade de reparação no país, possíveis adaptações a experimentos “ home-built ”, além de comparar cotações entre diferentes fornecedores. A forma de comprar ou gastar é algo que, na Suíça, também se reflete na sociedade.
Quais linhas de pesquisa pretende desenvolver na Universidade de São Paulo (USP)?
Meu projeto, como aporte experimental para a USP, se focaliza, principalmente, na elaboração de novos materiais, em adicionar a condição extrema de altas pressões, e desenvolver novas medidas de propriedades físicas, como calor especifico, medidas magnéticas e transporte térmico, operando simultaneamente em diversas condições extremas de altas pressões (300 kbar), temperaturas muito baixas (50 mK) e altos campos magnéticos (20 T). Além disso, pretendo abordar experimentalmente um novo tema de pesquisa na USP e no Brasil, relacionado à pesquisa de fases topológicas quânticas. É um projeto bastante ambicioso, uma vez que projetar evidências experimentais de fases topológicas requer inovação de métodos experimentais, assim como a preparação de amostras ultra-limpas (influência de desordem atômica extremadamente baixa). Estou muito motivado com este desafio e tenho otimismo que num ambiente apropriado como a USP, e com ajuda de recursos financeiros, além da colaboração com meu
network
internacional, poderei conseguir os objetivos do meu projeto.
“Aprendi que um bom físico experimental é aquele que sabe interagir com um bom físico teórico”
Pode deixar uma mensagem para os jovens pós-graduandos que estão hoje no CBPF?
A mensagem que deixaria para os estudantes da pós-graduação do CBPF é que, primeiro, assumam a responsabilidade de realizar com excelência seus temas de tese, uma vez que são estudantes privilegiados dentro do Brasil e na latino-América por estudarem no CBPF. Segundo, que nunca desistam de alcançar os objetivos traçados. Recomendaria que se mantenham atualizados com as publicações em ciência e tecnologia, além de se preocuparem em atingir um nível alto de inglês, sé e que pretendem se manter no âmbito da pesquisa. E por último, que aproveitem a linda paisagem do entorno, não vai ser fácil encontrar outro lugar tão bem localizado como o CBPF.
Larrea na Politécnica de Lausanne , na Suíça
(Crédito: acervo pessoal)