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Ensaio traz monopolo magnético gravitacional
Monopolo magnético gravitacional
Em 1948, o cientista britânico Paul Dirac (1902-1984) fez uma proposta da existência de uma nova partícula no interior da teoria eletromagnética que denominou monopolo magnético. Ela seria a componente dual do monopolo elétrico. Desde então, centenas de artigos foram dedicadas a examinar as consequências teóricas e observacionais dessa hipótese.
Nos últimos anos, intensificou-se a procura de conexões cósmicas desses hipotéticos corpos. A origem dessa proposta é extremamente simples e atraente. Sabíamos, de longa data, que as equações do físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) que descrevem os processos eletromagnéticos são invariantes por transformação dual na ausência de correntes. Isto é, se trocarmos, por exemplo, o campo elétrico pelo campo magnético e, ao mesmo tempo, trocarmos o campo magnético por menos o campo elétrico, a dinâmica não se altera.
Usando a formulação covariante da relatividade restrita, separamos o campo eletromagnético Fαµ em sua parte elétrica e em outra magnética, pelas definições:
Eα = Fαµvµ,
Hα = F*αµvµ
onde o asterisco sobre o tensor campo eletromagnético Fαµ significa o dual, e o vetor vµ é o campo de velocidades de um observador arbitrário.
A força que o campo exerce sobre um corpo carregado eletricamente depende somente da projeção do campo sobre o observador, ou seja, o vetor 4-dimensional Eµ.
Dirac argumentou que, para que a invariância dual fosse uma simetria maior, deveria existir uma partícula – que ele chamou monopolo magnético – tal que a força eletromagnética sobre ela seria dada somente pela parte magnética Hµ.
Por analogia com o campo eletromagnético, aparece, então, a questão: haveria uma generalização semelhante na interação gravitacional?
Conjectura do CBPF
Em uma conferência em Calcutá (Índia), em 1975, o grupo de cosmologia do CBPF apresentou conjectura que, inspirada na proposta de Dirac, transplantava a questão dual para o campo gravitacional.
Várias dificuldades tiveram que ser ultrapassadas. A primeira delas – e, talvez, a mais fundamental – consistia em exibir a questão dual na gravitação, uma vez que, segundo a relatividade geral, não existe uma força gravitacional que o campo exerce sobre um corpo. Com efeito, em vez de considerar que o campo gravitacional produza uma força sobre um corpo, essa teoria faz a hipótese de que a ação do campo altera o substrato espaço-tempo, modificando sua geometria. Isso equivale a considerar que um corpo de qualquer natureza, na presença de um campo gravitacional, propaga-se sobre uma curva especial – chamada geodésica – na geometria modificada pelo campo.
Assim, a geodésica seria, como os matemáticos a descrevem, uma curva de distância extremal, mínima entre dois pontos do espa¸co-tempo. Aparece, então, a questão: como associar uma característica dual a essa curva?
A resposta veio por meio de uma antiga análise feita por matemáticos franceses. O ponto importante – e os observadores de ondas gravitacionais reconhecem a relevância dessa argumentação – estaria não na análise de uma trajetória, mas, sim, na de um conjunto de curvas. Com efeito, a separação entre duas trajetórias vizinhas é controlada pela projeção do tensor de curvatura sobre os observadores.
Em uma região livre de matéria, a curvatura da métrica riemanniana se reduz ao tensor de Weyl – referência ao matemático alemão Hermann Weyl (1885-1955) –, e a projeção de que se trata é da forma:
Eαβ = Wαµβνvµvν,
que, por analogia, é chamada parte elétrica da curvatura gravitacional.
A aplicação da ideia de Dirac à gravitação segue, então, de modo bem natural: bastaria considerar a existência de partículas que não seguissem geodésicas, mas, sim, curvas aceleradas, de tal modo que a conexão entre duas curvas vizinhas não fosse controlada pela parte elétrica do tensor de Weyl, mas, sim, pela parte magnética, isto é:
Hαβ = W*αµβνvµvν,
Ou seja, essa hipotética partícula – que chamaríamos monopolo magnético gravitacional – viola o princípio de equivalência: o campo gravitacional exerce efetivamente uma força sobre ela.
Violação e força
Curiosamente, nos últimos tempos, a violação desse princípio tem sido examinada por razões outras. As perguntas que devem ser feitas são: qual a característica dessa força? Como podemos descrevê-la?
Essas questões só puderam ser respondidas recentemente, quando eu e meu colaborador Ângelo Hartmann iniciamos a investigação de suas propriedades sistematicamente. Foi o que fizemos ao fim de 2020, eu no CBPF; Ângelo,. na Universidade de Insubria, em Como (Itália).
A principal característica dessa força gravitacional, capaz de violar o princípio de equivalência, tem formulação bem simples: ela é um gradiente, ou seja, deriva de uma única função.
Como, então, descrever essa função em termos da geometria? Essa é questão crucial que apareceu em seguida. A resposta veio por meio da análise das características do tensor de Weyl.
Em 1977, em sua dissertação de mestrado, meu ex-aluno André Velloso examinou uma proposta do físico húngaro Cornelius Lanczos (1893-1974) que sustentava como é possível construir um tensor especial de terceira ordem (isto é, com três índices Lαβµ), de tal modo que pudéssemos obter, a partir desse tensor, o tensor completo de Weyl (Wαβµν).
Ao examinarmos esse tensor de Lanczos, foi possível associá-lo às diferentes características de congruências de curvas. Dito de outro modo: um conjunto de curvas vizinhas – o que chamamos congruência – têm características que os matemáticos denotam por nomes especiais que visualizam cada uma das características que definem completamente a congruência, ou seja, sua aceleração, sua vorticidade (ou rotação), sua deformação, ao longo de seu movimento.
Pois Ângelo e eu usamos esse vínculo para descrever a aceleração do monopolo magnético gravitacional em termos do tensor de Lanczos, mostrando, então, que existe conexão intima entre a aceleração do monopolo magnético gravitacional e o tensor de Lanczos.
Propriedade notável
Foi, então, que uma propriedade notável apareceu: assim como o monopolo elétrico – o que vale para todos os corpos conhecidos no universo – segue um caminho que não guarda característica especial alguma do corpo – em particular, isso gerou o princípio de equivalência, ao se observar que a razão entre a massa inercial e a massa gravitacional é uma constante universal –, também o movimento dos monopolos magnéticos gravitacionais independe da massa, independe das características do corpo.
Essa propriedade é extremamente importante, pois, assim como no caso do monopolo elétrico gravitacional, nenhuma característica do corpo aparece também no caso do monopolo magnético gravitacional.
Tem sido difícil observar os monopolos de Dirac, e espera-se que o mesmo ocorra com os monopolos magnéticos gravitacionais. Argumentar que a natureza não admite a simetria dual não esclarece – portanto, não devemos nos contentar com essa solução trivial.
Em verdade, duas questões tornam os monopolos magnéticos gravitacionais e suas características dignos de investigação: por que a evolução do universo não teria gerado essas partículas? Por que a natureza não as teria produzido?
Mario Novello
Pesquisador emérito
CBPF
Referências:
P. A. M. Dirac. Phys Rev v. 74, p. 817 (1948)
M. Novello, C. A. P. Galvão, I. D. Soares e J. M. Salim. J. Physics A. v 9, n. 4, p. 547 (1976)
A. Lichnerowicz. Ann Mat Pura Appl v. 50, n. 1 (1960) para uma análise completa sobre as propriedades dos campos de conexão ou de Jacobi.