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Emérito da UFMG trata da lucratividade relativa à recuperação florestal
A convite do Núcleo de Comunicação Social, o físico Alaor Chaves, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e colunista do portal do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), analisa a lucratividade gerada pela recuperação florestal.
Recuperar floresta no Brasil é muito lucrativo
A enorme crise gerada pelo desmatamento e pelos grandes incêndios na Amazônia, neste inverno de 2019, põe em foco e com maior intensidade o antigo problema de como explorar sustentavelmente a maior floresta tropical do mundo. A questão é complicada, e muitos especialistas opinam que explorar a biodiversidade da floresta, mantendo-a em pé, é, tanto ecológica quanto economicamente, a melhor opção.
A questão não pode ser considerada isoladamente. De fato, é preciso pensar na administração responsável e inteligente de todos os biomas brasileiros. Neste artigo, falaremos sobre o cultivo de madeira em áreas brasileiras já desmatadas, incluída a integração com agricultura e/ou pecuária. Esta área é enorme. O Brasil já desmatou 75 milhões de hectares (750 mil km²) da Amazônia legal, o que corresponde a 20% da sua área total. Na Mata Atlântica e no Cerrado, o desmatamento foi ainda maior. A produção de madeira em todas essas áreas, além de inviável, iria gerar grande excesso de oferta no mercado mundial.
A Floresta Amazônica é o maior dos grandes biomas brasileiros, que também incluem a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e o Pampa (figura1) .
Figura 1. Mapa dos grandes biomas brasileiros
(Crédito: Wikimedia Commons)
Como a transição entre os biomas não é abrupta ‒ e também há ilhas de um bioma dentro de outros ‒, a área de cada bioma é imprecisa, e seu valor depende da fonte consultada. A Mata Atlântica é o mais degradado dos nossos biomas. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, ela cobria originalmente 1,30 milhão de km² do nosso território, abrangia 100% dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina, bem como 94% do Paraná, além de partes de outros 14 estados.
Nela, hoje, vivem 72% da população brasileira. Apenas 12,4% (162 mil km²) da mata está de pé ou em estado razoável de regeneração. O que se salvou está principalmente em montanhas (serras do Mar, da Mantiqueira e outras), além de reservas protegidas. Exceção muito importante ‒ e que nos ensina uma lição que retomaremos mais adiante ‒ é o chamado sistema cabruca, que há 250 anos tem sido usado em parte do sul da Bahia para o cultivo do cacau. Os fazendeiros descobriram que o cacau plantado à sombra é mais produtivo. Por isso, as lavouras de cacau avançaram sob a mata, da qual só era retirado o sub-bosque.
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, com área de 2,0 milhões de km². Até a década de 1960, pouco do revestimento arbóreo do Cerrado havia sido retirado, embora gado fosse criado, com baixíssima produtividade, nas pastagens naturais de campos limpos ou sob a sombra das árvores. Na década seguinte, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) iniciou um extraordinário trabalho técnico de exploração das áreas do Cerrado. Hoje, ele é a principal fronteira agrícola do país; nele, vive mais da metade do nosso rebanho bovino, e são colhidos 65% da nossa soja.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, em 2017, já havia sido desmatada metade do Cerrado. Ocorre que o Cerrado, principalmente em Minas Gerais e na região Centro-Oeste, é local de importantes nascentes. Oito das doze grandes bacias hidrográficas do país recebem grande parte da sua água do Cerrado. O solo é muito poroso e em média bastante plano. Por isso, a água da chuva infiltra-se facilmente e se acumula em lençóis freáticos relativamente rasos, o que resulta em muitas nascentes em pequenas matas ou nas chamadas veredas. Essas nascentes foram fortemente afetadas pelo desmatamento, criando grande redução da vazão dos nossos córregos e rios.
Reflorestar: urgente e lucrativo
A ministra da agricultura, Tereza Cristina, engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa, aponta que as áreas desmatadas da Amazônia regeneram-se por si, se deixadas sem exploração. A nova floresta é menos diversificada que a mata virgem original, pois é formada predominantemente por árvores agressivas, de rápido crescimento. Mas isso é aceitável, dada a extraordinária biodiversidade amazônica.
Uma vez que grande parte das pastagens e lavouras da Amazônia foi criada por grileiros, eles podem ser desalojados legalmente de suas posses, pois as terras são, na maior parte, propriedade pública ‒ e ao bem público não se aplica o direito de usucapião.
A floresta virgem amazônica tem enorme efeito sobre o clima brasileiro. Sua evaporação gera os rios voadores, correntes de ar muito úmido que, ao encontrar a barreira dos Andes, são refletidas rumo ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul, atingindo ainda outros países. Estima-se que eles tenham vazão igual ou maior do que a do rio Amazonas. São responsáveis por grande parte da chuva nas mencionadas regiões brasileiras.
Entretanto, a floresta não opera como absorvedora do gás carbônico (CO 2 ) da atmosfera, pois sua massa é constante – ignoradas as oscilações sazonais. Já a mata de rebrota espontânea ou plantada sobre área desmatada, fixa grande quantidade de carbono em sua madeira e, por isso, é um importante redutor do CO 2 atmosférico.
Além do mais, reflorestar ‒ seja em silvicultura solteira ou consorciada com agricultura ou pecuária ‒ é muito rentável. Trataremos os dois casos.
Silvicultura no Brasil
A silvicultura em maior escala no Brasil começou com a introdução de várias espécies de eucalipto há cerca de um século. Algumas se adaptaram muito bem no país e são mais produtivas aqui do que na Austrália, país de origem. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2017, havia no Brasil 9,85 milhões de hectares (98,5 mil km²) de florestas comerciais plantadas, que respondem por uns três quartos da nossa produção de madeira.
Nossa silvicultura concentra-se principalmente no cultivo de eucalipto (75,2%) e de pinus (20,6%) ‒ que são usados majoritariamente para produção de carvão vegetal (12,4%) e de celulose ‒ e abrange as regiões do Cerrado e da Mata Atlântica. O Brasil foi, em 2016, o 2º maior produtor mundial de celulose, mas apenas o 8º produtor mundial de papel (figura 2) .
Figura 2 . Oito maiores produtores de celulose (esq.) e papel em 2016
(em milhões de toneladas)
(Crédito: Indústria Brasileira de Árvores/Ibá, Anuário 2017)
A relativamente alta produção de celulose reflete uma vantagem (resultante do nosso clima) da produtividade da silvicultura, da qual nenhum dos nossos competidores consegue sequer se aproximar. Para as nossas árvores – e, de resto, para nossas plantas –, o ano tem doze meses de grande luminosidade e temperatura adequada.
Segundo André Barros da Hora, gerente do Departamento de Indústrias de Base Florestal Plantada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no documento Panoramas Setoriais 2030: papel e celulose (2017), os pinus e eucaliptos usados no Brasil para a produção de celulose dão o primeiro corte aos sete anos, prazo que pode chegar a 40 anos em países menos produtivos.
Ainda segundo da Hora, essa vantagem pode ser reduzida “em função do desenvolvimento e aplicação comercial bem-sucedida dos organismos geneticamente modificados (OGM) em árvores, que podem aumentar exponencialmente a produtividade florestal, em particular nos países menos produtivos. Tal fator exige longo prazo de pesquisa e testes, o que faz com que, até 2030, muito possivelmente ainda não tenha atingido todo seu potencial.”
Como resultado do esforço tanto de empresas privadas quanto de órgãos públicos, a silvicultura brasileira é tecnologicamente avançada. Tem havido trabalho muito bem-sucedido de melhoramento genético convencional e de clonagem dos melhores espécimes. O manejo das plantações também avança continuamente – voltaremos ao problema do manejo mais adiante. Mas a criação de espécies arbóreas geneticamente modificadas será uma realidade futura, e o Brasil não pode ficar esperando o futuro acontecer, pois nossos concorrentes irão desenvolver árvores mais adaptadas aos climas deles, não ao nosso.
Há grande e crescente demanda por celulose no mundo (principalmente, em países como EUA, Alemanha, China, Coreia do Sul e Japão), à qual o Brasil pode atender com custos de produção muito mais baixos, e, aproveitando essa oportunidade, podemos aumentar em muito nossa produção. Há também a oportunidade de parcerias com a China, o Japão e a Coreia do Sul para participação na produção brasileira de celulose e papel, o que garante às partes contratos de longo prazo que asseguram as nossas exportações desses produtos e o atendimento das necessidades de nossos parceiros.
Integração: lavoura-pecuária-floresta
Embora em declínio, a área brasileira dedicada a pastagens é muito grande, cerca de 160 milhões de hectares (1,6 milhão de km²). A pecuária em regime tradicional de pastagem pode ser a pior destinação que se possa dar à terra. No caso do Brasil, isso é agravado pela baixa produtividade da atividade: metade das pastagens está gravemente e 30% delas estão moderadamente degradadas.
Há alguns anos, a Embrapa vem desenvolvendo sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), lavoura-pecuária (ILP), lavoura-floresta (ILF) e pecuária-floresta (IPF), como na figura 3 , que resultam em grande aumento da produtividade, estabilidade dos lucros e melhoramento do solo. Um link em ‘Mais informações’ , ao fim deste texto, acessa palestra com abundância de figuras autoexplicativas sobre os diferentes consórcios.
Figura 3. Gado em pastagem sombreada por árvores plantadas (IPF)
(Crédito: Senar.org.br)
A alternativa ILP vem sendo desenvolvida há mais tempo e já levou a resultados impressionantes. Na mesma área, é possível colher a cada ano uma safra de soja, outra de milho e produzir, em pastagem plantada nas entrelinhas do milho, pelo menos o dobro da carne produzida, na média brasileira, em pastagens de pastoreio contínuo.
A alternativa IPF já demonstrou resultados muito positivos. Na intensa insolação brasileira, sob árvores que sombreiam 30% da área, as pastagens não sofrem redução da massa verde produzida. Mas o gado se beneficia dessa condição. Há pouco vento, o gado pode ruminar e descansar na sombra e as variações de temperatura entre o dia e a noite ficam reduzidas.
Esse conforto térmico causa um bem-estar nos animais que aumenta em 30% a produção de carne e de leite. O ganho de produtividade paga com sobra os gastos com a plantação das árvores, e, no final, o agricultor obtém boa renda na colheita da madeira. A integração melhora a saúde das árvores, da pastagem, do solo e dos animais.
A ILF inclui o plantio de árvores frutíferas (cacau, café etc.) sob a sombra de árvores naturais ou plantadas. O cacau tem sido plantado com sucesso por 250 anos na Bahia, sob florestas naturais da Mata Atlântica, raleadas com a retirada do sub-bosque. A incidência da vassoura-de-bruxa, em 1989, devastou os plantios, e o Brasil, que respondia por 14% da produção mundial de cacau, teve essa participação reduzida a 4% em 2000.
A produção de cacau na Bahia teve de ser reinventada com inovações, como o desenvolvimento e a clonagem de cacaueiros resistentes ao fungo causador da doença – pelo menos, às variedades do fungo existentes na região.
Mas a lavoura do cacau no Brasil, neste século, passou também por mudanças geográficas e sociais. A Amazônia já produz 70% do cacau brasileiro; Pará está em processo de superar a Bahia como principal estado produtor. O cacau amazônico também é cultivado à sombra de matas originais ou em estado avançado de regeneração. Domina na atividade a agricultura familiar, em parte financiada pelo Pronaf (Programa Nacional de Aperfeiçoamento da Agricultura Familiar), o que pode levar a grande aumento da produção.
O cultivo do café sombreado tem expandido em todas as regiões produtoras. O sombreamento reduz a produção de café por unidade de área. Mas os frutos amadurecem mais lentamente e de modo muito mais uniforme, o que produz bebida mais fina. A elevação do preço do grão compensa a perda de produtividade.
Em Rondônia e no Acre, a cultura do café é recente e realizada sob sombreamento. A Embrapa Rondônia desenvolveu uma variedade de café arábica (Café Arábica Amarelo 2SL) adaptada ao clima da Amazônia – até então, só os cafés conilon, bem mais baratos, podiam ser cultivados em climas quentes.
A ILPF, que integra tudo, é mais elaborada e cheia de variantes; por isso, não a discutiremos.
Cultivo de mogno
O território brasileiro foi excepcionalmente rico em madeiras nobres. Com o decorrer do tempo, quase as extinguimos da Mata Atlântica. Algumas delas são de crescimento excessivamente lento para atrair silvicultores. O mogno brasileiro ( Swietenia macrophyla ), espécie nativa na Amazônia, de crescimento satisfatoriamente rápido, é uma das madeiras mais caras do mundo; o metro cúbico dela, serrada, vale até US$ 3 mil. Foi excessivamente extraído na Amazônia, e sua extração, hoje, está proibida. Mas é contrabandeado para os EUA e a União Europeia para a fabricação de móveis de luxo.
O mogno brasileiro é frequentemente atacado pela mosca Hypsipyla grandella , cuja larva ‒ chamada broca-das-meliácias ou broca-do-ponteiro ‒ perfura os ponteiros das árvores, provocando galhamento muito baixo, atraso no crescimento ou até morte das árvores. Para populações elevadas da árvore em uma dada área, é comum que quase todas elas sejam atacadas, a menos que haja forte combate à mosca. Hoje, essa espécie de mogno é cultivada principalmente no sul da Ásia, onde a H. grandella não ocorre naturalmente.
Há cerca de meio século, uma espécie de mogno africano, Khaya grandifoliola (figura 4) , relativamente resistente à broca, foi introduzida no Brasil. Em muitas regiões brasileiras, apresenta crescimento rápido. Há, no momento, intensa onda de plantação, em monocultura ou em consórcio com café, lavoura ou pastagem. O lucro médio por hectare/ano chega a R$ 58 mil, 75 vezes maior do que o do eucalipto.
Figura 4. Árvores novas de mogno africano
(Crédito: Casa do Produtor/ESALQ)
O mogno africano é a madeira nobre mais cultivada no Brasil. Mas um fato novo pode levar ao cultivo em grande escala do mogno brasileiro, cuja madeira tem valor mais elevado. No clima quente e relativamente seco do norte de Minas Gerais, segundo relatos publicados, essa árvore cresce duas vezes mais rápido do que na Amazônia, e a infestação da
H. grandella
é bem menor e mais facilmente controlável.
Em parte, o controle é feito pelo anu, ave conhecida e apreciada por catar carrapatos no gado e também eficiente no controle da broca. Em plantações de até três anos, o controle tem de ser rigoroso. Após essa idade, a broca deixa de causar danos significativos no mogno.
Há uma corrida para o cultivo do ‘ouro verde’, que já atraiu cerca de 200 produtores. Estima-se que 60% do mogno (brasileiro e africano) plantados no Brasil estejam em Minas Gerais. Em vários casos, o mogno é cultivado em consórcio com uva de mesa ‒ nesse caso, por migrantes de Santa Catarina. Estes já haviam aprendido a controlar a broca, que, em Minas Gerais, também ataca as parreiras. Usam irrigação por gotejamento, prática comum nos parreirais que acelera ainda mais o crescimento do mogno.
Alaor Chaves
Professor emérito
UFMG
Mais informações:
Palestra : http://www.senado.leg.br/comissoes/cma/ap/ap20090908_embrapa_balbino.pdf
Mogno africano: https://blog.radixflorestal.com.br/lucratividade-do-mogno-africano-saiba-porque-ele-e-um-bom-negocio/
Mogno brasileiro: http://www.sementescaicara.com/ImagensDiversas/file/mognomaisinfo.pdf
Mogno africano: https://www.otempo.com.br/economia/rentabilidade-do-ouro-verde-atrai-produtores-em-minas-1.1426531