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Emérito da UFMG biografa pesquisadoras
Para comemorar o Dia Internacional da Mulher (08/03), o Núcleo de Comunicação Social publica o primeiro de quatro ensaios do físico Alaor Chaves, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e colunista do portal do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), sobre pesquisadoras da área de ciência agrícola e ecologia cujos trabalhos foram importantes para a prática sustentável da agricultura. A série, que começa com a engenheira agrônoma brasileira Johanna Döbereiner, trará também Ana Maria Primavesi, Rachel Carson e Mary-Dell Chilton.
JOHANNA DÖBEREINER (1924-2000)
Johanna Liesbeth Kubalka ‒ que adotou o nome Johanna Döbereiner ao casar-se com Jürgen Döbereiner (1923-2018), médico veterinário alemão ‒ foi uma engenheira agrônoma brasileira, pioneira e principal figura internacional na fixação biológica de nitrogênio (FBN). Foi indicada para o prêmio Nobel de Química em 1997.
Nasceu na então Checoslováquia, em região de língua alemã. Seu pai, Paul Kubalka, foi um físico-químico que se mudou para Praga quando Johanna era pequena e tornou-se professor de química na Universidade de Praga.
Ao encerrar-se a Guerra, as pessoas de língua alemã passaram a ser perseguidas na Checoslováquia. A família fragmentou-se. A mãe de Johanna foi confinada em um campo de concentração recém-criado em Praga, onde morreu. Johanna foi com os avós idosos para a Alemanha Oriental e sustentava os três trabalhando em fazendas. Ordenhou vacas, espalhou esterco em plantações, cultivou batatas e trigo ‒ esta foi sua formação inicial no campo em que se tornou expoente.
Seus avós morreram, e ela mudou-se para a Bavária, onde novamente trabalhou em fazendas. Ali, também reencontrou o pai e um irmão. Em 1947, ingressou no curso de agronomia da Universidade de Munique ‒ por mais um ano, continuou trabalhando em uma fazenda para sustentar seus estudos. Graduou-se e se casou em 1950 com Jürgen, que conheceu na universidade. Junto com o marido, companheiro por toda a vida e com quem teve três filhos, mudou-se, em 1951, para o Brasil, país que adotou como sua pátria. Naturalizou-se brasileira em 1956.
Desejosa de realizar pesquisa, mas sem experiência nesta atividade, ofereceu-se para trabalhar de graça para Álvaro Barcellos Fagundes, diretor do Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas ‒ instituição precursora da atual Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agrobiologia, em Seropédica (RJ). Foi contratada, e com o Fagundes iniciou-se em pesquisa.
A engenheira agrônoma Johanna Döbereiner
(Crédito: Embrapa)
A fixação
A FBN transformou-se em seu principal interesse científico pelo resto da vida. Para melhor entendimento do assunto, uma breve introdução é oportuna. Desde o Egito antigo, observava-se o efeito benéfico das plantas leguminosas na produtividade do solo. Na Europa, há séculos, os fazendeiros adotaram a prática de consorciar ou alternar a plantação de leguminosas com outras lavouras, para obter maiores rendimentos de suas terras. Em 1888-1889, na Alemanha e Holanda, foram isolados fungos e bactérias associados a raízes de leguminosas.
A FBN em leguminosas foi descoberta em 1901, na Holanda, por Martinus Willem Beijerinck (1851-1931). O fenômeno é complexo e realizado por rizóbios, bactérias do solo que colonizam raízes (algumas vezes, os colmos) de plantas leguminosas, formando nódulos, onde vivem, mudando sua própria fisiologia.
Por meio da enzima nitrogenase, essas bactérias produzem amônia (NH 3 ) a partir do nitrogênio molecular (N 2 ), abundante na atmosfera e que circula na seiva das plantas. As plantas são aptas a metabolizar a amônia na produção dos aminoácidos e outros produtos essenciais ao seu desenvolvimento. A elevada energia necessária para a redução do nitrogênio molecular em amônia é fornecida pela planta, que, por sua vez, fornece açúcar e outros ingredientes à bactéria. Além da amônia, os rizóbios produzem hormônios importantes para as plantas. Um mutualismo simbiótico altamente vantajoso para as partes.
Na ausência da FBN, as plantações têm de ser adubadas com materiais orgânicos ou fertilizantes minerais, com destaque para ureia e sulfato de amônio. Desde a Revolução Verde, no pós-guerra, os adubos minerais nitrogenados são usados intensamente, sendo um componente significativo do custo das lavouras.
Esses fertilizantes são muito solúveis na água. Por isso, são rapidamente lixiviados para o subsolo, o que resulta em perda de grande parte do adubo usado e contaminação dos cursos d’água, onde geram excesso de algas e consequente falta de oxigênio, com redução às vezes drástica da vida animal aquática. O efeito estufa do uso de fertilizantes nitrogenados, feitos de petróleo ou gás natural a um alto custo energético, é também muito elevado. Em média, para cada átomo de nitrogênio fornecido à planta, 10 moléculas de CO2 são lançadas na atmosfera.
A bactéria
Um dos objetivos de Johanna era investigar o potencial e as limitações da FBN. Um fenômeno chamou-lhe a atenção. Quando havia água na terra, a grama batatais (grama baiana, grama forquilha), que cobria parte do centro de pesquisa onde ela trabalhava, ficava sempre verde e vigorosa, embora ninguém a adubasse. Ademais, essa grama é invasora frequente de pastagens degradadas. Deveria haver FBN também em gramíneas.
Em 1957, ela descobriu a bactéria que fixava nitrogênio na grama batatais. Antes disso, em 1953, Johanna publicou sozinha o artigo ‘Azotobacter em sólidos ácidos’, como nota técnica de seu centro de pesquisa. Esse trabalho revelou a existência de Azotobacter chroococcum , bactéria aeróbica grande, de rápida propagação e boa fixadora de nitrogênio, em solos muito ácidos da baixada fluminense. Bactérias foram encontradas em solos com pH acima de 4,6 – valor muito baixo; o pH do cerrado brasileiro varia de 4,3 a 6,2. Isso lhe deu esperanças de significativa FBN em solos tropicais (geralmente, ácidos).
Johanna virou defensora de um novo paradigma, o de que a agricultura tropical (em particular, a brasileira), se desenvolvesse com base na FBN, não em fertilizantes nitrogenados minerais. Alguns pesquisadores brasileiros e estrangeiros aceitaram suas ideias. Quando o Brasil começou a desenvolver seu programa de plantação extensiva de soja, ela defendeu com êxito essa proposta. O resultado foi espetacular.
O Brasil tornou-se capaz de produzir mais de 3,5 mil kg/hectare de grãos de soja – a produtividade média, em 2018-2019, foi 3,468 mil kg/ha –, sem emprego de adubos nitrogenados. Segundo a Embrapa, o Brasil economiza mais de US$ 2 bilhões de dólares por ano com a FBN na soja. Computados os efeitos ambientais, esse ganho pode superar dez bilhões de dólares anuais.
Os norte-americanos também desenvolveram seu programa de FBN. Mas como os rizóbios se desenvolvem melhor em temperaturas na faixa de 25º a 30º celsius, bem acima da temperatura de seus solos, conseguem produzir apenas 1,6 mil kg/ha de soja sem uso de adubos nitrogenados.
Com o uso intenso desses adubos, hoje, os EUA têm produtividade média ligeiramente acima da brasileira. Argentina, Paraguai e outros países tropicais têm tido ganhos mais próximos aos do Brasil, com base em nossa tecnologia.
A soja
A soja é especialmente rica em proteína. Cerca de 36% de seus grãos, dependendo da variedade, são proteína. Em 2018, os teores médios no Brasil e nos EUA foram 36,69% e 34,70%, respectivamente. A proteína de soja tem 16% de nitrogênio.
Esses números explicam por que a cultura da soja requer grande quantidade de compostos nitrogenados, por adubação ou FBN. Além do nitrogênio dos grãos, há também grande quantidade de compostos nitrogenados na parte aérea e nas raízes da planta. Esses compostos retornam ao solo, servindo de adubo para a próxima plantação (geralmente, não-leguminosa) [Em tempo: essa adubação verde será descrita na próxima biografia desta série, a de Ana Primavesi].
No aspecto científico, talvez, a maior contribuição de Johanna tenha sido na FBN em gramíneas, cereais e tuberosos. Ela identificou e estudou nove bactérias diazotrópicas associadas a essas plantas não-leguminosas. Com o uso de uma bactéria que ela estudou, foi possível desenvolver uma variedade de cana-de-açúcar capaz de produzir mais de 160 mil kg/ha de colmos, com baixíssimo uso de adubos nitrogenados, o que viabilizou o Proálcool.
Infelizmente, a política de preços artificialmente baixos para a gasolina impediu que as técnicas alcançadas fossem plenamente exploradas, mas, de qualquer modo, o Brasil produz açúcar e álcool a preços muito baixos. Fomos lentos em explorar a FBN no milho, também descoberta por Johanna. Os resultados recentes, obtidos pela Embrapa, são extraordinários: a colheita pode ser duplicada, e o uso de adubos nitrogenados, altamente reduzido.
A carreira
Johanna Döbereiner formou muitos discípulos que continuam seu trabalho. Vários deles são destaque na ciência. Formou também pesquisadores estrangeiros, que trabalham em FBN em seus países.
Assinou mais de 350 artigos científicos e publicou o livro Nitrogen-fixing bacteria in nonleguminous crop plants , coautoria com Fabio O. Pedrosa e Thomas D. Brock, que saiu pela Springer Verlag, em 1987.
Foi consultora de várias organizações internacionais, condecorada por vários governos e tornou-se doutora Honoris Causa de várias universidades. Foi membro de três academias de ciências, a Brasileira, a do Vaticano e a do Terceiro Mundo.
Entre os prêmios que ganhou, destacam-se: Prêmio Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (1979); Prêmio de Ciências da Unesco (1989); Ordem de Mérito de Primeira Classe da República Federal da Alemanha (1992); Prêmio México de Ciência e Tecnologia, do Ministério de Ciência e Tecnologia, do Governo Federal do México (1992); Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito (1994).
A história da fixação biológica do nitrogênio tem dois episódios: antes e depois de Johanna Döbereiner.
Alaor Chaves
Professor emérito
Universidade Federal de Minas Gerais
Mais informações:
Embrapa: https://www.embrapa.br/
Embrapa Agrobiologia: https://www.embrapa.br/agrobiologia
Johanna Döbereiner: https://www.embrapa.br/johanna-dobereiner/quem-foi