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Efeito mais rápido já produzido em laboratório: pesquisadores comentam o Nobel de Física 2023
O Prêmio Nobel de Física 2023 foi concedido a Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier “pelos métodos experimentais que geram pulsos de luz de attosegundos para o estudo da dinâmica dos elétrons na matéria”. Para analisar e entender a importância dessa premiação, o Núcleo de Comunicação Social do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) convidou os físicos Antonio Zelaquett, da Universidade Federal Fluminense (UFF) – além de colaborador do CBPF e Gabriela Lemos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Zelaquett, “a importância do prêmio está na condição extrema da interação da luz com a matéria. O efeito que foi premiado está relacionado com a retirada do elétron do átomo com um laser muito intenso e esse elétron ser recapturado pelo átomo emitindo luz (fóton). Quando esse elétron é recapturado, a luz que ele emite tem um espectro muito largo (muito branca), e ela é pulsada com pulsos que duram na ordem de attosegundo – sendo o efeito mais rápido que o homem já produziu em laboratório. ”
A aplicação desse efeito é de que a propriedade da luz gerada pode ser usada em dois domínios: no temporal – os pulsos ultracurtos servem para metrologia – e no domínio espectral – a luz emitida, por ter um espectro muito largo, serve para a caracterização de materiais. Em síntese, a aplicação mais evidente de uma fonte pulsada ultrarrápida é a medida de fenômenos ultrarrápidos, isto é, o uso dessa fonte de luz para tentar acompanhar alguns fenômenos físicos que ocorrem de forma ultrarrápida.
Para melhorar o entendimento, Zelaquett faz a seguinte analogia: “imagine que você tem um beija-flor que bate as asas muito rápido, se você quiser ver esse movimento do beija-flor, você terá que iluminar o animal com um estroboscópio (dispositivo óptico que permite estudar e registrar o movimento contínuo ou periódico de elevada velocidade de um corpo) que pisca numa velocidade muito maior do que a velocidade em que o beija-flor bate as asas. Agora trocamos o beija-flor pelo elétron se movendo na matéria, ou seja, numa escala de tempo muito mais curta e numa escala de velocidade muito maior, e você também troca o estroboscópio pelos pulsos de attosegundos gerados. ”
Gabriela contextualiza sobre a linha de pesquisa premiada: “linha de estudo de mais de 30 anos, inicialmente o estudo da ótica quântica era direcionado para estudos fundamentais, mas depois foi observado que outros campos poderiam ser beneficiados com esses estudos, como a engenharia e a medicina. Enquanto pulsos muito curtos de luz foram utilizados para observar elétrons e suas reações – troca de energia e movimentação – permitindo diferenciar situações, podem um dia por exemplo, diferenciar células cancerígenas de células sadias e viabilizar novos tratamentos no futuro”.
Sobre L’Huillier ser a quinta mulher laureada em física, Lemos avalia que “apesar de pequeno é um passo importante. Tem sido vista uma preocupação maior do Comitê em laurear mulheres e ao trazerem Anne L’Huillier – uma das pesquisadoras que iniciou o campo – é relevante para valorizar as descobertas de mulheres dentro do ambiente científico. Traz, por outro lado, uma preocupação: o Comitê não tem o mesmo olhar para outras sub-representações, como a questão racial e sobre a pouca presença de laureados fora do norte global”.
Ainda sobre Anne L'Huillier, Zelaquett complementa que a pesquisadora montou um laboratório de espectroscopia e estava entre os primeiros a observar esse efeito da geração de pulsos ultracurtos. Ela percebeu que era um efeito muito interessante e começou essa linha de pesquisa sendo a pioneira na França – nas comunas de Saclay e Orsay.
Zelaquett conta ainda da sua conexão com o grupo de Saclay – um dos pesquisadores desse laboratório, Thierry Ruchon, se tornou colaborador do laboratório de ótica quântica da UFF, onde tomou conhecimento da linha de pesquisa dos vórtices. Ruchon levou o tema de momento angular da luz do laboratório da UFF para o laboratório de pulsos ultracurtos de Saclay, onde aplicou os vórtices com pulsos ultracurtos e resultou numa publicação na Science Advances sobre o tema.
Nessa colaboração, a tese de um dos alunos de Ruchon, tratou da implementação de vórtices em pulsos ultracurtos e Zelaquett fez parte do júri da banca, que também tinha na sua constituição Pierre Agostini, um dos três laureados em 2023.
A página da premiação destaca a relevância da linha de pesquisa vencedora - “eventos em movimento rápido fluem uns para os outros quando percebidos pelos humanos, assim como um filme que consiste em imagens estáticas é percebido como um movimento contínuo. Se quisermos investigar eventos realmente breves, precisaremos de tecnologia especial. No mundo dos elétrons, as mudanças ocorrem em alguns décimos de attosegundo – um attosegundo é tão curto que há tantos em um segundo quantos segundos desde o nascimento do universo”.
Atualmente Zelaquett é o coordenador do projeto Rede Rio Quântica, que está em andamento e tem participação do CBPF. O tema do prêmio Nobel e a Rede Rio Quântica tem em comum a utilização da luz estruturada como instrumento de pesquisa. Ainda que a luz estruturada não figure diretamente no assunto que foi laureado, hoje em dia se pesquisa a produção e interação da luz estruturada nesse regime.
Mais informações:
https://www.nobelprize.org/