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Dois pesquisadores do CBPF publicam artigo sobre relação entre raios e massas nucleares
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Odilon Antônio Paula Tavares e Emil de Lima Medeiros ‒ respectivamente, pesquisador titular colaborador (aposentado) e pesquisador associado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ) ‒ descrevem, no artigo a seguir, método alternativo para obter estimativas de raios de núcleos atômicos a partir do conhecimento das massas nucleares.
Raios nucleares derivam de massas nucleares
Em fevereiro de 1911, o físico neozelandês Ernest Rutherford (1871−1937) anunciou uma descoberta que está entre as dez mais importantes realizações de toda a história da ciência: a existência do núcleo atômico. Rutherford chegou a estimar o tamanho do núcleo atômico (supostamente esférico) como da ordem do trilionésimo do centímetro (cerca de 10 −12 cm), ou seja, dez mil vezes menor do que o tamanho do próprio átomo.
Como a massa do elétron é cerca de 1.840 vezes menor do que a dos constituintes nucleares (prótons e nêutrons), toda a massa do átomo (99,97%) encontra-se concentrada no núcleo, cuja densidade é impressionante: cerca de 100 milhões de toneladas por cm 3 (10 14 g/cm 3 ).
Na segunda metade da década de 1930, para explicar a absorção de nêutrons (de muito baixa energia) pelo núcleo, o físico de origem alemã Hans Bethe (1906-2005) introduziu o modelo nuclear conhecido como ‘modelo de gás de Fermi’ ‒ Fermi é uma referência ao físico italiano Enrico Fermi (1901-1954).
Nesse modelo, o núcleo atômico é considerado um volume esférico contendo dois gases (um de prótons, outro de nêutrons), onde essas partículas se movimentam livremente, isto é, sem sofrer colisões umas contra as outras. Os prótons e nêutrons na fronteira do núcleo sofrem atração de seus vizinhos, forçando aqueles a permanecerem confinados no volume esférico, de modo a definir uma superfície esférica de raio R p para os prótons e R n para os nêutrons.
Quando se aplicam os princípios da mecânica quântica ‒ teoria que lida com os fenômenos atômicos e subatômicos ‒ aos prótons e nêutrons do gás de Fermi obtém-se a energia cinética (de movimento) média dessas partículas no núcleo, a qual só depende (e de forma simples) do número de partículas e do raio do volume esférico onde se acham confinadas.
Os mésons
Essa ‘agitação’ dos prótons e nêutrons foi o que explicou, logo após o fim da Segunda Guerra, a produção de mésons pi carregados (píon positivo e píon negativo ), responsáveis por manter o núcleo coeso.
Esses mésons ‒ com cerca de 15% da massa do próton ou nêutron ‒ foram brilhantemente detectados ‒ pela primeira vez, em uma acelerador de partículas ‒ pelo físico brasileiro César Lattes (1924−2005), em fevereiro de 1948, no Laboratório de Radiação na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA).
Dois anos depois, no mesmo laboratório, foi identificado o méson pi sem carga (ou píon neutro) como resultado do bombardeio de prótons de alta energia em alvos de berílio, cobre e tântalo. E, em 1960, foi verificado experimentalmente que o píon neutro tem existência curtíssima (da ordem de 10 −16 s), desintegrando-se depois desse tempo curtíssimo e dando origem a dois fótons (partículas de luz).
Raios nucleares
Desde a década de 1930, diferentes técnicas de medida e métodos de determinação do raio nuclear ‒ aproximando a forma do núcleo à de uma esfera ‒ têm sido desenvolvidos e aperfeiçoados. Hoje, são bem conhecidos os resultados de medidas de raio de cerca de 900 espécies nucleares de 90 elementos químicos.
Por sua vez, as massas nucleares começaram a ser obtidas experimentalmente já a partir de 1920, e as tabelas atuais de massa contemplam dados dessa grandeza para cerca de 3,4 mil núcleos atômicos.
Embora raio e massa nucleares sejam independentes, estimativas sobre a primeira dessas grandezas podem ser obtidas a partir dos valores da segunda. Apresentaremos aqui as bases de um método simples de determinação do raio nuclear médio de um núcleo contendo Z prótons e A - Z nêutrons (A = prótons mais nêutrons) a partir de valores de massa nuclear.
Para entendermos esse método, vamos primeiramente considerar a produção de um par píon neutro mais dêuteron (núcleo formado por um próton e um nêutron) induzida por uma colisão periférica de prótons ou nêutrons contra núcleos atômicos (figura). Supomos que a energia cinética mínima para provocar essas reações nucleares seja a mesma que a de uma colisão frontal periférica.
Figura 1. Esquema da produção do par píon neutro e dêuteron (próton mais nêutron) em colisões periféricas
próton-nêutron e nêutron-próton em um núcleo com Z prótons e A prótons mais nêutrons;
os núcleos resultantes desses choques são (Z, A - 1) e (Z - 1, A - 1), respectivamente
(Crédito: Cedido pelo autor)
Depois, consideram-se; i) os Z prótons e os A - Z nêutrons movendo-se separadamente nos respectivos gases de Fermi; ii) suas respectivas energias cinéticas médias são as energias que essas partículas possuem nas colisões frontais já mencionadas.
Acordo muito bom
Essas duas hipóteses conduzem a uma simples dependência do raio médio (R) do núcleo (Z, A) com a massa do próprio núcleo (Z, A) e com a dos núcleos resultantes, (Z, A - 1) e (Z - 1, A - 1).
Um estudo sistemático e comparativo dos valores de R pelo presente método e os obtidos experimentalmente indica acordo muito bom para um conjunto de 540 espécies nucleares ‒ com diferenças menores ou iguais a 3,5% em aproximadamente 90% dos casos ‒, englobando núcleos esféricos, quase esféricos (pouco deformados), estáveis e de meia-vida muito longa.
Os resultados revelam também um acentuado decréscimo da razão R/A 1/3 , quando se passa dos núcleos mais leves (A por volta de 16 a 20) para os de maior massa (A maiores ou iguais a 200), refletindo certo grau de compressibilidade nuclear, em completa concordância com o que é indicado por resultados experimentais.
Odilon A. P. Tavares
Pesquisador titular colaborador (aposentado)
CBPF
Emil de Lima Medeiros
Pesquisador associado
CBPF
Mais informações
‘Nuclear radii from nuclear masses’. International Journal of Modern Physics E v. 28, n. 3, p. 1950021 (2019). DOI: 10.1142/S0218301319500216
Notas de Física (CBPF-NF-003/19): http://revistas.cbpf.br/index.php/NF/article/download/348/224