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Dispositivo desenvolvido no CBPF testará eletrônica do detector LHCb, do CERN
Quando a nova versão de um dos maiores detectores de partículas da atualidade começar a funcionar em 2020, parcela do crédito deverá recair em um dispositivo eletrônico sofisticado, projetado e desenvolvido por uma equipe do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ).
O detector em questão é o LHCb, um dos quatro grandes experimentos do maior acelerador de partículas do planeta, o LHC (sigla, em inglês, para Grande Colisor de Hádrons), localizado no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), na Suíça.
O LHC acelera, a velocidades próximas à da luz (300 mil km/s), feixes de prótons, que, por sua vez, colidem de frente, gerando um sem-número de fragmentos de matéria. Esses estilhaços subatômicos são capturados pelos quatro experimentos que se localizam ao longo dos 27 km de circunferência do acelerador – um deles, o LHCb (figura 1) .
Figura 1. Concepção artística (sobre foto) mostrando a estrutura interna do detector LHCb, no CERN
(Crédito: LHCb/CERN)
'b', do LHCb
O ‘b’ no nome desse detector é referência aos quarks bottom – quarks são uma classe de seis partículas que formam, por exemplo, os prótons e os nêutrons, constituintes do núcleo atômico. Um dos principais objetivos desse experimento, para lá de complexo, é verificar em que medida a natureza privilegia a matéria em detrimento da antimatéria.
Em termos mais práticos, as centenas de físicos, engenheiros e técnicos do LHCb medem essa diferença ao estudar quarks (matéria) e anti quarks (antimatéria) do tipo bottom . Para efetuar essas medidas, eles observam o modo como esses quarks e antiquarks de desintegram em outras partículas, depois de viverem por uma fração insignificante de segundo.
Ao estudar essas colisões, um dos objetivos da equipe do LHCb é entender por que o universo atual é composto majoritariamente por matéria, já que a teoria que lida com o microuniverso das partículas elementares prevê apenas minúsculas diferenças na produção de matéria e antimatéria. No entanto, antimatéria é algo raro no universo atual.
Por sua vez, os bottom e os anti bottom – assim como outros quarks – foram muito comuns nos instantes iniciais depois do Big Bang , processo que deu origem ao universo. O LHCb, no entanto, consegue produzi-los e capturá-los aos borbotões. E essa tarefa depende (muito) dos detectores e da eletrônica adjacente empregada nesse experimento.
Figura 2. Dispositivo desenvolvido no CBPF para testar a eletrônica de um dos setores do detector LHCb
(Crédito: CBPF)
Dispositivo injetor
E aqui começa a história do ‘dispositivo injetor’ projetado e desenvolvido no CBPF (figura 2) . Sua função básica é testar minuciosamente a nova eletrônica usada em uma parte crucial dos quase 20 metros de comprimento do LHCb, o chamado sistema de tracking , local onde as partículas geradas nas colisões têm suas trajetórias reconstruídas e suas velocidades determinadas. Isso faz desse sistema um tipo de ‘coração’ do detector – daí a importância de checar se tudo está perfeito na eletrônica embutida nesses 12 ‘muros’ com 6 m de altura e 5 de largura cada.
Em 2020, o ‘novo’ LHCb será reinaugurado. E dessa lista de reparos faz parte a nova eletrônica – mais complexa, sensível e precisa – do sistema de tracking . A missão da equipe do CBPF e seu dispositivo é garantir que tudo funcione perfeitamente.
Logo de ouro
Várias razões fazem do dispositivo injetor um instrumento peculiar. A principal delas é que ele tem a capacidade de gerar, com grande precisão, uma ampla gama de pulsos elétricos, os quais são injetados na eletrônica sob teste. Ao analisar a resposta a esses pulsos, o dispositivo pode atestar se os componentes avaliados funcionam corretamente, em conformidade com o projeto.
A sofisticação e a complexidade do projeto do dispositivo injetor forçaram a equipe do CBPF a buscar uma empresa na Holanda, comumente usada pelo Instituto Nacional Holandês para a Física Subatômica, parceiro do CBPF nesse trabalho. A firma holandesa é dotada da expertise necessária para a construção do substrato do equipamento – ou seja, da placa (a parte vermelha, na figura 2 ) onde se apoiam os componentes.
Em breve, o dispositivo injetor deve retornar ao CBPF, para entrar em fase de calibração. “Esse é um processo crucial, pois, sendo um instrumento de medida, a placa precisa estar perfeitamente calibrada, para poder fazer o teste da eletrônica do LHCb com perfeição”, diz o pesquisador associado André Massafferri, coordenador do projeto de instrumentação e membro do Grupo de Sabores Pesados do CBPF.
O dispositivo é o tema da dissertação de Ulisses Carneiro, aluno do Mestrado em Instrumentação Científica do CBPF e orientado por Massafferri. E é a terceira dissertação no contexto do sistema de teste da eletrônica do LHCb.
Massafferri destaca – não sem certo orgulho – que a placa ostenta um logotipo do CBPF em ouro,elemento químico normalmente usado na confecção de placas eletrônicas, por conta de sua excelente capacidade de conduzir eletricidade. No verso, há ainda os dizeres ‘Aqui tem tecnologia brasileira’ (figura 3) .
Figura 3. Logotipo do CBPF em ouro (frente da placa) e dizeres (verso)
(Crédito: CBPF)
Para validar a eletrônica do sistema de tracking do LHCb no prazo previsto, será necessário reunir dois sistemas, cada um deles com oito dispositivos injetores conectados a uma unidade de controle, a qual utilizará uma tecnologia ultramoderna de transmissão de dados desenvolvida pelo próprio CERN.
Nova física?
Dados recentemente revelados -- mas ainda não publicados -- pelo LHCb trrazem evidências – na forma de anomalias no modo como as partículas se desintegram – de que é possível que haja uma física para além do chamado Modelo Padrão de Partículas Elementares e Interações Fundamentais, ferramental teórico complexo e bem-sucedido que os físicos empregam para estudar o diminuto mundo atômico e subatômico.
Por enquanto, há ainda muitas dúvidas sobre o que representam esses decaimentos não previstos do chamado méson B0 – partícula que contém um anti quark bottom em sua composição. Segundo o Modelo Padrão, esse méson deveria decair, com a mesma probabilidade, em um conjunto de partículas entre as quais estão elétrons e múons (estes últimos, elétrons mais pesados). No entanto, esses dados recentes do LHCb indicam que há uma probabilidade levemente maior em favor do decaimento em elétrons. E isso viola as previsões do modelo.
Outro trabalho recente da colaboração LHCb foi publicado em Nature Physics (30/01, edição online ) e traz, entre os autores, quatro pesquisadores do CBPF – Massafferri, Ignácio Bediaga, Jussara Miranda e Alberto Reis – e quatro alunos ou ex-alunos de pós-graduação na instituição – Fernando Rodrigues, Álvaro Gomes, Ana Bárbara Rodrigues e Daniel Vieira.
Mais informações:
CERN (em inglês e francês): https://home.cern/
LHCb (em inglês e francês): https://home.cern/about/experiments/lhcb
Mestrado em Instrumentação Científica/CBPF (em português): http://portal.cbpf.br/programa-profissional
Nature Physics : http://www.nature.com/nphys/journal/v13/n4/full/nphys4021.html
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Núcleo de Comunicação Social - NCS/CBPF
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