Notícias
Dada a largada para o upgrade do experimento Connie
A usina nuclear de Angra 2, na cidade de Angra dos Reis (RJ), hospeda um experimento de física – único de seu gênero no mundo – desenhado para testar aspectos das teorias mais fundamentais sobre a matéria.
O experimento Connie (sigla, em inglês, para Experimento de Interação Coerente Neutrino-Núcleo) usa uma nova tecnologia para a detecção de partículas elementares conhecidas como neutrinos – no caso, produzidas no reator da usina.
A base do Connie para a detecção de neutrinos são os CCDs (do inglês, Dispositivos de Carga Acoplada), que passaram a ser explorados recentemente para a detecção dessas partículas extremamente fugidias.
Os CCDs possuem como diferencial detectar partículas de baixa energia, o que abre nova janela para a pesquisa em física fundamental e aplicada – em particular, no que se refere aos estudos da interação dos neutrinos. Isso permitiu que, em cinco anos de operação, o experimento Connie fosse capaz de atingir o recorde mundial em sensibilidade para um experimento de neutrinos e, assim, estabelecer limites em teorias físicas conhecidas como ‘além do modelo padrão’ – ou seja, envolvendo fenômenos não previstos por esse poderoso ferramental teórico que os físicos usam para estudar a matéria (partículas) e as interações (forças) da natureza.
Esses limites são os mais restritivos já obtidos a partir de um experimento de neutrinos de reator em baixas energias. Em outras palavras, o experimento já ajudou a testar (e descartar) teorias.
O próximo passo é aumentar a sensibilidade do detector, o que permitirá ampliar a exploração da física da interação de neutrinos. Isso possibilitará medir, pela primeira vez, o espalhamento (‘colisão’) coerente dos neutrinos do reator. No caso, coerente significa que o neutrino interage com núcleo atômico como um todo e não seus constituintes, prótons e nêutrons, separadamente, como acontece em energias mais altas. Essa interação foi prevista teoricamente há quase meio século e só observada experimentalmente há quatro anos, em experimentos com feixes de partículas.
Com o Connie, essa medida será estendida para energias mais baixas, abrindo novas possibilidades tanto para estudar experimentalmente essa interação quanto de alargar os testes de teorias alternativas – e até gerar aplicações para o acompanhamento remoto da operação de reatores nucleares, o que tem apelo para a área de monitoramento internacional de atividades nesse tipo de usina.
Mais sensibilidade
Esse aumento da sensibilidade virá do uso de uma nova tecnologia, Skipper-CCD, em que é possível baixar enormemente o ruído do sensor, possibilitando detectar elétrons individualmente, ou seja, literalmente, contar quantas dessas partículas são geradas no sensor em resposta à colisão de partículas incidentes.
Essa característica torna um Skipper-CCD um ‘detector quântico’ e abre a perspectiva de aplicações em outras áreas de pesquisa fundamental e aplicada em física. Este tipo de tecnologia começou a ser usada recentemente em detectores para matéria escura e vem sendo considerada para outros experimentos de neutrinos – matéria escura, de natureza ainda desconhecida, responde por cerca de 25% do conteúdo do universo.
Depois da preparação que envolveu redesenho e upgrade de componentes do experimento, os primeiros sensores Skipper-CCD foram instalados no Connie no fim de junho deste ano.
Sensor Skipper-CCD (retângulo cinza, centro) e conexões eletrônicas
(Crédito: projeto Connie)
A função desses primeiros sensores é validar seu uso no ambiente do Connie e medir o chamado background , causado por ruído eletrônico e todas as partículas que não interessam ao experimento (como elétrons e partículas de luz). Portanto, são um protótipo para outros sensores Skipper que serão instalados no Connie em breve.
A massa desses sensores é crucial para a detecção dos neutrinos. Desse modo, o passo seguinte será instalar sensores bem maiores e em maior número, conformando o upgrade do experimento completo para sua versão Skipper.
Essa iniciativa é um marco na construção da nova geração de experimentos de neutrinos com Skipper-CCD e mais um recorde mundial do Connie.
Experimento Connie pronto para instalação dos Skipper-CCD
(Crédito: projeto Connie)
Detector único: futuro
Connie foi o primeiro e, até agora, único experimento de neutrinos com CCDs. Com os novos Skipper-CCDs ele passou a ser também o único experimento usando essa tecnologia operando junto a um reator nuclear.
Em torno da ideia de montar um experimento de neutrinos com CCDs juntaram-se pesquisadores e tecnologistas do CBPF e do Instituto de Física da UFRJ (IF-UFRJ). Coordenados pelo Fermilab, montou-se uma colaboração internacional com participação de Argentina, México, Paraguai e Suíça, além do Brasil e EUA. Nesse momento, foi criada a sigla Connie.
Da equipe brasileira, fazem parte do Connie: do CBPF, Hérman Lima, João dos Anjos, Martín Makler e Philipe Mota; do IF-UFRJ, Ana carolina Oliveira, Carla Bonifazi, Irina Nasteva, Katherine Maslova, Patrick Lemos e Pedro Zilves. O experimento conta com o apoio da Coordenação de Desenvolvimento Tecnológico (Cotec), do CBPF, e de Gustavo Coelho e Livia Werneck, da Eletronuclear.
Imagens obtidas com Skipper-CCD; traços retos, múons (elétrons ‘pesados’); curvos, elétrons
(Crédito: projeto Connie)
Há outros protótipos de detectores de neutrinos com Skipper-CCDs planejados para entrar em operação em breve, inclusive em uma central nuclear na Argentina. Um diferencial da fase atual do Connie é a possibilidade dele operar, ao mesmo tempo, os CCDs tradicionais e os Skipper-CCDs.
Com isso, o Connie se tornou o único experimento no mundo a combinar essas duas tecnologias, o que permitirá fazer inúmeros testes e calibrações cruzadas.
Agora que os novos Skipper-CCDs foram instalados, o foco tem sido otimizar sua operação, bem como analisar e compreender seus resultados. O objetivo é caracterizar o background e obter as primeiras medidas científicas. Em agosto deste ano foi feita uma nova intervenção no experimento, adicionando camadas de blindagem (chumbo e polietileno de alta densidade) para medir seu impacto na atenuação do background . Neste momento estão sendo realizadas as primeiras análises de dados com o protótipo completo.
A próxima fase, planejada para o início de 2022, será preencher todo o detector Connie com novos Skipper-CCDs, aumentando em muito a massa do experimento sensível aos neutrinos.
Esse upgrade abrirá uma nova janela na detecção de neutrinos e testes do modelo padrão, mantendo Connie na ponta dos experimentos de neutrinos de reator de baixas energias.
Martín Makler
Pesquisador titular
CBPF
Mais informações:
CBPF:
https://portal.cbpf.br/teste-idiomas/en-us/home/cbpf-news/experimento-revela-interacao-de-neutrino-com-o-nucleo-atomico
Ciencia del Sur:
https://cienciasdelsur.com/2018/01/17/experimento-connie-neutrinos/
UFRJ:
https://www.if.ufrj.br/em-operacao-experimento-connie-tem-nova-tecnologia-de-sensores-para-a-deteccao-de-neutrinos/