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Cosmólogo analisa a expansão do universo
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Felipe T. Falciano, pesquisador associado do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), faz breve reflexão sobre o debate atual em torno de discrepâncias na medição da taxa de expansão do universo.
O que há de estranho com a cosmologia?
Uma das ideias básicas na ciência é que o estado atual das coisas é fruto de uma sucessão de processos. Nesse sentido (e em particular), entender e descrever os processos que moldaram nosso universo é um dos desafios da cosmologia.
Nessa ciência que estuda a evolução e a estrutura do universo, a expansão deste último é um dos temas centrais. O fato interessante é que existe um debate sobre o valor da constante de Hubble (H0), que mede a atual expansão do universo ‒ o nome é referência ao astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1990-1953), que descobriu, no final da década de 1920, que as galáxias estavam se afastando umas das outras.
Experimentos (satélite Planck, por exemplo) que inferem H0 a partir da radiação cósmica de fundo (RCF) ‒ ‘energia’ tênue remanescente dos primeiros instantes do universo ‒ encontram valor em torno de 67 Km/Mpc.s.
O significado desse número é o seguinte: a velocidade com que as galáxias se afastam uma das outras aumenta em 67 km/s para cada megaparsec (3,26 milhões de anos-luz) de distância entre elas ‒ cada ano-luz equivale a 9,5 trilhões de km. Portanto, quanto maior a distância entre as galáxias, maior será a velocidade de recessão entre elas.
Mas experimentos baseados em objetos locais (colaboração Holicow, por exemplo) medem um valor maior e perto de 74 Km/Mpc.s.
Rever os pilares?
Por causa dessa discrepância, parte da comunidade de cosmólogos defende existir uma crise na cosmologia, pois haveria algo errado na descrição do universo.
Nas últimas décadas, a cosmologia produziu um cenário coeso, capaz de descrever inúmeras observações previstas por um ferramental teórico considerado sólido e robusto: o modelo padrão da cosmologia.
O valor da constante de Hubble inferido por meio da RCF está calcado nesse modelo. Portanto, se este último for adequado para descrever a evolução do universo, não deveria haver a tal discrepância em H0.
Evidentemente, há hipóteses e parâmetros no modelo padrão que podem ser ajustados para alterar o valor de H0. Porém, as variações possíveis são insuficientes para atingir o valor de 74 Km/Mpc.s.
Se esse último valor for o correto, então, será necessário rever e modificar os pilares do modelo padrão da cosmologia.
Tipos de erros
Em um experimento, há dois tipos de erros: estatísticos e sistemáticos. Os do primeiro tipo advêm de um número insuficiente de dados experimentais ou amostras. A solução é evidente: aumentar ou melhorar o conjunto de dados.
Os erros sistemáticos são assunto mais delicado, pois estão associados à forma como tratamos os dados. Mais especificamente, como extraímos informação deles sobre o sistema em estudo e, a partir daí, construímos nosso conhecimento.
A origem da discrepância em H0 pode ser resultado de erros sistemáticos em um ou mais experimentos. Isso significa que o tratamento de uma classe de dados não está sendo feito do modo correto.
Outra opção é que haja um erro em como descrevemos o universo. Algum elemento fundamental do modelo padrão da cosmologia estaria errado. Por exemplo, a existência da energia escura (tipo de matéria de natureza ainda desconhecida e responsável por cerca de 70% da massa do universo).
Por causa da relevância da questão, as tentativas em explicar a discrepância de H0 têm se multiplicado ‒ por vezes, com declarações precipitadas.
Única certeza
O ponto importante desse dilema é evidenciar a qualidade experimental e teórica da cosmologia atual. Desafios como a inconsistência no valor de H0 trazem avanços científicos relevantes. Com isso, podemos modificar nosso entendimento do universo, alterando, se for o caso, o modelo padrão da cosmologia.
Porém, qualquer resolução do conflito deve necessariamente acomodar todos os dados observacionais ‒ o que hoje é uma gama extensa e com baixos erros estatísticos. Por isso, a palavra de ordem em cosmologia tem sido “cuidado com os erros sistemáticos”.
Também é possível identificar a necessidade de modificar e melhorar o modo de calibração usado para medir distâncias em cosmologia.
A única certeza que temos é que algo interessante emanará desse debate.
Felipe T. Falciano
Pesquisador Associado
CBPF