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Ciência no Brasil pode estar perto de sua meia-noite "O alarme já soa alto..."
Em 1947, o Boletim dos Cientistas Atômicos estampou em sua capa um relógio prestes a marcar meia-noite, para ilustrar o quão perto a humanidade estava de uma catástrofe de ordem planetária – à época, imposta pelo avanço das armas nucleares. Nos últimos 70 anos, o 'relógio do dia final’, como ficou conhecido, atrasou ou adiantou alguns minutos, segundo ameaças de conflitos ou avanços rumo a um mundo mais pacífico.
Em 2017, o relógio da ciência brasileira também está se aproximando de sua ‘meia-noite’. E as consequências imediatas – e, principalmente, por incertas, as futuras – serão certamente graves não só para a comunidade científica do país, mas também para o governo e, sobretudo, para a sociedade.
O alarme já soa alto; é preciso despertar para os fatos.
O que move os ponteiros do relógio da ciência no Brasil são os consecutivos cortes e contingenciamentos das verbas federais para os institutos de ciência e tecnologia. No Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), caso o cenário permaneça o mesmo, a hora fatídica deve chegar no início de setembro, quando estarão exauridos os últimos recursos, e pagamentos essenciais (segurança, limpeza, luz, água etc.) ficarão impraticáveis.
Mas quais as consequências da meia-noite da ciência no Brasil?
A seguir, alguns exemplos – em meio a tantos outros igualmente prioritários e importantes – vindos do CBPF, um dos institutos de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Acesso à internet
Pouco se questionam sobre como se obtém acesso à internet – até mesmo pelo fato de essa rede mundial de computadores ser ‘invisível’, por conta de seus cabos subterrâneos e dados nas nuvens. No estado do Rio de Janeiro, a resposta para essa pergunta encontra-se, em boa parte, no CBPF, que concentra um sem-número de circuitos de comunicação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), da Rede-Rio – dedicada a atender, por exemplo, órgãos do governo do Estado – e do Ponto de Troca de Tráfego do Comitê Gestor da Internet Brasileira no Rio de Janeiro.
Um corte prolongado no fornecimento de eletricidade ao CBPF afetaria instituições como o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO); hospitais como o Gaffrée-Guinle, dos Servidores do Estado e Federal de Bonsucesso; o Instituto Nacional de Educação de Surdos; o Instituto Benjamin Constant, que atende deficientes visuais; o Colégio Pedro II e outros milhares de alunos de diversas universidades e escolas técnicas; agências de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); a Agência Nacional de Cinema (Ancine)...
A lista é longa.
Márcio Portes de Albuquerque, diretor substituto do CBPF, alerta: caso o governo federal não consiga honrar os contratos de custeio de energia elétrica devido aos contingenciamentos impostos ao MCTIC, o que ocorrerá será um “verdadeiro desastre para a ciência e a sociedade brasileira – em especial, a do Rio de Janeiro”.
“Os impactos são imensuráveis. Boa parte da infraestrutura responsável pelo acesso à internet já não conta mais com os contratos de manutenção dos equipamentos. A partir de setembro, estaremos em uma situação real de incêndio, de um incêndio de proporções épicas para o estado fluminense”, diz o tecnologista sênior do CBPF.
O alarme do relógio da ciência brasileira anunciando sua ‘meia-noite’ tem soado alto. E em bom som. E constantemente. Esses alertas têm vindo com especial intensidade dos diretores dos institutos de pesquisa do MCTIC. Porém, até o momento, não houve medida concreta para resolver a situação.
“É muito importante que o governo federal perceba a real dimensão do que pode provocar um contingenciamento de recursos financeiros sem critérios, e que, na avaliação dos custos, é importante mensurar com atenção os impactos. Os benefícios, na área de ensino e pesquisa, são a parte intangível da equação e exigem inteligência na solução. No momento que a luz se apagar, as instituições – que já estão enfraquecidas no mundo real pelos cortes orçamentários – sumirão de vez, pois não estarão mais acessíveis no mundo virtual”, alerta Albuquerque.
“Literalmente, a luz no fim do túnel terá se apagado. É isso mesmo que o governo pretende?”, pergunta o diretor substituto.
Cartaz da campanha 'Meia-noite da ciência no Brasil'', lançada pelo CBPF para alertar sobre os cortes de verbas
(Crédito: Mariana Ferraz/NCS-CBPF)
20 anos de trabalho
Na pesquisa feita no CBPF, o exemplo vem da Coordenação de Matéria Condensada, Física Aplicada e Nanociência (COMAN), que tem, sob sua responsabilidade, um patrimônio acumulado em equipamentos e materiais cujo valor ultrapassa R$ 60 milhões.
Ivan dos Santos Oliveira Júnior, pesquisador titular do CBPF e coordenador da COMAN, apresenta dados de um levantamento interno feito recentemente: na coordenação, há desde apontadores laser de R$ 400,00 até uma ‘sala limpa’ completa, no valor de R$ 5 milhões, preparada para realização de pesquisas que precisam de ambientes altamente controlados. A maioria dos equipamentos integra laboratórios multiusuários, ou seja, atendem não somente a pesquisadores do CBPF, mas também àqueles de outras instituições de pesquisa, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense e o Instituto Militar de Engenharia (IME).
Sala limpa do Labnano, do CBPF, cujo custo chega a R$ 5 milhões
(Crédito: Labnano/CBPF)
“A maior parte desse patrimônio foi incorporada ao CBPF ao longo dos últimos 20 anos, e vários dos equipamentos necessitam de contratos de manutenção que garantam seu bom funcionamento – em particular, aqueles dos laboratórios multiusuários e abertos”, enfatiza Oliveira.
Estima-se que, como regra, sejam necessários cerca de 5% do valor total dos equipamentos por ano, para uma manutenção regular – portanto, no caso do CBPF, de R$ 3 milhões.
XPS, do CBPF, equipamento usado para caracterizar a superfície de amostras
(Crédito: CBPF)
A mensagem aqui é clara: deixar de cuidar desses equipamentos é sucatear R$ 60 milhões de patrimônio federal, desperdiçar 20 anos de trabalho de pesquisadores e tecnologistas cuja formação teve investimento estratégico do Estado e bloquear futuros avanços e desenvolvimentos, o quais são difíceis de valorar no presente.
Tempo de bom senso
A ciência brasileira – como a feita no CBPF e em outros institutos de pesquisa do MCTIC – encontra-se, neste momento, em uma corrida contra o tempo. A partir de agora, cada dia conta, pois os ponteiros do relógio seguem em direção ao ‘12’.
O governo federal precisa agir rapidamente, para evitar a meia-noite da ciência brasileira. “Acreditamos que o bom senso vai prevalecer”, diz o Ronald Shellard, diretor do CBPF. “Afinal, ciência não é gasto; é investimento. É hoje uma forma de conhecimento estratégica para qualquer país”, completou o físico experimental.
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