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CBPF comemora hoje (30) o Dia Internacional dos Raios Cósmicos
No ‘Dia Internacional dos Raios Cósmicos’, o pós-doutorando italiano do CBPF Ugo Giaccari, especialista na área, preparou, a convite do Núcleo de Comunicação Social do CBPF, um texto para comemorar a data.
Hoje, 30 de novembro, ocorre a 6ª edição do International Cosmic Day (Dia Internacional dos Raios Cósmicos). O evento é organizado pelo DESY, o mais importante centro de pesquisa em física da Alemanha e o maior instituto no continente depois do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), em Genebra (Suíça).
O ICD – como o evento é conhecido – é voltado à divulgação de física de astropartículas para estudantes de ensino médio. Ao longo do dia de hoje, em instituições de vários países, milhares de estudantes terão a oportunidade de trabalhar juntamente com cientistas, de modo semelhante ao que se faz atualmente em uma grande colaboração internacional.
Cientistas, professores e estudantes se encontrarão para ensinar e aprender sobre a física de astropartículas – e, em particular, sobre a física dos raios cósmicos –, ramo da física que nasce na interseção da astrofísica, cosmologia e física de partículas.
Nova janela
No início da década de 1910, o físico austríaco Victor Hess (1883-1964) fez vários voos com balões. O resultado desses experimentos aéreos abriria uma nova janela para o entendimento da matéria no universo.
Alguns desses voos ultrapassariam 5 mil metros, o que permitiu a Hess medir a chamada taxa de ionização na atmosfera longe do solo. Seus dados mostraram que, àquela altitude, essa grandeza era bem superior à medida ao nível do mar.
Hess, então, com base nesse e outros voos, concluiu que a radiação que estava ionizando – ou seja, arrancando elétrons dos átomos da atmosfera – era extraterrestre, vinha do espaço – daí, o nome ‘cósmico’.
Por esses resultados, Hess ganhou o Nobel de Física de 1936 e se tornou um dos descobridores dos chamados raios cósmicos, que são núcleos atômicos ultraenergéticos que, vindos do espaço, bombardeiam a atmosfera terrestre a todo instante.
O choque dos raios cósmicos contra os núcleos atmosféricos gera uma cascata de partículas que viaja rumo ao solo quase à velocidade da luz (300 mil km/s). A cada instante, dezenas desses fragmentos de matéria nos atingem, sem que isso seja prejudicial à nossa saúde.
O nome ‘raios’ foi dado ainda na década 1920 e permaneceu por tradição. À época, acreditava-se que, em vez de núcleos atômicos, o fenômeno era formado por raios gama, a mais energética das ondas eletromagnéticas.
Por sinal, este ano, comemoram-se os 70 anos da descoberta do méson pi, partícula que age como uma ‘cola’ nuclear, mantendo prótons e nêutrons unidos. Essa descoberta – uma das mais importantes da física no século passado – teve participação decisiva do físico brasileiro César Lattes (1924-2005), que também observou, no ano seguinte (1948), a produção desses mésons no então maior acelerador de partículas do mundo, o sincrocíclotron de 184 polegadas, na Universidade de Berkeley (EUA).
As consequências dos feitos de Lattes foram cruciais para a fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), em janeiro de 1949, e estão na base da criação das primeiras instituições que formaram a infraestrutura político-administrativa da ciência no Brasil, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no início da década de 1950.
A pesquisa em raios cósmicos foi responsável por um grande salto qualitativo e quantitativo na física experimental brasileira.
Era dos multimensageiros
Hoje, o estudo dos raios cósmicos aborda questões fundamentais sobre a natureza, em suas dimensões macro e micro. Por exemplo, a física do universo primordial, cenário que ocorreu há cerca de 13,8 bilhões de anos; a ainda desconhecida natureza da chamada matéria escura; o estudo da física de partículas em regiões de energias até agora inexploradas, até mesmo pelo mais potente acelerador da atualidade, o LHC (Grande Colisaro de Hádrons), do CERN; a própria origem e os mecanismos de aceleração dos raios cósmicos.
Os físicos esperam obter respostas para essas questões, usando detectores localizados nas áreas mais remotas, incomuns e espetaculares da Terra. Alguns deles, estão enterrados no subsolo do polo Sul ou submersos nas profundezas do Mediterrâneo; outros estão cravados no deserto da Namíbia ou nos pampas argentinos. E parte deles ‘flutua’ no espaço.
Um dos 1,6 mil detectores do Laboratório Pierre Auger (Argentina), que estuda raios cósmicos
(Crédito: Pierre Auger Collaboration)
Este ano, com a detecção das ondas gravitacionais, abriu-se oficialmente uma nova era na física de astroparticulas: a chamada astronomia de multimensageiro, baseada na observação coordenada e na interpretação de diferentes ‘mensageiros’ cósmicos: radiação eletromagnética, ondas gravitacionais, neutrinos (partículas extremamente fugidias) e raios cósmicos.
Esses diferentes mensageiros são criados por processos astrofísicos distintos e, assim, revelam informações das mais variadas sobre suas fontes: buracos negros, corpos que sugam vorazmente luz e matéria; estrelas de nêutrons; supernovas, explosões de estrelas massivas ao final da vida; explosões de raios gama, conhecidas como os fenômenos mais energéticos da natureza; núcleos galácticos ativos e jatos relativísticos, provenientes de buracos negros.
Ou seja, uma ‘fauna’ de objetos e fenômenos cósmicos dos mais exóticos e fascinantes.
De onde? E como?
Estamos, agora, bem perto de resolver um mistério de grande interesse para a astrofísicas: ‘de onde vêm’ e ‘como são acelerados’ os raios cósmicos ultraenergéticos, cujas energias chegam a ser 100 mil vezes maior do que as criadas nas colisões do LHC – ou seja, a natureza ainda é o mais potente acelerador conhecido.
Nos próximo anos, esperamos ansiosos por novos resultados tão emocionantes no mundo da física das astropartículas quanto a recente detecção direta das ondas gravitacionais geradas pela colisão de duas estrelas de nêutrons. No topo dessa lista – além de esperados avanços observacionais no estudo de neutrinos, raios gama e raios cósmicos –, estão a observação da matéria escura e o entendimento da natureza dessa ainda misteriosa partícula, responsável por cerca de 25% da composição do universo.
O austríaco Victor Hess, embarcado em balão
(Crédito: Wikimedia Commons)
E pensar que toda essa jornada de conhecimento – que comemoramos neste 30 de novembro – começou há pouco mais de 100 anos, quando um físico, para entender um fenômeno aparentemente corriqueiro – conhecido então há séculos, como um misterioso tipo de ‘eletricidade do ar’ –, resolveu se aventurar em seu balão, a quilômetros do solo. Hoje, graças a ele e outros pioneiros, podemos alçar voos muitos mais altos, rumo ao confins do universo.
Ugo Giaccari
Pós-doutorando
CBPF
Mais informações:
ICD (inglês): https://icd.desy.de/
História dos raios cósmicos: http://www.scielo.br/pdf/rbef/v33n2/a18v33n2
Sobre César Lattes:
http://mesonpi.cat.cbpf.br/escola2015/downloads/material/Folder_LATTES.pdf
Laboratório Pierre Auger: https://www.auger.org/