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Buracos negros primordiais recebem breve comentário de um especialista do CBPF
A convite do Núcleo de Comunicação Social, Martín Makler, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), faz breve comentário sobre controvérsia recente baseada na existência (ou não) dos chamados buracos negros primitivos e a candidatura desses corpos ao posto de matéria escura.
A controvérsia em torno do BNPs
Buracos negros são objetos celestes tão compactos que sua gravidade não permite que nada saia deles, nem sequer a luz ‒ daí, seu nome. Esses corpos misteriosos foram propostos teoricamente como conseqüência da já centenária teoria da relatividade geral, do físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955).
Atualmente, existem inúmeras evidências, em vários fenômenos astronômicos, da existência desses objetos. As mais recentes são:
i) a detecção direta das ondas gravitacionais emitidas pela colisão e fusão desses objetos, feito realizado primeiramente pelos detectores LIGO (sigla, em inglês, para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser) ‒ rendendo aos líderes da equipe o prêmio Nobel de 2017 ‒ e, mais recentemente, em conjunto com o interferômetro Virgo;
ii) a imagem do anel de luz em torno de um buraco negro no centro de uma galáxia, revelada no início do ano passado.
Normalmente, acredita-se que todos os buracos negros são formados originalmente a partir da morte violenta de uma estrela, que explode na forma de uma supernova e cujo caroço torna-se tão compacto a ponto de virar um buraco negro. Apenas as estrelas muito mais ‘pesadas’ que o Sol têm esse fim. Buracos negros formados desse modo deveriam ter massas maiores que cinco vezes a massa de nossa estrela.
No entanto, existe outra possibilidade, proposta pelos físicos da então União Soviética Yakov Zel'dovich (1914-1987) e Igor Novikov, na década de 1960, e pelo físico britânico Stephen Hawking (1942-2018) na década seguinte: os buracos negros também poderiam ter sido formados em uma época muito remota da história do universo, quando este era extremamente quente e denso.
Estes últimos são os chamados buracos negros primordiais (BNPs). Esses objetos poderiam ter massas extremamente variadas, chegando a ser muito mais leves que o planeta Terra ou milhares de vezes mais pedados que o Sol ‒ ou mais.
Questões cruciais
Agora, duas questões cruciais: os BNPs poderiam ser detectados pelo LIGO/Virgo? Poderiam explicar a tão misteriosa e cobiçada matéria escura, que responde por cerca de um quarto da constituição do universo e cuja natureza ainda é desconhecida? As respostas para essas duas questões têm sido motivo de intenso debate na comunidade mundial de astrofísica.
A polêmica em torno desse tema ganhou momento quando o LIGO detectou, em abril passado, um evento de ondas gravitacionais batizado GW190425. Inicialmente, pensou-se tratar da colisão de duas estrelas de nêutrons. Porém, a massa desse binário de estrelas estava levemente acima da que se atribui a esses pares e, ao mesmo tempo, abaixo do esperado caso um dos objetos da colisão fosse um buraco negro de origem estelar (e não uma estrela de nêutrons).
Essa discrepância motivou o surgimento da hipótese de que se trataria, então, da colisão de dois BNPs ou um BNP e uma estrela de nêutrons. Outro fato que chamou a atenção: quando duas estrelas de nêutrons colidem, espera-se uma explosão descomunal observada por telescópios convencionais. Nesse caso, não se viu nada além da onda gravitacional, o que é consistente com um ou os dois objetos da colisão serem um buraco negro.
O LIGO deve publicar em breve artigo sobre o evento GW190425 no Astrophysical Journal Letters.
Matéria escura?
Até recentemente, cosmólogos acreditavam que os BNPs não poderiam formar a maior parte da matéria escura. De fato, os limites obtidos a partir de um efeito conhecido como microlenteamento (amplificação da luz de estrelas pelo campo gravitacional do buraco negro) excluem que a matéria escura possa estar sob a forma de objetos massivos ‒ caso todos estes tenham a mesma massa.
Mas os BNPs ‒ que teriam surgido de processos envolvendo diferenças de densidade no universo primordial ‒ poderiam cobrir um intervalo extremamente variado de massas. E há teóricos que acreditam que esses corpos podem ser abundantes no universo de hoje.
O cosmólogo Juan García-Bellido, da Universidade Autônoma de Madri (Espanha), defende que, se os BNPs tiverem realmente massas muito variadas, então, esses corpos não estariam descartados como candidatos a matéria escura. Na verdade, poderiam, sim, responder pela totalidade da matéria escura do universo.
Até agora, o LIGO detectou eventos que poderiam ser classificados como colisões entre estrelas de nêutrons (ou entre uma destas e um buraco negro) que não tiveram contrapartida óptica detectada ‒ o CBPF, por sinal, participou de algumas dessas buscas.
É preciso lembrar que um BNP nunca foi observado. Portanto, esses corpos são considerados um ‘último tipo de hipótese’ para explicar as discrepâncias de massa obtidas em detecções do LIGO. Antes de se aderir a uma explicação dessas, seria preciso descartar respostas mais plausíveis.
Enfim, a existência de BNPs e sua candidatura ao posto de matéria escura são assunto quente neste momento, mas ainda não conclusivo do ponto de vista observacional.
Martín Makler
Pesquisador titular
CBPF
Mais informações:
Scientific American: https://bit.ly/2thVw0v
Artigo Ligo GW190425: https://arxiv.org/abs/2001.01761