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Artigo de pesquisador do CBPF ganha destaque em periódico internacional
Destacado por um conceituado periódico internacional, artigo de um pesquisador brasileiro e um argentino se insere em uma longa tradição de os físicos desenvolverem seu próprio ferramental teórico matemático. Um dos autores do trabalho é do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ).
Os editores do Journal of Physics A: Mathematical and Theoretical (JPA) deram destaque aos resultados obtidos por Alfredo Ozorio de Almeida, pesquisador titular do CBPF, e Marcos Saraceno, do Departamento de Física Teórica da Comissão de Energia Nuclear, em Buenos Aires (Argentina).
Recentemente, Ozorio de Almeida e Saraceno receberam a notícia de que os editores do JPA selecionaram o artigo – cujo título é Representation of superoperators in double phase space (Representação de superoperadores em um espaço de fase duplo) –, para ser incluído na coletânea de destaques do JPA de 2016. “Seu artigo estará disponível para ser baixado gratuitamente no final de 2017”, escreveu Rebecca Gillan, editora executiva do periódico, publicado pelo IOP (Instituto de Física), cuja parte editorial, responsável por várias publicações científicas, é sediada em Bristol (Reino Unido).
Óculos escuros
Para entender em que situações a ferramenta matemática desenvolvida por Ozorio de Almeida e Saraceno pode ser aplicada, devemos nos voltar a um fenômeno pelo qual praticamente todo habitante de um país tropical já passou: usar óculos escuros em um dia ensolarado.
As ondas eletromagnéticas que formam a luz solar oscilam em todas as direções. Porém, essa ‘desorganização’ pode ser vencida se as fizermos atravessar as lentes de um bom par de óculos escuros. Ao fazer isso, essas ondas ficam polarizadas – termo técnico para dizer que as ondas passaram a vibrar em uma só direção (por exemplo, na vertical ou horizontal).
Os físicos classificam a luz solar como um sistema em estado misto, enquanto o conjunto de ondas polarizadas ganha outra nomenclatura: estado puro. Tanto para os teóricos quanto os experimentais, é importante saber como se deu essa transformação. Ou seja, que propriedades foram mantidas quando ondas (ou partículas subatômicas, por exemplo) trocam seu estado misto para puro, ou, em outras situações, quando haverá contaminação de um estado inicialmente puro por componentes espúrias. Há até uma grandeza que mede a ‘qualidade’ dessa metamorfose física: a pureza.
Teste de pureza
É justamente aqui que os resultados de Ozorio de Almeida e Saraceno entram em cena. O ferramental desenvolvido pela dupla de físicos teóricos discerne de forma fina o ‘grau de pureza’ de um sistema.
“Os resultados que obtivemos obedecem a relações que não eram conhecidas na matemática”, resumiu Ozorio de Almeida. “Derivamos uma multitude de propriedades matemáticas novas, intrínsecas ao estado puro na mecânica quântica. Elas poderão servir, por exemplo, para mostrar quais propriedades de um estado puro foram conservadas à medida que o sistema sofre uma evolução”, completou o pesquisador titular do CBPF. Entretanto – como sempre na matemática –, poderá haver usos que ainda não podemos nem imaginar.
É possível que esse novo ferramental tenha aplicações na área de informação quântica, na qual é essencial não só produzir sistemas em estado puro, mas – e tão importante quanto – medir sua pureza. Esse campo recente do conhecimento é aquele em que teóricos e experimentais, entre outras tarefas, buscam a construção de computadores extremamente velozes e a transmissão de informação de modo 100% seguro, à prova de hackers .
Tanto o computador quântico quanto a criptografia quântica já ganham contornos bem definidos de realidade em vários laboratórios do mundo.
Diagrama relacionado aos resultados de Ozorio de
Almeida e Saraceno que ilustrou capa do periódico
(Crédito: Saraceno e Ozorio de Almeida/JPA/IOP)
Clássicos versus quânticos
O conteúdo do artigo de Ozorio de Almeida e Saraceno tem a ver com uma ferramenta matemática desenvolvida por Eugene Wigner (1902-1995), que chegou a esse resultado no início da década de 1930. Esse físico húngaro criou um método matemático para representar o estado de uma entidade quântica (um elétron, por exemplo) como se fosse uma distribuição de probabilidade em um diagrama que os físicos denominam ‘espaço de fases’, no qual, em um eixo, está a posição e, no outro, a velocidade.
Cada ponto desse gráfico representa um estado (entenda-se, posição e velocidade) de um objeto ‘clássico’ (macroscópico), como aqueles que permeiam nosso cotidiano (uma pedra parada ou um carro em movimento, por exemplo).
No entanto, no microuniverso atômico e subatômico, a construção de Wigner se torna quase paradoxal. Motivo: não é possível saber, com boa margem de precisão, a velocidade e a posição de uma partícula simultaneamente. Quando se consegue medir uma dessas grandezas, a outra fica ‘borrada’, ou seja, com alto grau de incerteza.
Por essa razão, a função de Wigner nunca se concentra sobre um único ponto do espaço de fases, mas sim sobre uma região dele. Mais: essa distribuição de probabilidades pode até assumir valores negativos!
Longa tradição
Esse episódio da longa colaboração entre o físico teórico brasileiro e seu colega argentino se deu quase por acaso. Há alguns anos, certas relações matemáticas – ligadas às ideias de Wigner e outras complexidades intrínsecas ao mundo quântico – haviam chamado a atenção de Ozorio de Almeida, mas este, naquele momento, não se deu ao trabalho de desenvolver provas matemáticas robustas para elas.
No entanto, a surpresa veio quando, ao comunicar informalmente o tema ao colega argentino, este revelou já ter feito algumas daquelas demonstrações matemáticas necessárias, mesmo sem perceber o alcance desse trabalho. Assim, a colaboração entre ambos voltou a ganhar momento, e os resultados dessa nova cooperação apareceram como pré-print do CBPF em Notas de Física, ainda em setembro de 2015.
Físicos desenvolvendo o próprio ferramental matemático remete a uma longa tradição. O caso emblemático é Isaac Newton (1642-1727), que chegou ao cálculo diferencial e integral. Outros nomes nessa linhagem de físicos incluem o próprio Wigner, bem como o irlandês William Hamilton (1805-1865), para ficar em poucos exemplos.
“Ou seja, uma motivação puramente física, por vezes, pode levar a resultados fora da mira dos matemáticos”, resume Ozorio de Almeida.
Mais informações:
Artigo da JPA: http://iopscience.iop.org/article/10.1088/1751-8113/49/14/145302/meta
Notas de Física: http://cbpfindex.cbpf.br/publication_pdfs/versao_Leo.2015_09_24_15_04_49.pdf