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André Luiz Pinto (1971-2018): ciência, ética, rigor e doçura
Foi com profundo pesar que o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), comunicou, no último dia 28 de julho, o falecimento de André Luiz Pinto, tecnologista pleno desta instituição.
Engenheiro de formação, ex-major do Exército e doutor pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), André Pinto ‒ como era conhecido por amigos e colegas do CBPF ‒ foi um dos grandes especialistas brasileiros em microscopia eletrônica, sendo o responsável pela infraestrutura dessa área no Laboratório Multiusuário de Nanociência e Nanotecnologia (Labnano), do CBPF. Formou uma geração de pesquisadores nessa técnica no país.
O ‘Memorial’ a seguir traz depoimentos de amigos e colegas do CBPF, onde ele ingressou, por concurso, em 2009.
O tecnologista do CBPF André Luiz Pinto e o filho, Vinícius
(Crédito: Arquivo pessoal)
“E o que diria André Pinto?”
Conheci você em 2009, quando nos incorporamos ao CBPF. Eu, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro; você, do IME. Ambos com novos planos de carreira para atuar no recém-criado Labnano.
Você já com os pés ali dentro, participando do projeto desde sua gênese. Nós nos tornamos parte da mesma equipe. Aos poucos, fomos nos conhecendo e vendo surgir compatibilidades. Pudemos atuar na pós-graduação, sempre discutindo como melhorar nosso programa. Você um entusiasta da ética na pesquisa; eu aprendendo muito, novas formas de ensino, novos horizontes.
No campo pessoal, várias compatibilidades musicais, blues, rock, o mesmo entusiasmo pela ficção científica, pelo universo Star Wars , pelos seriados de Star Trek . Na literatura, sou um novato perto de você, e conheci vários autores e obras por meio de suas dicas.
“Difícil encontrar uma pessoa tão culta, tão erudita, tão simples, tão moderada, tão viva”
Foram apenas nove anos de convivência, caronas até à [rua] Pinheiro Machado, em dias de chuva; nossos almoços quase diários no ‘Delírio Tropical’; nossas discussões em grupo sobre política, futebol, artes, música, literatura; tudo isso nessas poucas horas de almoço e café.
Foram apenas nove anos, nos quais tive o privilégio de conviver diariamente com você. Difícil encontrar uma pessoa tão culta, tão erudita, tão simples, tão moderada, tão viva. Você vai fazer muita falta. Para o resto de nossas vidas, vamos guardar muitas lembranças desses curtos nove anos.
Aprendi muito com você, meu caro amigo André Pinto. E todos os dias daqui para frente sempre irei me perguntar, "E o que diria André Pinto?". Obrigado por tudo. Nosso universo precisa de pessoas como você.
João Paulo Sinnecker
Pesquisador titular
Coordenador do Programa de Pós-graduação
CBPF
André Pinto, com João Paulo Sinnecker (esq.), em Campinas (SP)
(Crédito: Arquivo pessoal)
Racionalidade e rigor
Perdi um amigo querido com a morte de André Pinto.
André ingressou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em 2009, e, nos últimos anos, participávamos dos seminários do Grupo de Nanomagnetismo, que ocorrem praticamente toda semana e reúnem professores e alunos do CBPF.
A atividade do André estava centrada no Laboratório Multiusuário de Nanociência e Nanotecnologia (Labnano), instalado no CBPF.
André tinha interesse em ética na ciência e deu muitas aulas e palestras sobre esse importante tema, dentro e fora de nossa instituição. Nunca participei de um trabalho conjunto com o André, mas, além das discussões nos seminários, tínhamos conversas sobre uma variedade de assuntos.
“Seus interlocutores precisavam de todo o cuidado para não ter seus argumentos contestados no mesmo instante em que eram expostos”
Minha convivência com ele deu-se principalmente nos almoços: ele era um frequentador assíduo do mesmo restaurante ao qual vou há anos. Foi nesses almoços que fui conhecendo o André: a agradável conversa com ele e outros colegas podia abordar uma larga faixa de temas, de assuntos mais próximos aos nossos trabalhos e à vida da instituição a questões sobre filosofia, ética, livros, viagens e política.
Além dos temas ligados à nossa vida profissional, a política volta e meia dominava nossa atenção ‒ especialmente, no atual período que o país atravessa. Aí, como em outras conversas, sobressaíam a racionalidade e o rigor com os quais o André tratava qualquer argumentação. Seus interlocutores precisavam de todo o cuidado para não ter seus argumentos contestados no mesmo instante em que eram expostos.
O amplo arco de temas sobre os quais ele falava com naturalidade, o prazer da conversa e o rigor na análise dos argumentos são fortes lembranças que carrego comigo do período em que tive o privilégio de sua companhia.
Alberto Passos Guimarães Filho
Pesquisador emérito
CBPF
André Pinto (camisa clara), com colegas e colaboradores do CBPF
(Crédito: Arquivo pessoal)
Firmeza e doçura
André graduou-se em engenharia metalúrgica pelo IME em 1992 e lá concluiu seu mestrado e doutorado em ciência dos materiais em 1998 e 2004, respectivamente. Naquela instituição, era responsável pelo Laboratório de Microscopia Eletrônica e docente do Programa de Pós-graduação em Ciência dos Materiais.
Em 2009, ingressou no CBPF por concurso público e, desde então, foi o responsável pelos laboratórios de microscopia eletrônica, infraestrutura integrante do Labnano. Trabalhava em diversas linhas de pesquisa, especialmente no controle microestrututural de ligas metálicas, atuando principalmente nos seguintes temas: microscopia eletrônica, textura cristalográfica, microtextura, metalurgia física de ligas metálicas, análise de falhas e ciência forense.
Nos últimos anos, sua principal linha pesquisa era a busca por processos que proporcionassem a obtenção de materiais metálicos nanoestruturados, assim como a compreensão do modo como essas estruturas nanométricas afetam suas propriedades.
“Suas posições firmes vinham sempre acompanhadas de uma doçura no trato com as pessoas”
Atuava também na área de instrumentação científica para microscopia eletrônica com ênfase em ensaios elétricos e mecânicos in situ no microscópio eletrônico de transmissão. Estava sempre pronto a aceitar novos desafios científicos e técnicos.
André era uma pessoa admirada pelos colegas por suas posições firmes em defesa de laboratórios abertos e pela ética na ciência, área em que trabalhava com grande dedicação. Suas posições firmes vinham sempre acompanhadas de uma doçura no trato com as pessoas. André participava ativamente da comunidade brasileira de microscopia eletrônica e microanálise, tendo sido presidente da Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM) no período 2014-2016.
André faleceu subitamente em 28 de julho, deixando viúva, filho, pais, colaboradores e amigos transtornados. Com sua morte, o Labnano pede um de seus pilares, pois André participou do laboratório desde a sua concepção.
Rubem Luís Sommer
Pesquisador titular
Coordenador do Labnano
CBPF
André Pinto, renomado especialista em microscopia eletrônica
(Crédito: Arquivo pessoal)
Valores éticos e morais sólidos
André era dessas pessoas discretas no trabalho, a qual você conhece mais pelos elogios de outros colegas em relação a suas atividades do que por uma imagem física. Ele tinha o poder da quietude, sem ser tímido ou introvertido.
Sua área principal de atuação, a microscopia, era bem distante da minha, mas tivemos diversos momentos de aproximação profissional ‒ em particular, pela enorme preocupação de André com as questões associadas à ética na ciência.
Entretanto, foi fora do ambiente profissional que pude interagir mais com André. O tênis, como esporte, era uma paixão compartilhada por nós. Pudemos desfrutar de várias manhãs nas quadras, antes de vir ao CBPF. Apesar de ele ser um jogador muito mais avançado do que eu, sua generosidade permitiu que jogássemos juntos em diversas ocasiões.
“Era cristalino o grande carinho que tinha pela esposa, Patrícia, e pelo filho, Vinícius”
Graças a essa aproximação, pude ter um contato maior com seu lado pessoal e observar como era um grande prazer para ele a vida em família. Era cristalino o grande carinho que tinha pela esposa, Patrícia, e pelo filho, Vinícius.
Também era nítida sua preocupação em passar valores e proporcionar experiências positivas para o filho. Pouco antes de sua passagem, André, a esposa e o filho tinham feito um passeio pelas cidades históricas de Minas Gerais, incluindo uma visita a Inhotim. Um dos motivos desse passeio era justamente permitir ao filho esse contato com a história, com a beleza da arte e, ao mesmo tempo, com a contemporaneidade.
Tenho certeza de que o prazer desse passeio ficará por muito tempo gravado na memória de Vinícius e Patrícia. Sintetizando, André era uma pessoa de valores éticos e morais muito sólidos que fará falta tanto em termos pessoais quanto institucionais.
Itzhak Roditi
Pesquisador titular
CBPF
André Pinto, tecnologista do CBPF, e sua mulher, Patrícia
(Crédito: Arquivo pessoal)