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40 anos de colaboração: a trajetória até a associação ao CERN
Em março de 2024 o Brasil se tornou Estado Membro Associado da Organização Europeia para Investigação Nuclear (CERN) – maior laboratório do mundo em pesquisas de física de partículas. Todavia, os resultados alcançados são produto de mais de quatro décadas de relacionamento entre cientistas brasileiros e o CERN.
Através dos relatos de pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Núcleo de Comunicação Social (NCS) do instituto caminhará pela linha do tempo dessa colaboração, descrevendo a interação entre seus atores.
Primeiros passos
A pesquisadora emérita do CBPF Anna Maria F. Endler, relata sua experiência no experimento NA22, do CERN.
“Comecei a trabalhar no CERN como colaboradora de uma experiência, levando o nome do CBPF, como laboratório participante, em 1982. Na ocasião foi enviada uma carta (anexo) do então diretor do CBPF, Roberto Lobo, para seu colega L. Montanet, do CERN. Pouco depois, Lobo e o então diretor do CERN, Herwig Schopper, assinariam acordo formal de cooperação.
A parceria envolveu universidades e institutos de física de países como: Alemanha, Bélgica, Holanda, Finlândia, Polônia, além do Brasil (representado pelo CBPF). ”
Segundo Endler, o trabalho utilizava o acelerador do CERN, Proton Synchrotron (PS), e como detetor usava câmera de bolha. “A tomada de dados da experiência foi colhida em junho de 1981 e 1982 e gravada em filmes. Eram tiradas fotografias das interações. Os filmes eram distribuídos por todos os laboratórios envolvidos, a física era feita, os eventos eram transformados, analisados como eventos no espaço e ali fazia-se a dinâmica, se procurava as melhores hipóteses da ocorrência da interação, e a partir daí, é que surgiam os assuntos físicos a serem estudados e cada grupo de laboratório escolhia um tema para desenvolver. ”
No Rio de Janeiro o grupo que Endler fazia parte escolheu o tema: “Difração e Dissociação”, rendendo a primeira publicação em 1986 – esse foi o primeiro trabalho publicado onde o CBPF aparece como laboratório participante da colaboração com o CERN. A partir daí, mais de 60 artigos alavancaram o CBPF como laboratório de interesse internacional.
Grupos de pesquisa
Em 1988, por iniciativa de Roberto Salmeron, um grupo de brasileiros foi ao CERN para trabalhar no experimento Detector with Lepton, Photon and Hadron Identification (DELPHI) do Large Electron-Positron collider (LEP) como membros do grupo português do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), de Lisboa. Anteriormente, já tinha físicos trabalhando no CERN de maneira individual, dentre eles Anna Maria Endler na parte experimental e vários teóricos que faziam visitas regulares, também estudantes que faziam suas teses de doutorado em diversos experimentos, como Marcia Begalli, Eduardo do Couto e Silva, e Renata Funchal.
“O grupo original, composto por Ronald Cintra Shellard (1948-2021), ex-diretor do CBPF, eu e engenheiros da COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) coordenados por Zieli Thome, aumentou rapidamente com a ida de estudantes e depois a incorporação do Instituto de Física da UFRJ. Quando o número de participantes adquiriu maiores proporções, ficamos no experimento como um grupo brasileiro independente de Portugal, porém continuando nossa colaboração e amizade até o presente”, relata Maria Elena Pol, pesquisadora aposentada do CBPF.
Pol ainda relata: “O trabalho nos experimentos era muito difícil de ser feito no Brasil até finais do século passado (o link era incrivelmente lento, não tinha web, não tinha vídeo conferência) o que fazia com que fosse necessário viajar frequentemente ao CERN e permanecer lá por longas temporadas. Afortunadamente existia um acordo CNPq-CERN que tinha sido implementado pelos físicos teóricos e que nos permitia viajar ao CERN por um máximo de dois meses por ano, além dos programas regulares de bolsas e auxílios de viagens”.
A participação brasileira no CERN aumentou consideravelmente com o planejamento e entrada em operação do Large Hadron Collider (LHC) e seus experimentos, tanto em número de pesquisadores como de instituições de vários estados do Brasil. Também foram contemplados diversos programas para estudantes, como a Escola do CERN para estudantes de língua portuguesa e os cursos de estudantes de verão para alunos de graduação.
Intercâmbio
Gilvan Augusto Alves, pesquisador do CBPF e atual presidente da Rede Nacional de Física de Altas Energias (Renafae), relata que a parceria dele e de seu grupo com o CERN começou em 2008.
“A gente tem vários projetos com o CERN, no âmbito do experimento Compact Muon Solenoid (CMS). Recebemos recentemente por empréstimo do CERN um sistema de aquisição que é de última geração para desenvolver um projeto de atualização de detetor do experimento CMS que foi tema da tese de doutorado do servidor Fabio Marujo. ”
Ignácio Alfonso de Bediaga e Hickman – pesquisador do CBPF e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Física de Altas Energias – CERN-Brasil, que dá suporte às atividades de grupos brasileiros nos quatro grandes experimentos do LHC; A Large Ion Collider Experiment (ALICE), A Toroidal LHC ApparatuS (ATLAS), CMS e Large Hadron Collider beauty (LHCb), todos localizados no CERN, avalia: “A adesão do Brasil a uma organização como o CERN pode facilitar o intercâmbio não só de tecnologias no campo científico mas também de conhecimentos especializados sobre como garantir recursos internos para a participação de cientistas em colaborações multinacionais”.
Atuação consolidada
O CBPF possui dois grupos atuando diretamente com experimentos do CERN: no âmbito do CMS, o grupo CMS-CBPF, composto pelos pesquisadores Gilvan Alves e Carsten Hensel, e o técnico Fábio Marujo; e no LHCb, o grupo de pesquisadores Jussara Miranda, Ignácio Bediaga, André Massafferri e Alberto Reis.
O CBPF participa desde 2008 na colaboração CMS no CERN, tendo desenvolvido durante esse tempo projetos em instrumentação científica, incluindo o sistema de aquisição de dados para o Calorímetro Frontal do experimento, além de diversas análises em física com teses de mestrado e doutorado defendidas no CBPF.
Na colaboração LHCb, os pesquisadores do CBPF participam do desenvolvimento das câmaras multifilares para detecção de múons, do desenvolvimento de eletrônica para leitura dos dados brutos vindos do detetor, do desenvolvimento de software para aquisição de dados, além de fazerem parte da GRID, uma rede mundial de computadores dedicados ao processamento de dados, além de muita física – trabalhando neste último, pelo CBPF, os técnicos Renato Santana, Eraldo Júnior, Jaime Paixão e Orlana Oliveira. O CBPF participou também, através do pesquisador André Massafferri, do desenvolvimento do novo detetor de trajetórias do LHCb - o 'SciFi', um sofisticado arranjo de fibras óticas que utiliza tecnologia bastante inovadora.
Expectativas
Ronald Cintra Shellard, então diretor do CBPF, disse em 2021: “A entrada do Brasil como membro associado vai significar mais regularidade e previsibilidade para os aportes de recursos para a ciência, isso vai ter impacto no desenvolvimento de instrumentação científica e na inovação".
Para a pesquisadora Maria Elena Pol, o acordo entre o Brasil e o CERN reveste-se de grande importância em diferentes aspectos. Os grupos de físicos de Altas Energias que participam dos experimentos do CERN serão beneficiados enquanto se abrem possibilidades de intervir nas decisões da política científica e também ter acesso aos programas de bolsas e contratos de pessoal científico e técnico reservados aos países membros e associados.
“A comunidade cientifica e tecnológica brasileira seguramente se verá muito beneficiada com a assinatura do acordo Brasil-CERN e outros setores da sociedade que receberão os benefícios decorrentes dele”, conclui Pol.
“Estamos muito satisfeitos em receber o Brasil como Estado Membro Associado. Nas últimas três décadas, os cientistas brasileiros contribuíram substancialmente para muitos projetos do CERN. Este acordo permite que o Brasil e o CERN fortaleçam ainda mais nossa colaboração, abrindo uma ampla gama de oportunidades novas e mutuamente benéficas em pesquisa fundamental, desenvolvimento tecnológico e inovação, e atividades de educação e treinamento”, disse Fabiola Gianotti, Diretora Geral do CERN em 2022.
Mais informações:
Rapidity dependence of negative and all-charged multiplicities in non-diffractive π+p and pp collisions at 250 GeV/c (Colaboração NA22 – 1986): https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0370269386910646?via%3Dihub
Cross sections and charged multiplicity distributions for π+ p,K + p andpp interactions at 250 GeV/c (Colaboração NA22 – 1986): https://link.springer.com/article/10.1007/BF01550769