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Governo apoia fim da exclusividade da Petrobras no pré-sal
Foto: Eduardo Aiache/ Casa Civil PR
Governo apoia fim da exclusividade da Petrobras no pré-sal
Por: Andrea Jubé, Bruno Peres e Daniel Rittner
O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, informa que o governo Michel Temer apoiará o projeto aprovado no Senado Federal que flexibiliza a exigência de ter a Petrobras como operadora única e obrigatória do pré-sal. "O momento exige do governo a máxima sensibilidade para trazer de volta e estimular as parcerias com o setor privado. Nesse caso, a atividade pode perfeitamente ser partilhada com o setor privado, sem excluir a preferência da Petrobras", afirma.
Padilha sinaliza também que, mesmo com a permanente queda do barril de petróleo no mercado internacional, não haverá redução do preço da gasolina: "Se a Petrobras está em situação delicadíssima [...], seria irresponsabilidade". Ele resiste, inclusive, ao argumento de que baixar o valor do combustível nas bombas abriria espaço para aumentar a Cide e elevar a arrecadação. "O Tesouro absorve, mas estrangula a Petrobras", justifica.
Responsável pela coordenação das atividades do governo, em todas as áreas, ele antecipa que os novos presidentes de bancos públicos podem ser anunciados nesta semana e diz que o maior acerto até agora foi a escolha da equipe econômica, que "toca de ouvido".
Após a primeira semana de governo, rica em mal entendidos das primeiras declarações de ministros sobre cortes nos programas sociais, coube a Eliseu Padilha, do núcleo mais próximo ao presidente interino Michel Temer, colocar um ponto final na discussão: "Muitos programas serão suspensos, é óbvio, se temos todo esse déficit. Mas não revogados!" Nem a suspensão para revisão atingirá os indispensáveis. "Precisaremos de gerenciamento, fazer mais com menos".
A entrevista exclusiva ao Valor foi concedida na sextafeira à noite no exato momento em que a equipe econômica anunciava o déficit de R$ 170,5 bilhões nas contas públicas, e abreviada porque o ministro saiu às pressas para alcançar voo para Porto Alegre. Em tempos de contenção de gastos, o chefe da Casa Civil manterá o hábito, que já cultivava na Secretaria de Aviação Civil, de mesmo com direito a aeronave da FAB entrar na fila do checkin e usar voos de carreira. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Quais foram os principais erros e acertos nestes primeiros dias de governo Temer?
Eliseu Padilha: Ainda estamos vivendo a fase de montagem do governo. É indiscutível que o presidente Michel Temer conseguiu montar uma equipe de excepcional qualificação na área financeira. Os dois ministros, o da Fazenda e o do Planejamento, têm singular competência. Eu já vivi, em participações anteriores no governo, disputas constantes entre esses dois ministérios. Agora essa dupla [Henrique Meirelles e Romero Jucá] toca de ouvido, joga rigorosamente junto. Não haver essa clássica dicotomia resolve 50% do problema. O [chanceler] José Serra também vai ajudar muito na área econômica. Acho que [a escolha dos presidentes do] Banco Central, BNDES, Petrobras e a equipe econômica como um todo foi um grande sucesso.
Valor: Falta anunciar os presidentes dos bancos públicos. Quando isso ocorrerá?
Padilha: Penso que nesta semana os anúncios sairão. O ministro Henrique Meirelles está fazendo sua seleção para decidir conjuntamente com o presidente Temer. No sistema financeiro, a grande conquista nossa é que não serão aceitas indicações políticas fora dos quadros de carreira. Isso vale para o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. Queremos garantir a qualificação dos agentes.
Valor: Podemos confirmar o exministro da Integração Nacional Gilberto Occhi na presidência da Caixa?
Padilha: Na negociação que o PP fez com o presidente Temer, foi trazido como sugestão para a presidência da Caixa o nome do exministro Occhi, que é servidor de carreira do banco. Ele preenche por inteiro os prérequisitos estabelecidos pelo novo governo.
Valor: O senhor fala de conquistas e avanços, mas a primeira semana de governo foi de declarações controversas de vários ministros.
Padilha: Para ser preciso, foram quatro declarações não traduzidas conforme o sentimento dos ministros. Eles pretendiam dizer uma coisa e acabaram sendo compreendidos de outra forma. Eu recebi a delegação do presidente de entrar em contato com eles e pedir que temas passíveis de dúvidas sejam discutidos previamente com a nossa Secretaria de Imprensa. "Poderemos falar, sim, em aumento de tributo, mas depois de demonstrarmos que fizemos o possível"
Valor: Uma dessas declarações foi sobre a suspensão do Minha Casa, Minha Vida. Depois o ministro das Cidades, Bruno Araújo, corrigiuse e falou em regras de transição. Afinal, haverá ou não suspensão de programas?
Padilha: Muitos programas serão suspensos, é óbvio. Se temos todo esse déficit...
Valor: Quais?
Padilha: O ministro Jucá vai adequar a disponibilidade [orçamentária] que existe hoje para vermos em que prazo honrar compromissos já assumidos. Novos compromissos, a não ser em áreas fundamentais, não poderão ser assumidos. Há centenas de programas. O que é missão clássica do Estado tem que ser mantido. Muitos deverão ser suspensos não revogados. Projetos iniciados e onde não se perde financeiramente com a paralisação, serão paralisados, não há hipótese [de mantêlos]. Não tem dinheiro.
Valor: Tem R$ 170,5 bilhões de déficit. Isso é herança maldita?
Padilha: Isso cabe à sociedade brasileira analisar, mas um déficit desse tamanho certamente é uma dificuldade. Quem realmente paga a conta, ao fim e ao cabo, sempre é o cidadão. De outra parte, isso nos dá a certeza de que serão compreendidas as medidas adotadas para caminharmos rumo à normalidade das contas públicas.
Valor: A população vai aceitar o ajuste fiscal?
Padilha: O ajuste fiscal não é diferente daquilo que acontece com cada chefe de família: devemos gastar aquilo que recebemos. O governo vem gastando mais do que recebe há vários anos. Agora chegamos a números que são o retrato de uma construção de três anos. Temos que dar um basta nisso e fazer ajustes, o que implica cortes. Precisaremos de gerenciamento otimizado, fazer mais com menos.
Valor: Tantos cortes não são um prato cheio para uma campanha do PT, em 2018, com base no discurso de que Temer destruiu tudo?
Padilha: Quem destrói é quem entrega um déficit de centenas de bilhões de reais, ou quem suspende um gasto que não seja indispensável para não aumentar ainda mais esse rombo? Quem destruiu foi quem entregou o déficit.
Valor: A exposição do déficit de R$ 170,5 bilhões pode fazer o governo defender aumento de impostos?
Padilha: Não. O presidente Michel Temer colocou como regra que poderemos falar, sim, em aumento de tributo, mas depois de demonstrarmos à sociedade que fizemos tudo que era possível no campo interno: reduzir o numero de ministérios, demitir, cortar o fluxo de programas, suspender a execução de alguns programas. Quando se trata de obra, aquela que está mais perto do fim deverá ser concluída. O grosso do investimento, do valor que terá que ser investido para que gere emprego, terá que vir do setor privado.
Valor: Dias antes da votação do impeachment pela Câmara dos Deputados, a Petrobras avaliava uma redução do preço da gasolina nas refinarias. A queda do barril no mercado internacional permitiria isso, mas a decisão não foi tomada por razões políticas. Agora o governo poderia reduzir?
Padilha: Quem primeiro deve falar sobre isso é o [novo presidente da Petrobras] Pedro Parente, mas vou apenas estabelecer o raciocínio mais elementar e lógico. Se o governo vai ter centenas de bilhões de déficit no Orçamento, me parece que não é o momento de abrir mão de receitas. E se a Petrobras está em situação delicadíssima, como está, não seria de bom alvitre neste momento, antes de o novo presidente ser empossado e conhecer a realidade numérica da companhia, seria irresponsabilidade de nossa parte se sinalizássemos qualquer redução do preço da gasolina.
Valor: Mas, reduzindo o preço da gasolina, abrese espaço para aumentar a Cide e o Tesouro absorver a diferença como arrecadação de tributos.
Padilha: O Tesouro absorve, mas estrangula a Petrobras.
Valor: Depois das medidas iniciais, como a revisão da meta fiscal e uma proposta de reforma da Previdência, o governo pretende rever marcos regulatórios? As regras para a exploração do présal, por exemplo, serão revisadas?
Padilha: Tudo aquilo que pudermos fazer em parceria com o setor privado, vamos fazer rapidamente. Em algumas áreas, o aperfeiçoamento institucional deverá ser bastante pequeno, porque as exigências são pequenas. Em outras, será um pouco maior e demora mais tempo. Mas o governo quer rapidez e precisamos dar uma resposta rápida. O governo pode ser indutor, mas não tem recursos para investir. Então tem que induzir o setor privado a ser parceiro para que possamos gerar emprego e renda. "Programas serão suspensos e novos compromissos, a não ser fundamentais, não ser assumidos"
Valor: Mais objetivamente: o governo vai apoiar o projeto aprovado pelo Senado de revisão de regime de partilha, em que a Petrobras deixou de ser a operadora única do pré-sal, para que essa prerrogativa se transformasse em preferência? Como se poderá avançar nessa discussão na Câmara?
Padilha: Sim, vai apoiar. O momento exige do governo a máxima sensibilidade para trazer de volta e estimular as parcerias com o setor privado. Neste caso, a atividade pode perfeitamente ser partilhada com o setor privado, sem excluir a preferência da Petrobras. Mas é possível partilhar com o setor privado. O governo vê a possibilidade de geração de emprego, renda e aumento da arrecadação privada. Vê nas outorgas uma fonte para minorar o grande déficit ora combatido.
Valor: O governo agilizará as concessões de projetos de infraestrutura?
Padilha: Temos projetos que podem dar início amanhã a novos investimentos. Há rodovias que já estão concedidas e hoje têm necessidade de duplicação. Elas rapidamente poderão ter seus contratos renovados mediante novos investimentos e com geração de milhares de empregos. Temos concessões de aeroportos que podem ser aceleradas. Precisamos de parcerias para viabilizar ferrovias. Se dependermos de recursos públicos, a logística não evoluirá.
Valor: Qual será o papel da Casa Civil nesse processo?
Padilha: Teremos a responsabilidade de elaborar um projeto ou aproveitar projetos já em tramitação para fazer com que as agências reguladoras sejam órgãos de Estado, não de governo. Elas precisam de mais profissionalismo, maior qualificação, porque o Estado é perene, e as concessões têm prazos de 20, 30, 40 anos. Se quisermos mudar politicamente a orientação das agências a cada quatro anos, ninguém vai fazer investimentos de longo prazo. A segurança jurídica é um dos elementos mais importantes para essas parcerias.
Valor: Como o governo pretende tratar a questão dos acordos de leniência?
Padilha: As premissas são transparência e eficiência. Teremos que melhorar o texto em tramitação no Congresso Nacional, possivelmente com a edição de uma nova medida provisória. O presidente determinou estudos no sentido de Ministério Público e Tribunal de Contas da União participarem desde logo do processo.
Valor: A tentativa de construir uma proposta de reforma da Previdência já enfrenta resistência dos trabalhadores. Como o governo pretende lidar com o assunto?
Padilha: Não serão prejudicados direitos adquiridos. Nós teremos que ver, sim, algum tipo de alteração para aqueles que já estão trabalhando e contribuindo. Uma coisa não fere a outra. Quem entrar hoje no mercado de trabalho se submeterá à nova regra. Para quem está contribuindo atualmente, é preciso uma transição.
Valor: Então será fixada uma idade mínima, mas com uma modulação?
Padilha: Exatamente. Haverá uma transição para aqueles que já estão no mercado. Quem tem 34 anos de serviço não terá a mesma incidência de quem tem um ano de contribuição. Essa regra de transição será construída pelas centrais sindicais e pelos representantes dos trabalhadores.
Valor: O tempo é curto. Há a Olimpíada e eleições municipais pela frente. Qual é o "timing" da reforma?
Padilha: Todos os agentes do grupo de trabalho vão apresentar suas propostas em oito dias. Vamos recolher tudo, montar um boneco e fazer, tópico por tópico, eliminações consentidas ou construídas pela maioria. Quando isso acontecer o presidente queria em 30 dias e as centrais queriam talvez uns 15 dias a mais o projeto será encaminhado ao Congresso Nacional. Não haverá dificuldade na aprovação porque foi construído coletivamente.
Valor: E a oposição?
Padilha: Oposição grita, mas é minoria. A maioria vota e governa. Esse jogo me agrada e eu sei fazer há muito tempo. O jogo da oposição é legítimo e necessário, força reflexões progressivas e constantes, mas ao fim e ao cabo a democracia é o regime da maioria.
Valor: Como vai ser a interlocução com os empresários?
Padilha: Vamos manter o Conselhão, mas o presidente tem mantido permanente diálogo com os empresários, eu tenho falado muito com os empresários, compareci a reuniões. E a gente nota um crescimento da esperança de que vamos caminhar rapidamente rumo à recuperação.
Valor: E o diálogo com os movimentos sociais? Sabemos que há uma resistência grande por parte deles ao novo governo.
Padilha: Eu distingo nos movimentos sociais duas categorias: aqueles que atuam como aparelhos partidários e aqueles que atuam em defesa da sociedade efetivamente. Não que ambos não sejam da sociedade, mas os objetivos são diversos. Movimento social autêntico quer busca, melhoria, crescimento do segmento que está sendo defendido. De outra parte, os movimentos sociais que são aparelhos partidários têm como preocupação a tomada do poder, passam a fazer luta política.
Valor: Como o governo atuará diante dessa distinção neste segmento?
Padilha: Eu compreendo [essa distinção], isso não acontece só no Brasil. Apenas não posso passar atestado de ingênuo. Tenho que dizer que vejo movimentações políticas sob o rótulo de movimento social. Mais: quando o presidente Temer afirmou que o lema de seu governo seria ordem e progresso, implicitamente ele disse que todos, inclusive os movimentos sociais, deverão, livremente, promover suas ações nos limites da lei e da ordem.
Valor: Qual a expectativa do governo com o julgamento definitivo do impeachment no Senado, previsto para início de setembro?
Padilha: No campo das hipóteses, é perfeitamente possível que a presidente possa voltar. Mas na minha visão, como alguém que acompanha as posições do Congresso há muitos anos, é muito difícil, dificílimo, que haja uma reversão dessa tendência do afastamento definitivo.