Dr. João Carlos Tavares da Silva
Área
Linguística e Literatura
Tese
Esquemas de imagem na formação de denominais em português: o caso de -eiro e -ário
Orientador
Carlos Alexandre Gonçalves
Programa
Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas) da UFRJ
Entrevista
Formado em letras – português/literatura – pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado (2013) e doutorado (2017) em língua portuguesa pela mesma instituição, trabalha como professor substituto de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da UFRJ e é professor do Curso de Língua Portuguesa e Linguística, do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj). Sua tese premiada trata de “Esquemas de imagem na formação de denominais em português: o caso de -eiro e –ário”.
De onde surgiu o interesse em trabalhar com o tema da sua tese?
No último ano da graduação, já estava pensando em que pesquisa gostaria de desenvolver no mestrado. Não queria continuar fazendo pesquisa sobre vogais médias, tema da minha iniciação cientifica, pois aquele objeto e aquela pesquisa não me motivavam mais. Insatisfeito com minha pesquisa à época, sentindo a necessidade de mudança e indeciso sobre o que propor para o meu pré-projeto de pesquisa para o mestrado, durante as aulas de semântica participei de um seminário onde meu grupo ficou responsável pelo tema “meronímia e holonímia”. Daí veio a luz.
E o que é meronímia e holonímia, poderia explicar brevemente?
Em linhas bem gerais, holonímia e meronímia são relações do tipo parte-todo, cuja paráfrase tem de respeitar o seguinte teste: “X é uma parte de Y”; “Y tem X”. Assim, para que haja relação de holonímia (todo) e meronímia (parte) entre duas palavras, é necessário que as duas asserções sejam satisfeitas, por exemplo, nos pares ‘tampa’ e ‘caixa’ (“A tampa é uma parte da caixa; a caixa tem uma tampa”), dentre tantos outros. Diz-se então que a ‘tampa’ é merônimo de ‘caixa’ e ‘caixa’ é holônimo de ‘tampa’.
Quando estava ampliando o número de exemplos para colocar na apresentação do seminário me veio à mente dois pares: ‘abacate’ - ‘abacateiro’ e ‘goiaba’ - goiabeira’. A partir desses dois exemplos tive um insight: o sufixo -eiro forma palavras que são holônimos em relação à palavra base (O abacate é parte do abacateiro; o abacateiro tem abacate). Durante a apresentação, a professora elogiou bastante o trabalho e disse que meu insight dava um bom trabalho de mestrado. Acolhi essa ideia, pois realmente perceber essa relação semântica em processos morfológicos me chamou bastante atenção e me instigou. Estava eu realmente motivado a tentar entender mais sobre aquele processo, se ele acontecia com outros sufixos além do -eiro e se acontecia com todas as palavras formadas por -eiro.
Como foi a orientação para o seu trabalho?
Conheci o professor Carlos Alexandre Gonçalves no 2° período, na disciplina Morfologia do Português. Ele logo se tornou um ídolo. Me identifiquei muito com a maneira como ele conduzia a aula e sempre e pensava: “é assim que eu quero dar aula”. Carlos sempre foi uma referência para mim. Quando eu me vi na iminência de prestar o processo seletivo para o mestrado e com um projeto em morfologia, não pensei duas vezes. Fui falar com o Carlos, apresentar meu projeto a ele e perguntar se ele aceitaria me orientar. Ele foi meu orientador tanto no mestrado quanto no doutorado.
E como foi o processo de formulação da tese?
Eu comecei tentando responder minimamente às minhas indagações. Como eu disse, se o fenômeno acontece também com outros sufixos além de -eiro e se isso acontecia com todas as palavras com –eiro. A partir daí, consegui montar o pré-projeto. Foram, basicamente, duas tarefas principais: coletar o maior número de dados possível e levantar uma bibliografia mínima sobre o assunto.
Ampliando o corpus e as leituras sobre o tema, percebi que havia algo muito mais amplo do que simplesmente as relações de meronímia e holonímia, e que a noção de esquemas de imagem, podia explicar todos esses dados e muitos outros de forma mais eficaz e condizente com o que os dados levantados estavam sugerindo. Constatei também que haviam autores que tratavam meronímia e holonímia como uma “família” de relações, desde as mais concretas e prototípicas como ‘volante’-‘carro’, até as mais abstratas como ‘pagar’-‘comprar’, em que ‘pagar’ é entendido como parte de um evento mais complexo que é comprar algo. Mas, no caso das palavras com -eiro, ainda havia um número considerável de dados que não se encaixavam na noção de meronímia como ‘sorvete’-‘sorveteiro’, ‘doce’-‘doceira’, ‘chave’-‘chaveiro’ dentre muitos outros.
Essa mudança de perspectiva demandava mais leituras e já não havia mais tempo hábil para isso. Eu não queria fazer um trabalho de má qualidade. Então conversei com o Carlos e propus deixar para desenvolver essa ideia dos esquemas de imagem na morfologia durante o doutorado.
Qual o impacto social da sua pesquisa?
Acredito que no âmbito acadêmico os pontos de maior impacto e relevância sejam a aplicação de conceitos basilares da Linguística Cognitiva, no caso os esquemas de imagem, a Morfologia Construcional, uma teoria ainda em formação. Outro ponto é a possibilidade de estender a análise a outros elementos morfológicos, como os sufixos -ada, -agem, -al e -aria. Isso é, inclusive, um dos desdobramentos da minha pesquisa. Também creio ser bastante relevante o uso do passado para descrever o presente e melhor entender as relações semânticas em processos morfológicos atuais. Tudo isso contribui para os avanços da pesquisa em morfologia na academia, sobretudo, na sua interface com a semântica. A semântica é uma área da linguagem, infelizmente, muito pouco estudada, principalmente aqui no Brasil.
O que representa receber o prêmio CAPES de tese?
O prêmio CAPES é para mim o ponto máximo do reconhecimento. Fiquei muito feliz quando recebi a notícia através do Carlos, ele soube primeiro. Receber essa notícia diretamente do meu orientador teve um valor muito especial para mim. Assim que ele desligou, liguei para todo mundo, para minha mãe, meu pai, tios, amigos...
Acho importante frisar que o prêmio CAPES, para mim, também representa a certeza de que nada se consegue sozinho. A meritocracia nos termos nos quais ela tem sido posta ultimamente é uma falácia... simplesmente não existe. É óbvio que eu me esforcei muito, que eu abri mão de muita coisa, mas eu não teria conseguido sem o suporte emocional e financeiro da minha família. Toda essa rede altamente complexa foi fundamental para que tudo culminasse no prêmio CAPES. Não posso deixar de citar o fato de que fui bolsista CAPES tanto no mestrado quanto no doutorado, o que também foi fundamental para o bom desempenho que tive nas minhas pesquisas.
Vídeo
(Brasília – Lucas Brandão para CCS/CAPES)
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