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Professor homenageado, Luiz Bevilacqua, fala da área Interdisciplinar
Ex-reitor da Universidade Federal do ABC, Bevilacqua foi secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia e presidente da Agência Espacial Brasileira, além de possuir uma história especial com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes): em 1999, como consultor da avaliação, Bevilacqua sugeriu à Fundação que criasse uma comissão para avaliar aqueles cursos que não se encaixavam na divisão tradicional de disciplinas. Surgia, então, o Comitê Multidisciplinar, hoje responsável pela grande área do conhecimento que mais cresce na Capes. Somente este ano mais de 200 propostas de novos cursos de pós-graduação interdisciplinares foram recebidas pela Capes.
1) O senhor foi responsável por sugerir a criação de um Comitê Multidisciplinar. De que maneira o senhor analisa o desenvolvimento da área?
Em 1999, havia a indicação de novos rumos para o conhecimento científico, o desenvolvimento de vários setores que não estavam dentro da divisão tradicional disciplinar. Começamos a observar que a ciência não poderia caminhar sem levar em conta esse tipo de produção de conhecimento.
Nesse contexto, considero fundamentais dois fatores: o aumento da capacidade de observação e da capacidade de cálculo, com a computação. A partir dessa associação surgiram diversas áreas que exploravam facetas do conhecimento que não estavam dentro apenas de uma disciplina. Então começamos a área multidisciplinar com interações no âmbito da engenharia, da matemática e das ciências exatas.
Hoje, vemos uma verdadeira explosão desse tipo de associação, avançamos para todos os espectros do conhecimento. Destaco uma delas, o estudo do meio ambiente, que acredito deva se tornar uma área própria do conhecimento muito em breve. E as ciências ambientais são, por natureza, interdisciplinares, devem juntar conhecimentos biológicos, econômicos, sociais, etc
2) Na época o senhor já previa esse grande desenvolvimento?
Tenho visto que as áreas disciplinares têm dificuldade de incorporar o conhecimento multidisciplinar. As áreas tradicionais começam a se fechar e assim o que vemos é uma sobrecarga nas áreas interdisciplinares. Vejo esse fato com muita preocupação, já que isso foi o inverso do que esperávamos há dez anos.
A expectativa quando criamos o Comitê Multidisciplinar era que nossa tarefa teria acabado em cinco anos. Pensávamos que as outras áreas disciplinares iriam incorporar o conhecimento interdisciplinar, mas não foi isso que aconteceu nos departamentos de pós-graduação.
Felizmente, muitos pesquisadores têm buscado trabalhar com esse novo viés. Gosto da imagem de que a ciência caminha com vários poços disciplinares, mas que possuem suas limitações. A interdisciplinaridade seria um túnel que comunica os poços tradicionais e permite outras e novas escavações. Dessas interações teremos novos arranjos disciplinares e daí sairá o conhecimento no futuro.
3) O arranjo deveria ser alterado, então?
O arranjo disciplinar é fruto da organização da universidade em departamentos, e para mim esse é um arranjo falido. A nova universidade deve sair dessas gavetas e se abrir. Talvez seja difícil conceber uma interação entre as disciplinas de todas as naturezas, mas podemos conceber grandes centros de pesquisa, que abarquem todas as ciências da natureza, ou todas as humanidades.
A parte das engenharias não deveria estar segmentada, deveríamos falar de engenharias, assim, no geral. Os estudantes não deveriam entrar na universidade já escolhendo profissões. São eles que devem escolher o próprio destino. Estamos numa era de avanço e de valorização do conhecimento, não podemos nos fechar, devemos é abrir, sem medo de arriscar. Está na hora de pensar a universidade com outra função.
4) O senhor participa como consultor da avaliação da Capes há mais de 20 anos. Como o senhor vê os rumos da Avaliação?
A avaliação da pós-graduação empreendida pela Capes avançou e melhorou muito. Há vinte anos fazíamos uma avaliação anual dos cursos, mas não se pode exigir uma produção ano a ano dos pesquisadores como máquina. Naquela época o foco era o mestrado, com produção mais curta e prazos menores. Hoje, nos centramos no doutorado, com um prazo produtivo mais demorado, mas mais aprofundado.
Nos anos 80, tínhamos uma meia dúzia de cursos e todo mundo se conhecia. Hoje o trabalho é enorme, o sistema cresceu muito e temos uma nova realidade. Por isso vejo com bons olhos a busca da Capes em adaptar a avaliação aos novos tempos. Acredito que devemos continuar dando mais peso a análise qualitativa. A opinião de consultores após visita presencial aos cursos deve ser cada vez mais importante, pois a visitação permite captar aspectos que algumas vezes escapam aos números.
A avaliação do conhecimento não pode ser baseada apenas em produtividade numérica. Às vezes uma pessoa que publicou apenas dois artigos em um ano consegue trazer mais avanços para o conhecimento científico do que uma pessoa que publica dez artigos por ano.
5) O senhor começou a carreira como engenheiro civil, estudou mecânica e matemática aplicada e hoje se ocupa do estudo de processos biológicos e dinâmicas populacionais. Além disso, já foi reitor e secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia. O senhor vê a sua carreira na ciência como uma experiência Multidisciplinar?
Eu sempre fui atraído por desafios, e muitas das coisas que me aconteceram foram fortuitas. Quando me formei não havia pós-graduação em engenharias no país. Na primeira oportunidade, fui me dedicar ao desafio do ensino e da pesquisa. Fiz um doutorado nos Estados Unidos e fui exposto à matemática aplicada que ampliou meus horizontes. Comecei a me dedicar à área da mecânica, onde me atraiam uma série de desafios.
Por uma série de circunstâncias, recentemente me foi solicitado o trabalho de modelagem de ecossistemas, o que me fez entrar em contato com biólogos. Posso até não ter uma produção tão extensa quanto aqueles cientistas que se focam em uma área por toda vida. Minha produção caminha ao passo que me dedico a diferentes aspectos do conhecimento. Sempre apostei na interação como o caminho correto da ciência.