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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Políticas afirmativas e diversidade: Poder que vem da Bahia
Mais de 80% da população baiana é autodeclarada preta ou parda, de acordo com dados do IBGE. Bolsistas da CAPES do Programa em Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Salvador (UCSal) estão entre essas pessoas. Eles protagonizam, pelo Programa de Desenvolvimento de Pós-Graduação – Políticas Afirmativas e Diversidade, da CAPES, pesquisas que abordam temas como justiça social, representatividade, reparação histórica e o mapeamento nacional da pós-graduação na área.
Venandra Ferreira Murici vem de uma família beneficiária do Cadastro Único do Governo Federal, destinado a pessoas de baixa renda. Sempre gostou de ler e escrever. Cresceu junto aos livros e conviveu com colegas pretos e pardos na escola pública. Ao entrar no ensino superior, no entanto, viu a presença negra rarear. O ambiente dominado por brancos e a falta de representatividade permearam a graduação. Mas o gosto pelos estudos continuou. E é aí que entra a ação da CAPES.
A pesquisadora investiga elementos como classe e regionalidade para fazer uma análise crítica sobre os desafios provenientes do racismo institucional nas universidades nas regiões Nordeste, onde há proporcionalmente mais negros na população, e Sudeste, que tem mais programas de Direito no País. “Com a hegemonia patriarcal branca, são perceptíveis as adversidades por que as mulheres negras passam, sendo identificadas como base da pirâmide devido à seletividade social que as materializa. Seja no âmbito de subserviência no trabalho, ou objetificação social ou, caso consigam alcançar a área jurídica, são constantemente questionadas sobre suas capacidades”, conta.
Por razões como essas, Gabriely Miranda Mendonça Santos, outra bolsista da CAPES do mesmo edital, demonstra que a representatividade importa. Ela vem do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Sempre sonhou em fazer mestrado, mas não vislumbrava exemplos entre familiares, amigos ou vizinhos, sequer na graduação. “Eu sou a primeira pessoa a me formar na minha família. Então, o meu tema do mestrado veio realmente como a resposta de uma ferida aberta”, reflete. A mestranda analisa os desafios para os negros em se manterem nos PPG em Direito nas regiões Norte, Nordeste e Sul.
Em pleno século 21, histórias de pioneirismo no ingresso em cursos de educação superior nas famílias de pessoas pretas não são exceção. Tainã Sousa foi a primeira entre os parentes a cursar uma especialização. Depois, participou do curso Obinrin – Mulheres de Axé, do Direito da UCSal. Trata-se de uma atividade de extensão, o componente do trinômio acadêmico – ensino/pesquisa/extensão – que conecta mais diretamente a academia com a sociedade.
Ao ver-se em um ambiente permeado pela intelectualidade de mulheres semelhantes a ela, sentiu-se confortável e segura para ingressar em um mestrado. A “cereja do bolo”, conta, foi o curso EtnoJus – Mirada Sensível à Equidade, também da UCSal, 100% ocupado por pessoas negras.
Faltava, porém, uma bolsa, que veio com o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento. Agora, a pesquisadora deseja retribuir à sociedade as oportunidades que teve e sonha em ver isso ocorrer em larga escala. “Busco soluções para o déficit de alunos no ambiente acadêmico, para o ingresso e a permanência nesses espaços, para serem futuros professores”, explica. O foco de Tainã são principalmente o Norte e o Nordeste brasileiros.
As mesmas regiões protagonizam a pesquisa de Oilda Rejane Silva Ferreira, que também passou pelo EtnoJus e, assim como Tainã, é mulher negra e tem o maior grau de escolaridade da família. A advogada se descreve como filha de pais aposentados, que não tiveram acesso ao ensino superior e que compreenderam que o principal legado para seus filhos seria a educação. “Meu projeto de pesquisa tem como objeto o estudo das ações afirmativas para discentes e docentes nas pós-graduações stricto sensu em direito, no Norte e no Nordeste, enquanto políticas de reparação, histórica e contemporânea”, explica.
Também sobre a representatividade negra é a pesquisa de Tiago Silva de Freitas. Aluno de instituições públicas desde a educação infantil até o doutorado, o hoje professor do PPG em Direito da UCSal conseguiu uma bolsa de pós-doutorado pelo Programa da CAPES. Ele cita o antigo líder e estadista sul-africano Nelson Mandela ao dizer que a “educação é a força de transformação mais potente que existe”.
“Tendo em conta o histórico elitista dos cursos de Direito, há situações, não raras, em que a presença negra é absolutamente inexistente, com a ressalva de que temos uma população majoritariamente formada por pessoas negras. Isso compromete, sobremaneira, o compromisso constitucional de edificação de uma sociedade mais justa e igualitária”, diz. Freitas pretende mapear a presença de pretos e pardos na pós-graduação stricto sensu na área do Direito, para “entregar ao poder público esses dados e, assim, as políticas públicas possam espelhar as nossas legítimas demandas”.
Conscientemente ou não, todos os bolsistas seguem os passos de Abdias Nascimento. O artista, político e ativista dos direitos humanos e, em especial, defensor das pessoas negras já propunha projetos de lei de ações afirmativas, que preferia chamar de ações compensatórias, 40 anos antes do ressurgimento do Programa, em 1983. Houve avanços, mas ainda há um caminho a percorrer para superar a herança dos 388 anos de escravidão no Brasil. Os bolsistas da CAPES podem ajudar a escrever essa história.
Dia da Consciência Negra
Vinte de novembro foi oficializado como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra em 2011, como uma forma de destacar a importância da cultura afro-brasileira e da luta antirracista. A data remete à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, uma das maiores comunidades do Brasil durante o período colonial e um dos símbolos de resistência contra a escravização no país. O dia passou a ser feriado nacional a partir de dezembro de 2023 com a sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Lei Nº 14.759 .
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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