Notícias
DIA DA MULHER
Pesquisadoras buscam superação da desigualdade na ciência
O Dia Internacional da Mulher é uma oportunidade para destacar o avanço da presença feminina em posições de liderança nos mais diferentes espaços da sociedade brasileira. Na pesquisa e na ciência não é diferente: cada vez mais mulheres coordenam projetos e lideram equipes de pesquisadores e bolsistas.
É o caso da professora Andrea Sousa Fontes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que teve recentemente um de seus projetos apoiado pelo Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) Emergências Climáticas . Engenheira civil, a pesquisadora conversou com a CAPES sobre o aumento do número de mulheres na pós-graduação, mas alerta: ainda há uma assimetria de gênero entre áreas do conhecimento.
1)
A senhora está na coordenação desse projeto PDPG – Emergências Climáticas, que envolve mais de uma universidade e mais de uma cidade. Quais são os desafios específicos de uma mulher na hora de coordenar um grupo de pesquisa?
A mulher vem conquistando esse espaço de forma exemplar. No meu entendimento, os desafios já foram maiores. Em alguns países ainda temos muito a conquistar, mas no Brasil o aumento da presença das mulheres na coordenação de pesquisas é visível. E é também dentro desse grupo que coordeno. As parcerias são com pesquisadoras que também coordenam outros grupos de pesquisa: a gente tem realmente conquistado espaço.
Entretanto, ainda se percebe que, apesar do crescimento de mulheres cientistas e das suas relevantes contribuições, a ciência ainda tem uma diferença em termos de presença de mulheres na liderança. Por todas as questões históricas e tradicionais, ainda temos ambientes que reproduzem o aprendizado social voltado à presença do homem, em que o espaço de decisão, comando e conhecimento sempre é priorizado, e dada credibilidade, à presença masculina.
Principalmente na área de exatas, nas engenharias, é isso. A mulher precisa estar constantemente provando sua competência, sobrepondo a cultura que aceita e dá mais credibilidade ao discurso e atuação masculina. Isso está refletido, inclusive, no maior número de citações de autores masculinos. Quando a gente vê as pesquisas que feitas a partir do olhar de gênero, verifica-se, ainda, uma maior citação de autores homens nessas áreas.
Então a gente tem que continuar conquistando esses espaços, aproveitando e gerando oportunidades para novas pesquisadoras, mostrar toda a contribuição que as mulheres vêm dando. A gente tem milhares de mulheres que são inspirações. É preciso mostrar isso para, assim, ir mudando esse aprendizado social enraizado, de que homens são mais capazes em determinadas áreas da ciência.
2)
Hoje em dia, as mulheres já são maioria na pós-graduação brasileira. Existe, contudo, uma assimetria entre as áreas. Por que essa desigualdade se vê mais presente nas chamadas
hard sciences
?
É porque para a mulher é exigido, culturalmente, desempenhar vários papéis dentro da sociedade, sempre num tom de comparação e cobrança. Assim, de um modo geral, a educação da mulher não é voltada para esse espaço da ciência. A ela vão sendo exigidas outras responsabilidades. A educação de várias meninas não passa, assim, por esse incentivo.
Você pode observar isso quando uma mulher se destaca na ciência: tem sempre o discurso motivador, parabenizando que a mulher sim, é cientista. E isso é muito importante. A gente está num momento em que a gente precisa declarar sempre, dar exemplos para inspirar outras mulheres, dizer que estamos em destaque na ciência. Essa questão mesmo, de que somos maioria nas pós-graduações, é importante para motivar toda essa questão da igualdade, mas eu torço para um momento em que a sociedade vai achar normal que mulheres e homens se destaquem e que essa luta não precise ser tão declarada.
3)
Poderia comentar um pouco da sua trajetória como cientista? Quais as realizações das quais se orgulha?
Eu sou engenheira civil de formação, com mestrado na área de recursos hídricos. Desde então trabalho com a parte de águas, tanto disponibilidade quanto infraestrutura hídrica. Tenho doutorado em geofísica e hoje estou como professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tudo trabalhando com ênfase em recursos hídricos.
Mas quando você fala assim, do que me trouxe gratificação e orgulho, devo dizer que considero como minhas realizações mais gratificantes minha trajetória como professora, fazendo pesquisa junto com alunas e alunos que hoje estão no mercado de trabalho, na Academia, multiplicando o conhecimento e a ciência.
Além de, claro, ser preciso enfatizar o desafio com a maternidade: tenho duas filhas. São muitas as responsabilidades em tentar representar os anseios das mulheres no contexto da ciência.
4)
A senhora poderia dar detalhes sobre o projeto que coordena no Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) Emergências Climáticas?
Esse projeto teve início em janeiro deste ano com a implementação das bolsas da CAPES. A motivação foi a situação de emergência ocorrida no sul da Bahia no final do ano de 2021, quando a população sofreu danos sociais e ambientais por ocorrência de uma chuva extrema. As fortes chuvas de dezembro de 2021 causaram mortes e milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas. Esse tipo de evento temos observado no Brasil como um todo e não é uma especificidade do Estado da Bahia.
O grupo de pesquisa aqui da UFBA identificou a necessidade de conhecer esses eventos e seus impactos, buscando dados de chuva da região e verificamos que a disponibilidade é deficiente no sul da Bahia, em termos de estabelecer os riscos de ocorrência desses eventos extremos, assim como identificar os impactos associados a determinados índices de chuva.
Então, por isso, elaboramos o projeto, que tem como objetivo definir eventos climáticos de potencial desastre em cenários vulneráveis e criar estratégias para prevenção e mitigação dos danos de enchentes no sul da Bahia. Especificamente, vamos trabalhar com uma metodologia com base no sensoriamento remoto e projeções climáticas por meio de relatórios disponibilizados, incorporando mapas de risco e comprometimento de infraestrutura urbana para que a gente consiga dar um retorno à sociedade e à população local.
O destaque desse projeto é trabalhar, então, com esses dados de satélites para reforçar a informação disponível sobre as chuvas da região. E mapear áreas de riscos de prejuízos para fornecer a população local e gestores subsídios para adaptação urbana frente a essas ocorrências.
O projeto tem como foco os municípios de Ilhéus e Itabuna e conta também com a participação de pesquisadoras e pesquisadores da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). É um projeto construído em rede. Temos participação de pesquisadoras e pesquisadores espalhados pelo estado da Bahia e claro, com apoio imprescindível da CAPES para bolsas de pesquisa de pós-doutorado, doutorado e mestrado.
Hoje estamos com nossos bolsistas trabalhando, já pensando nas publicações, nas contribuições para esse tema e para a ciência. Para esse ano, estamos com três bolsistas: uma pós-doc, uma de doutorado, uma de mestrado, todos iniciando as pesquisas agora, nesse início de 2023.
5)
Nesse início de 2023, vivemos mais uma tragédia no Brasil relacionada às chuvas. Qual a importância da integração entre ciência e políticas públicas nesse tema específico?
É essencial a ciência exatamente para compreender o processo. A gente só consegue intervir, fazer política pública, se a gente entender os processos. Nesse caso, está se adaptando as cidades ou alguma região a essas emergências climáticas, ou identificando áreas de risco. Se não houver entendimento do processo, a ocupação da área urbana pode ser desordenada e colocar em risco a população. Então, a junção entre a ciência e o conhecimento com a política pública tem que ser priorizada.
Como é que um gestor público toma a decisão sobre uma determinada área: se vai permitir a ocupação ou se vai fazer uma determinada intervenção de infraestrutura urbana, sem ter o conhecimento, sem ter a ciência respaldando? Então, a ciência é primordial. A gente vem de vários acontecimentos no País onde percebemos que tomar decisões em cima só de aspectos burocráticos ou políticos não dão resultado. A gente tem que ir atrás exatamente da ciência.
6)
Qual a importância, nesse processo, da pesquisa e das mulheres cientistas da CAPES e de todas as agências de fomento?
A importância é incalculável porque promove o incentivo e a participação da capacitação da mulher na ciência. A gente precisa desse incentivo, pois, como disse anteriormente, a mulher é cobrada a exercer outros papéis. Então é preciso incentivar através do fomento, da disponibilização de bolsas, para que ela esteja dedicada a promover ciência. Porque competência temos, e muita.
Esse projeto que coordeno com bolsas da CAPES possibilitou o trabalho de três pesquisadores, sendo duas mulheres, e com certeza vai inspirar outras mulheres para participar, ver como é possível desenvolver ciência. Então, o que eu posso dizer é um muito obrigado à CAPES! Por essa oportunidade de trabalhar nesse projeto e, com certeza, agregar mulheres, fortalecer e promover nessa produção em ciência.
Legenda das imagens:
Banner:
Imagem ilustrativa
(Foto: iStock
)
Imagem dentro da matéria: Andrea Sousa Fontes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
(Foto: Arquivo pessoal
)
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura CGCOM/CAPES