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Pesquisadora extrai hidrogênio do esgoto
Doutora em Engenharia Ambiental pela University of Colorado Boulder, EUA, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fernanda Leite Lobo é graduada em Engenharia Elétrica pela Universidade do Estado do Amazonas e em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Amazonas. Atualmente trabalha no Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará, pesquisando nas áreas de energias renováveis, tratamento de esgoto, relação entre parâmetros elétricos e a atividade de bactérias eletroativas, reaproveitamento de energia e nutrientes no tratamento de esgoto, biocarvão e eletrocoagulação.
Você teve artigo publicado na Revista Energy & Environmental Science sobre produção de hidrogênio a partir de esgoto. Explique como isto acontece.
Sou natural do Amazonas, onde, em região ribeirinhas, não há tratamento sanitário de esgoto e existe apenas uma reduzida rede de energia elétrica. Por isso, sempre me interessei em como descobrir fontes de energias renováveis para poder ajudar populações desassistidas tanto por esgoto quanto por energia. Minha trajetória dupla em Engenharia Civil e Engenharia Elétrica me abriu a oportunidade de pular da graduação para o doutorado em Engenharia Ambiental nos Estados Unidos, com financiamento da CAPES. Foi lá que, entre 2014 e 2018, participei de um grupo de pesquisa excelente e conseguimos trabalhar em um método que usa bactérias que se alimentam de matéria orgânica de esgoto para gerar, em seu processo de respiração, elétrons. Isso é o que possibilita a geração de energia renovável de maneira simples de um modo natural.
E como esta produção de elétrons acaba virando hidrogênio?
A partir de uma tecnologia bioeletroquímica, ainda recente no meio acadêmico. Partimos do princípio de que a energia química da matéria orgânica do esgoto pode produzir elétrons e que estes podem ser manipulados para gerar corrente elétrica contínua e criar determinadas reações químicas. São essas reações que possibilitam a criação do hidrogênio. Essa tecnologia funciona com uma célula combustível microbiana, capaz de transformar a energia química presente no esgoto em corrente elétrica. Trata-se de um modelo simples: um cubo de acrílico com dois eletrodos (um ânodo e um cátodo, algo como os lados positivo e negativo de uma pilha). Os elétrons que vão de um eletrodo a outro são coletados e utilizados, por meio de um sistema de controle de energia, na geração da voltagem necessária para produzir o hidrogênio.
Como o estudo foi feito?
O estudo, realizado inicialmente para gerar evidência de que a tecnologia pode ser aplicada, foi realizado nos laboratórios norte-americanos em uma escala ainda pequena. A ideia, porém, é que a pesquisa possa viabilizar uma nova forma de ver o tratamento de esgoto, já que estaria atrelado à produção de uma energia com grande potencial de mercado. A aplicação da metodologia em uma escala maior depende ainda de diversos estudos, mas significaria unir a política de saneamento a um processo capaz de resultar em uma nova fonte de matriz energética, em um modelo sustentável.
Como transformar a produção do hidrogênio em um produto comercial?
O hidrogênio é um combustível limpo, que, quando usado na célula combustível, não produz gás de efeito estufa. É silencioso, de grande densidade energética, então o valor comercial é muito acima de qualquer outro gás que a gente esteja produzindo como combustível.
Quando será possível termos esta nova forma de energia em grande escala?
O trabalho ainda está restrito apenas ao universo laboratorial. Aqui no Brasil, pelo meu conhecimento, apenas eu e outro professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) estamos trabalhando com esta tecnologia. Estamos, entretanto, entrando num universo internacional de desenvolvimento desta tecnologia e queremos caminhar para viabilizar logo esta nova forma de energia. Sabemos que a transformação de um processo assim pode levar até 20 anos para se tornar viável economicamente. Mas há startups estrangeiras que conseguem viabilizar tecnologias em um período de 8 a 10 anos.
Em que etapa de desenvolvimento da tecnologia vocês estão?
No início dos trabalhos, a gente tinha células de energia de 28 mililitros. Bem pequeninhas. Começamos a aumentar estas células para transformá-las em reatores maiores. Numa das minhas últimas experiências, eu consegui chegar a um volume de 5 litros. Aumentar a célula de tamanho é difícil porque os eletrodos têm que estar bem próximos uns dos outros. Nossa ideia é criar módulos, com placas onde eletrodos ficam bem juntinhos, e possam ser conectados em série ou em paralelo. Como se faz com célula combustível comum. E é essa é a ideia para fazer a tecnologia ganhar capacidade.
Existem outras possibilidades de aplicação desta tecnologia?
Sim. Na verdade, essa tecnologia tem múltiplas possibilidades de aplicação. Ela pode ser usada para se fazer dessalinização, biorremediação, recuperação dos próprios nutrientes do esgoto, captura de CO2, produção de metano, produção de químicos etc. A capacidade de utilização é muito abrangente. Eu digo, às vezes, que é como se a gente estivesse brincando com os elétrons produzidos, porque toda reação química de redução e oxidação a gente consegue trabalhar dentro de célula eletroquímica.
Até onde vocês acham que podem chegar com esta tecnologia?
Queremos chegar em um patamar em que possamos tratar o esgoto de uma cidade, ou dessalinizar água para uma comunidade. Não chegamos lá ainda. Estamos caminhando.
Qual o principal obstáculo? Custo ou tecnologia?
É custo, primeiro, porque a gente usa eletrodos e a gente tem que pensar como fazer eles ficarem cada vez mais baratos. Tem gente pensando nisso. Talvez imprimir eletrodos em impressoras 3D, usando vários materiais mais baratos. Há muita gente pesquisando isso. Além disso, precisamos descobrir como integrar essa tecnologia em sistemas já existentes. Por exemplo. Se já existe uma estação de tratamento de esgoto em uma cidade, a gente poderá colocar essa célula combustível microbiana dentro deles.
Qual a importância do apoio da CAPES?
Sem dúvida, todo suporte dado pela CAPES foi fundamental para que eu pudesse realizar pesquisa num dos maiores centros de ciência dos Estados Unidos e pudesse estar junto com alguns dos melhores pesquisadores do mundo nesta área. Além disso, possibilitou que eu reunisse meus conhecimentos em Engenharia Civil e Engenharia Elétrica com a Engenharia Ambiental, investigando uma área de conhecimento para aplicação de uma tecnologia ainda inédita no mundo.
(Brasília – Redação CCS/CAPES)
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