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PRÊMIO CAPES DE TESE
Pesquisador estudou sobre populismo e ameaça à democracia
A natureza e as consequências do populismo para o processo democrático brasileiro foram o objeto de pesquisa de Gustavo Venturelli, vencedor do Prêmio CAPES de Tese 2024 na área de Ciência Política e Relações Internacionais. Para desenvolver o trabalho ‘Das Promessas Populistas às Ameaças Democráticas: Trajetória Política do Brasil’ o cientista analisou os discursos de três presidentes desde 1988: Collor, Lula e Bolsonaro.
Fale da sua trajetória acadêmica, da graduação ao doutorado.
Fiz minha graduação e mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis. Durantes a graduação em Ciências Sociais, estive vinculado por dois anos ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da CAPES, voltado ao ensino de Sociologia no Ensino Médio. Nos dois últimos anos, recebi bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como pesquisador iniciante, montei um banco de dados sobre o Orçamento Participativo.
Durante o mestrado em Sociologia Política, recebi bolsa da CAPES e meu objeto de pesquisa abordou estudos do Legislativo e relações Executivo-Legislativo. No doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), interessado nas crises da democracia, decidi estudar Jair Bolsonaro – ainda pré-candidato – através das lentes do populismo. Nesse período, recebi bolsa CNPq e fui contemplado pela PrInt CAPES, através da qual visitei a New School for Social Research, supervisionado pelo professor David Plotke.
Em Nova York, fui professor substituto na Yeshiva University, e professor visitante na Skidmore College, em Saratoga Springs. Atualmente resido em Budapeste, onde tenho uma bolsa de pesquisador pós-doutorado no Democracy Institute da Central European Unviersity.
Sobre o que é a sua pesquisa? Explique de forma mais detalhada o conteúdo da sua tese.
É sobre populismo, discutindo sua natureza e consequências. O primeiro capítulo discute os avanços e limitações das principais abordagens contemporâneas do populismo e oferece uma defesa de uma concepção mínima, abraçando de forma crítica a definição proposta pela abordagem ideacional. Na sequência, analiso os discursos dos três presidentes alegadamente populistas desde 1988: Collor, Lula e Bolsonaro. Quantitativamente, eu mostro como o nível de populismo varia ao longo do tempo, e que Bolsonaro é o presidente que mais fez uso de apelos populistas, seguido por Collor, e então Lula.
Já no terceiro capítulo, mostro como o populismo é restrito aos extremos do espectro ideológico nos partidos brasileiros. O uso de ideias populistas é quase que restrito à esquerda radical (PSTU, PCO, PCB e PSOL), mas em 2018, depois da Lava Jato e a emergência de Jair Bolsonaro, outros partidos – incluindo tradicionais – fizeram uso de ideias populistas, ainda que em níveis irrisórios. Assim, a pesquisa traz dados que nos permitem especular sobre duas expectativas teóricas: primeiro, que o populismo pode ser contagioso, uma vez que vários partidos passam a usar esse tipo de apelo quando uma liderança populista emerge competitiva. Segunda, o argumento de que o uso de ideias populistas é mais frequentes em cenários de crise política.
O último capítulo tenta estabelecer uma relação entre o populismo e a queda da qualidade da democracia. Uso métodos de inferência causal para comparar o Brasil com um Brasil artificial, onde Jair Bolsonaro não foi eleito em 2018. A hipótese é que a eleição de uma liderança populista é a causa do retrocesso democrático. Entretanto, os dados sugerem que algo aconteceu antes da chegada de Bolsonaro ao poder. Assim, crio um segundo modelo, usando o impeachment como variável de interesse. Tal hipótese se fundamenta na discussão sobre o mau uso deste mecanismo para remover presidentes impopulares.
O que você destaca de mais relevante na sua pesquisa?
A pesquisa traz duas coisas essenciais. Primeiro, desafia um dos argumentos centrais da literatura sobre populismo na América Latina, qual seja, o de que o populismo nesta região se trata somente de lideranças políticas. Demonstro que partidos também fazem apelo populistas em seus programas de governo e que alguns o fazem em altos níveis, incluindo apelos antidemocráticos.
A segunda contribuição é o último capítulo. Ao contrário do que grande parte da literatura defende, argumento que Bolsonaro, apesar de ter contribuído para o processo de erosão democrática, não é a causa deste processo. As evidências resultantes de aplicações econométricas de inferência causal sugerem que a democracia brasileira estaria mais saudável não fosse o impeachment de Dilma Rousseff. Ainda que tais eventos sejam multicausais, o efeito do impeachment no declínio democrático brasileiro é enorme.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
Primeiro, sabemos que o termo “populismo” e “populista” está na boca do povo, na mídia, em tudo que é lado. Geralmente, é usado como adjetivo pejorativo. Porém, o populismo é mais do que isso, é um tipo de discurso maniqueísta que divide a sociedade entre um povo bom e uma elite má. Ele gera polarização, o que é ruim desde o nível da convivência em família e entre amigos ao nível da política institucional – onde pode se tornar uma ameaça à democracia. Nesse sentido, uma primeira contribuição é informar o público sobre o que é o populismo – e o que não é.
Segundo, ao informar o que é o populismo e como populistas agem, a tese ajuda a reconhecê-los. Apesar de não serem necessariamente uma ameaça à democracia, a maioria dos populistas que chega ao poder é sucedida por uma queda nos níveis de democracia.
Finalmente, a tese também mostra como o impeachment, apesar de um mecanismo essencial em sistemas de governo com mandatos fixos, como os presidencialistas, deveria ser usado somente em situações extremas. A literatura aponta que o mau uso do processo -quando é parcial e corresponde a uma perseguição ao incumbente – traz consequências drásticas à democracia.
Qual a importância para você de sua tese ter sido escolhida a melhor na área?
Acredito que todo acadêmico sabe que a trajetória da graduação ao doutorado é árdua. São muitas crises de impostor, incertezas, inseguranças e uma necessidade urgente de se estar atento à saúde mental. O prêmio vem como um reconhecimento de anos de estudo e, apesar de não acabar com a insegurança, ao menos a mitiga.
Foi bolsista da CAPES? Se sim, de que forma a bolsa contribui para sua formação?
Sim, fui bolsista da CAPES durante parte da minha graduação (Pibid) e ao longo de meu mestrado. A bolsa possibilitou a dedicação exclusiva à pesquisa durante o mestrado, o que foi muito importante para minha trajetória acadêmica. Assim, a bolsa é incrivelmente útil e de grande ajuda.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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