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Pesquisa estuda sistemas olfativo e gustativo dos insetos
João Victor Teixeira Gomes é graduado em Farmácia e mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, no doutorado no Departamento de Farmacologia da Yale School of Medicine, o bolsista estuda unidades moleculares dos sistemas olfativos e gustativos de animais, com o apoio do Programa CAPES-Yale.
Fale sobre sua trajetória acadêmica.
Ingressei no curso de Farmácia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no segundo semestre de 2011. Em 2015, fiz parte da última turma do Ciência sem Fronteiras, onde tive a oportunidade de passar um ano cursando Pharmaceutical Sciences (Ciências Farmacêuticas) na Trinity College Dublin, Irlanda. Ao final do ano letivo, fiz um estágio de pesquisa no laboratório da Dra. Anne-Marie Healy, analisando as propriedades físico-químicas de fármacos cristalizados que culminou na minha primeira publicação científica.
Após regressar ao Brasil e concluir minha graduação em 2018, iniciei meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas na UFRJ no Laboratório de Planejamento Farmacêutico e Simulação Computacional liderado pela Dra. Bianca A. M. Correa Santos e o Dr. Murilo Lamim Bello. Durante meu Mestrado, demonstrei como utilizar métodos computacionais no desenvolvimento de novos e mais eficazes filtros solares orgânicos.
Em 2020, apliquei e fui um dos selecionados para o segundo edital do Programa CAPES-Yale de Doutorado em Ciências Biomédicas e iniciei meu doutorado em janeiro de 2021. Atualmente, estou no meu quarto ano de doutorado no laboratório do Dr. Joel Butterwick no Departamento de Farmacologia na Yale School of Medicine.
Sobre o que trata a sua pesquisa?
Pouco se sabe de como o olfato e o paladar funcionam a nível molecular. No Butterwick Lab estudamos receptores olfativos e gustativos de animais e o meu projeto foca numa classe especial de receptor de açúcar em insetos.
Açúcares (ou carboidratos) são a principal forma de energia para todos os seres vivos no planeta. Contudo, mamíferos e insetos desenvolveram diferentes formas para detectar essas moléculas no alimento. Insetos possuem receptores gustativos (gustatory receptors – GRs) que são canais iônicos ativados por moléculas de açúcar. Dentre esses receptores, uma classe se destaca por ser muito conservada em praticamente todas as espécies de insetos que detectam apenas o monossacarídeo de frutose. Além disso, essas proteínas são expressas em órgãos internos, incluindo o cérebro, atuando como um sensor interno de nutrição e saciedade nos insetos.
Meu projeto investiga o receptor de frutose do bicho-de-seda (Bombyx mori) para entender como funciona sua especificidade, especialmente considerando o quanto as moléculas de açúcar são parecidas entre si.
O que você destacaria de mais relevante na sua pesquisa?
As estruturas reveladas aqui estão dentre as primeiras que mostram receptores gustativos ligados a moléculas de açúcar em qualquer espécie. Assim, este trabalho pode ser um ponto de partida para entendermos melhor como animais, incluindo nós humanos, evoluímos diferentes formas para detectar nosso alimento favorito no ambiente. Além disso, vale destacar que foi interessante observar como o arranjo espacial de grupamentos químicos de açúcares pode ser um código de ativação extremamente específico, mesmo considerando moléculas praticamente idênticas, como a frutose e a sorbose.
Em março deste ano publicamos toda esta história em uma das mais renomadas revistas científicas do planeta, a Nature (https://www.nature.com/articles/s41586-024-07255-w), sendo o primeiro artigo do laboratório do Dr. Joel Butterwick.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
Mosquitos também possuem os mesmos receptores de frutose. Considerando que essas proteínas também são expressas no cérebro de insetos para regular sua alimentação, elas podem ser um importante alvo biológico no controle de vetores de doenças. Os mosquitos são os animais mais letais do planeta por transmitirem diversas doenças, incluindo a dengue, hoje um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil. Assim, regular os mecanismos de saciedade de mosquitos pode ser uma estratégia para afetar sua busca por alimentos, controlar sua reprodução, e evitar que piquem pessoas.
Ademais, esta pesquisa também inspira o desenvolvimento de biossensores, que são receptores derivados de seres vivos para detectar substâncias de interesse. Por exemplo, alguns cães podem sentir o cheiro de doenças como câncer ou doença de Parkinson. Entender como diferentes receptores do olfato e paladar distinguem entre substâncias é essencial para desenvolver um “nariz eletrônico” capaz de farejar doenças. Nosso trabalho demonstra, porém, que não se trata apenas de ligar-se à molécula de interesse. A forma como o receptor é ativado é crucial para projetar um biossensor eficaz.
De que forma a bolsa da CAPES contribui para sua formação?
As bolsas da CAPES mudaram a minha vida. Foi durante o Ciência sem Fronteiras que despertei meu interesse pela ciência e pesquisa, e onde conheci minha esposa que também fazia parte do programa na mesma universidade. Em um ambiente e cultura completamente diferentes do que estava acostumado, cresci pessoal e profissionalmente, conhecendo pessoas que me inspiraram e contribuíram ativamente na minha carreira acadêmica.
Quando soube da parceria entre a CAPES e a Yale e a possibilidade de fazer um doutorado numa das melhores universidades do mundo, não pensei duas vezes e apliquei. Inicialmente o edital oferecia dez vagas, porém apenas seis foram ofertadas por conta de cortes. Por sorte, eu estava na sexta posição. Dentro da universidade, estou recebendo um treinamento excelente. Eu e meus demais colegas do programa estamos construindo uma trajetória bonita aqui, porém fico pensando nos que tiveram a sua oportunidade tirada. Por um triz, não fiquei entre eles.
Cientistas brasileiros são excelentes e não à toa estão por toda parte no mundo. Viemos dos mais diversificados ambientes, fizemos cursos de graduação exigentes, resolvemos problemas criativamente e somos curiosos. Não há limites onde a ciência brasileira pode chegar se tiver os recursos certos e uma remuneração justa. É urgente o investimento em pesquisa e educação no Brasil. Os anos recentes e as projeções do futuro só comprovam isso. Precisamos despertar novos talentos e olhar para os que não estão sendo valorizados.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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