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Pesquisa analisa discriminação contra pessoas transgêneros
Luíza Eduarda dos Santos é graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade do Rio do Sinos (Unisinos). Mestre em Processos e Manifestações Culturais, ela se tornou a primeira mulher trans a concluir o mestrado na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo - RS. Como bolsista da CAPES, Luíza analisou os ataques à ONG Minha Criança Trans após a Parada LGBT+ de São Paulo em 2023. Atualmente, integra o Núcleo de Pesquisa em Comunicação, Educação e Cultura da Feevale.
Sobre o que é a sua pesquisa?
Minha pesquisa foi um estudo de caso sobre um ataque de ódio coordenado contra a participação da ONG Minha Criança Trans na Parada Livre de São Paulo em 2023. Após acessar um dossiê da própria entidade, observei que a maior parte das publicações selecionadas estava no Instagram. Assim, concentrei minha análise nessa rede social, selecionando e classificando as postagens em duas categorias: crianças e ideologia.
Para o processo de análise, utilizei três conceitos: o trans panic, uma forma de discurso de ódio contra as pessoas transgêneros; a “abjeção”, segundo a perspectiva de Judith Butler; e a “invasão de espaço”, um conceito criado pela socióloga britânica Nirmal Puwar. Esta concepção diz respeito ao ingresso de corpos que não se encaixam na “norma somática”, que é que nos estudos de gêneros é chamado de “sujeito universal” - ou seja: homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, de classes média e alta. Todas as outras pessoas são vistas como “invasoras”, pois não deveriam estar nesses espaços.
Nesse contexto, quando pessoas transgêneros, incluindo crianças, se tornam visíveis ao “invadir espaços” que, supostamente, não foram destinados a elas, isso gera o estopim para uma ação coordenada de ataques de ódios, sob a forma do trans panic.
O que vale destacar de mais relevante na sua pesquisa?
O mais relevante nessa pesquisa foi o uso de uma tríade de conceitos. O primeiro conceito, e praticamente desconhecido pela academia brasileira, é o da “invasão de espaço”. Este conceito me foi apresentado por uma amiga, a Joanna Burigo, por meio da leitura do seu livro “Patriarcado Gênero Feminismo”.
Mais tarde, tive a oportunidade de ler “Space Invaders”, da Nirmal Puwar, e percebi que poderia trabalhar este conceito com o de abjeção, já que a própria Puwar se refere à Judith Butler em sua obra. Por fim, o discurso do trans panic, surgiu dos relatórios anuais da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Além desses conceitos, preciso salientar que, durante a escrita da dissertação, li “Quem tem medo do gênero?”, da Butler, e o utilizei como forma de conectar os significados entre si.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
A originalidade da pesquisa, por si só, já é uma forma de contribuição para a sociedade, pois não encontrei estudo parecido com o escopo da minha pesquisa.
É importante salientar que muitas pessoas se recusam a aceitar a existência de crianças trans. No entanto, elas existem e negar a existência de alguma coisa ou de um grupo de pessoas, não significa necessariamente que esta coisa ou grupo de pessoas deixe de existir.
Algumas pessoas preferem ignorá-las até que elas invadam determinado espaço. Quando isso ocorre, a consequência é a necessidade de negação com o uso do discurso de ódio para sua rejeição e, eventualmente, a culpabilização de terceiros. Neste caso, pais, mães, responsáveis e entidades que venham defendê-las, como nesta situação, a ONG Minha Criança Trans.
Outra forma de contribuição de minha pesquisa com a sociedade é a reflexão sobre o reacionarismo, o discurso de ódio e a total ausência de empatia. Então, de certa forma, pode-se pensar a pesquisa como convite para uma autorreflexão sobre nossas atitudes, nossas práticas.
Afinal, com qual embasamento científico os seres humanos se concederam o direito de discriminar e perseguir outros seres humanos? Habitamos um pequeno planeta, dentro de uma mera galáxia que integra um vasto Universo do qual ainda se conhece muito pouco. Mas, ainda assim, os seres humanos alegam ter o direito de discriminar e perseguir outros seres humanos.
Assim, eu entendo que o convite à esta reflexão é também uma importante contribuição social.
Quais desafios você enfrentou como mulher trans durante sua trajetória acadêmica?
O maior desafio foi logo no início do curso. Afinal, apenas 18 dias após a cirurgia, eu já estava na Universidade Feevale participando das aulas, ainda sentindo dores consideráveis, mas lembro que recebi apoio e auxílio de colegas. Confesso que tinha certo receio de como seria quando minhas colegas e meus colegas descobrissem que eu era uma mulher trans. Eu estava ciente de que poderia ser alvo de transfobia acadêmica. Afinal, conforme a ANTRA, apenas 0,02% das pessoas trans frequentam universidades. Então, lá estava eu, “invadindo” um espaço que não é destinado às pessoas trans.
Felizmente, jamais fui alvo de transfobia por parte de meus colegas, professores, coordenação de curso ou da reitoria, nem de qualquer funcionário da Feevale.
Porém, no dia anterior, quando foi divulgada a minha banca e sua temática pelo principal jornal da cidade, surgiram, no Instagram, uma série de comentários transfóbicos no perfil do jornal. Surpreendentemente, tais comentários não lograram êxito, pois a minha saúde mental está em dia. Além disso, colegas e amigas me defenderam na mesma publicação do Instagram.
De que forma a CAPES contribuiu para a sua formação?
A bolsa CAPES foi fundamental para a minha formação. Sem ela, não teria sido possível realizar o meu mestrado. Serei eternamente grata à CAPES, assim como ao SUS, por ter chegado aonde cheguei. Por isso, tenho muito orgulho de ser bolsista CAPES.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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