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Magda Zanoni fala de experiência em doutorado interdisciplinar no Brasil
Há sete anos, pesquisadora e professora da Universidade de Paris 7, Magda Zanoni, esteve no Brasil e participou da equipe que fundou o doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, da UFPR. "O estudo que fizemos do litoral paranaense, nunca havia sido feito, nem na área disciplinar. Nós fizemos, nas áreas disciplinares, uma interdisciplinarização das ciências que viam de uma maneira limitada uma região extremamente complexa", conta a professora.
Zanoni participou nesta terça-feira, 30, da plenária Concepções da Interdisciplinaridade em Ciência, Tecnologia e Inovação, parte das atividades da 4ª Reunião Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares (ReCoPI), que termina quarta-feira, 1º. A professora está no Brasil e participa do evento como parte da
Escola de Altos Estudos
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Veja a íntegra da entrevista concedida à Assessoria de Comunicação da Capes:
A área interdisciplinar completa dez anos no Brasil neste ano. A senhora possui uma experiência internacional em interdisciplinaridade, especialmente na Universidade de Paris. Poderia dizer um pouco como é o panorama francês na área?
A área interdisciplinar na França já tem quase 40 anos. Ela se desenvolveu majoritariamente baseada no aparecimento da questão ambiental. A problemática do meio ambiente foi o motor da política cientifica interdisciplinar na Europa. A partir do questionamento de temas como poluições de rios, chuva ácida, desaparecimento de espécies, questão energética, surgiu o material para a metodologia interdisciplinar tratar dessas modificações ambientais. Sentiu-se a necessidade de se combinar áreas que se ocupam dos sistemas naturais, estudos de ecossistemas, com áreas que estudam as atividades humanas, principais responsáveis por essas modificações.
Durante a conferência a senhora comentou sobre a "necessidade de se pensar uma ciência que se escreve em um tipo de sociedade diferente". A importância da abordagem interdisciplinar para os estudos dos problemas ambientais estaria nesse sentido?
A ciência evolui como a sociedade evolui. Nós não podemos continuar tratando as questões de hoje, com os mesmos elementos de um século ou dois. As áreas cientificas foram se transformando e foram desafiadas por novas problemáticas. A problemática da questão ambiental deve conciliar e articular a estrutura social, as técnicas de exploração dos recursos naturais, as construções realizadas pela sociedade. Não posso estudar só a poluição, a fonte de petróleo jorrando por três meses na Califórnia, sem estudar a estrutura da indústria petrolífera, seus lucros e organização empresarial. A questão ambiental suscitou o problema que hoje chamam na França de ecologia política, uma ecologia ciência, descrita na sociedade, com suas leis e regras.
Algum exemplo no Brasil desse tipo de abordagem?
Aqui no Brasil há um movimento muito interessante nesse sentido. Eu estive aqui bem no início neste doutorado no Paraná (Meio Ambiente e Desenvolvimento, da UFPR) em que uma equipe fundou em 1993 e foi responsável por formar muitas pessoas. Uma nova maneira de fazer o ensino e de produzir conhecimento. O estudo que fizemos do litoral paranaense, nunca havia sido feito, nem na área disciplinar. Nós fizemos, nas áreas disciplinares, uma interdisciplinarização das ciências que viam de uma maneira limitada uma região extremamente complexa, ecossistemas diversos e populações das mais diferentes naturezas, levando em conta inclusive os processos históricos e problemáticas políticas.
Tudo isso foi levado em conta na formulação desse marco histórico das teorias entre sociedade e natureza.
Durante a conferência a senhora tratou do conceito de "interdisciplinaridade como transgressividade". Qual a importância de se questionar o modelo disciplinar?
Trata-se de um conceito utilizado desde 2001 por diversos escritores franceses e suíços. Hoje, por meio do encaminhamento de estudos de caso, os pesquisadores acham que o programa não deve ser só de universitários, mas devem incluir, no momento em que for solicitado pela própria problemática, alguns dos atores sociais envolvidos na questão. É uma maneira de fazer pesquisa diferente. Até então, não havia uma teorização sobre essa metodologia. É uma sociedade nova, que demanda uma ciência nova. O mundo da pesquisa não é mais somente financiado pelas universidades. Financiadores, como grandes ONGs internacionais, fazem com que o resultado do final da pesquisa seja a prestação de contas de resultados concretos que possam trazer algum benefício para as populações. É preciso, portanto, pesquisadores que pensem diferente o que acontece. Não há menos excelência científica nesses trabalhos que incluem atores sociais. Há método, nós sabemos o que queremos e integramos parte da população com seus saberes e reivindicações. Não se trata mais de apenas realizar questionários e não devolver conhecimento nenhum para a população pesquisada.
A senhora possui alguma análise de cenário futuro para a área interdisciplinar?
É difícil realizar previsões, mas acho que deve acontecer cada vez mais o estímulo da Capes ao lado de pesquisadores, o que pode fazer com que esse movimento avance. A área interdisciplinar está num processo de encadeamento. Acho também que há várias formas de interdisciplinaridade. As inovações tecnológicas, por exemplo, podem ser tratadas de um ponto de vista interdisciplinar. Tenho certeza que a inovação surgida a partir daí será diferente do que se for conduzida apenas por engenheiros. Novas formas devem surgir, mas sempre a partir de problemas que solicitam essa construção e uma nova produção do conhecimento.