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Historiadora identifica texto inédito de Machado de Assis
Cristiane Garcia Teixeira é historiadora e responsável por atribuir ao escritor Machado de Assis (1839–1908) a autoria de um perfil biográfico do então imperador Dom Pedro II, publicado em 1859 sem assinatura. A descoberta ( leia artigo escrito pela pesquisadora ) é parte do trabalho de mestrado , da pesquisadora, para o qual recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Graduada e mestra pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela é doutoranda da instituição, também com o apoio da CAPES.
Como começou a estudar Machado de Assis?
Trabalho com imprensa e literatura do século XIX desde a monografia, na qual busquei problematizar de que maneira a análise dos romances de José de Alencar poderia auxiliar no entendimento das transformações urbanas, sociais e de comportamento no Rio de Janeiro, a capital do Império oitocentista. No mestrado, investiguei O Espelho, revista de literatura, modas, indústria e artes. O objetivo foi refletir sobre a revista como fragmento da imprensa da época (1859/1860) e sobre Machado de Assis enquanto redator-chefe.
No doutorado investigo uma agremiação intitulada Sociedade Petalógica do Rossio Grande, que funcionou no Rio de Janeiro, entre os anos de 1830 e 1860. De forma resumida, essa sociedade estudava mentiras, os membros também as inventavam (as
petas
) para observar quem as passava adiante como sendo uma verdade que ele mesmo “vira ou ouvira”. Logo depois os membros da Petalógica revelavam que a notícia se tratava de uma
peta
(mentira) e ridicularizavam em público o mentiroso. As mentiras funcionavam como crítica social e o que me chamou atenção nessa agremiação é que teve Machado de Assis como membro.
Qual a importância da imprensa do século XIX para o trabalho de pesquisa?
A imprensa do século XIX é um baú cheio de tesouros para a pesquisa. Praticamente todos os assuntos eram debatidos. Além de ter um papel fundamental nos debates políticos, funcionou como possibilidade e instrumento de educação não formal, inclusive entre as pessoas não alfabetizadas, pois muitas delas se encontravam durante os afazeres domésticos e de trabalho. Nessa ocasião, um eleito ou eleita lia em voz alta os jornais, revistas e romances de folhetins. Isso remete a outra questão fundamental: no século XIX, não havia literatura nacional sem a imprensa. Todos os autores que conhecemos dessa época, inclusive Machado de Assis, tiveram seus textos primeiro publicados em revistas e jornais. Além disso, a imprensa da época é uma fonte muito rica para se compreender diversos temas, como moda, indústria, economia, cultura e política.
Como chegou até O Espelho?
Antes de eleger O Espelho para a pesquisa de mestrado, já tinha conhecimento de uma série de crônicas que Machado de Assis havia escrito para a revista: Aquarelas. Ainda não havia uma pesquisa de fôlego sobre a revista, encontrava menções a ela nas biografias sobre Machado de Assis. Além disso, foi uma revista de circulação curta, de aproximadamente quatro meses, e poderia ser bem explorada quando investigada. Foram essas as circunstâncias que me levaram ao Espelho. Passei a analisá-la e percebi a gigantesca influência que teve Machado de Assis e seus textos para a revista. E então passei a olhar com mais cuidado, precisei entendê-la, desde sua materialidade ao seu quadro editorial, para entender também Machado de Assis n’ O
Espelho. Por consequência, durante a investigação, a revista acabou se tornando a protagonista da minha pesquisa e Machado de Assis e sua atuação foram fundamentais para entendê-la.
Como reconheceu a escrita de Machado de Assis?
Procurei entender como textos e autores se movimentaram dentro da revista e concluí que havia uma lógica nessa distribuição. Esses aspectos, tanto de posicionamento de artigos, quanto o espaço ocupado por Machado de Assis no impresso e também o cruzamento da análise do Espelho e seu quadro editorial com a análise de outras revistas e jornais que circularam na época, ajudaram-me na construção de argumento fortalecido que sugeriu a autoria de Machado de Assis para a biografia.
Depois que cheguei à conclusão de que aquele texto sobre Pedro II, não assinado, ocupava na revista o lugar que era de Machado de Assis — a primeira página e o primeiro artigo (dos dezenove números da revista, os textos do autor ocuparam doze vezes esse espaço) — e também de encontrar uma nota, na edição número seis da revista, que informava que iniciariam a publicação de um esboço biográfico, cujo biógrafo seria Machado de Assis, iniciei a análise do texto biográfico em busca de características ‘machadianas’. Ou seja, o que naquele texto poderia indicar que o autor era Machado de Assis.
Já nos primeiros parágrafos foi possível encontrar a ironia e a sutileza tão utilizadas nos textos escritos por Machado de Assis quando mais maduro, mas que já apareciam, mesmo que de maneira menos rebuscada, n’O Espelho . Na biografia, Machado de Assis advertiu que não falaria de Pedro II sob a perspectiva da política, pois as conveniências e o cálculo o silenciavam. Seria o chamado ‘bolsinho do Imperador’, que emprestava incentivo financeiro a alguns empreendimentos da impressa da época, com o objetivo de construir uma imagem de ‘imperador amigo das artes e da literatura’.
No entanto, mesmo mencionando que não falaria sobre política, fez justamente o contrário, trazendo para o texto questões referentes a revoltas políticas, as ‘mais de uma vez’ que Pedro II havia pedido dinheiro emprestado, as viagens que Pedro II fazia na época e que eram criticadas na imprensa por serem sorvedouros de recursos públicos. Esse negaceio é uma característica ‘machadiana’.
Qual a importância da revista para a carreira de Machado como escritor?
Machado foi um dos redatores-chefes e o colaborador mais assíduo. Tento demonstrar na dissertação que o literato esteve envolvido também na criação da revista, na formação do quadro editorial, possivelmente na escolha dos textos. Igualmente, considero a participação de Machado de Assis n’O Espelho um acontecimento que representou uma mudança importante no rumo de sua carreira literária que também foi facilitada pelos laços de amizade que estabeleceu a partir do grupo da revista. Antes d’O Espelho, Machado de Assis publicou alguns textos na imprensa, mas de maneira esporádica. Com a revista de Eleutério de Souza, passou a escrever constantemente e, possivelmente, recebia para isso. Para se ter uma idéia, nos quatro meses em que colaborou para O Espelho
,
escreveu mais textos se comparados aos que escreveu entre 1855 e 1857. Depois da sua participação nessa revista, passou a ser convidado para publicar em outros jornais importantes da época.
Qual o impacto que a pesquisa pode ter, em sua visão?
Essa biografia mostra que ainda não temos acesso à obra completa de Machado de Assis. Faz-nos lembrar também que muitos autores que hoje são consagrados passaram primeiro pela imprensa para só depois serem canonizados em livros. De outra maneira, a metodologia construída para a análise d’O Espelho e que teve como resultado o encontro desse texto, que não era inédito, mas cuja autoria foi atribuída pela primeira vez a Machado de Assis, pode auxiliar em outras investigações na busca por outros textos desconhecidos e atribuir a quem é de direito sua autoria. Incluiria também a questão da formação de Machado de Assis. O período em que esteve envolto ao grupo da Marmota e da Sociedade
Petalógica influenciaram muito na carreira e na escrita dele. E, desse modo, trazer ao conhecimento da literatura nacional outros escritores de uma origem muito parecida a de Machado de Assis e que, por algum motivo, foram apagados e silenciados durante o passar do tempo.
Quais os próximos passos? Tem outras pesquisas em andamento?
Estou revendo e reescrevendo partes da dissertação para publicá-la em livro e também estou dando continuidade à pesquisa sobre A
Sociedade Petalógica do Rossio
Grande. O término da tese está previsto para maio de 2021.
Leia abaixo o perfil biográfico de D. Pedro II atribuído pela pesquisadora a Machado de Assis:
Legenda das imagens:
Imagem 1: Escritor Machado de Assis
(Foto: Divulgação)
Imagem 2:
A bolsista Cristiane Garcia Teixeira, doutoranda da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), adicionou mais um texto à obra do escritor Machado de Assis
(Foto: Arquivo pessoal)
Imagem 3, 4 e 5:
As páginas compõem o texto de Machado de Assis
(Foto:
Hemeroteca Digital
)
(Brasília – Redação CCS/CAPES)
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