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DIA DO LIVRO
Especialista em Machado mostra a importância da leitura
A leitura de livros na infância marcou o ponto de partida para a formação acadêmica da historiadora Cristiane Garcia Teixeira. Fã de autores oitocentistas, desde cedo tem Machado de Assis como sua grande referência. Hoje, a pesquisadora se dedica a trazer à luz detalhes do início da vida profissional do maior escritor brasileiro de todos os tempos, como a atribuição da autoria de um ensaio biográfico não assinado de D. Pedro II e sua participação na Sociedade Petalógica do Rocio Grande. O relato de Cristiane é destaque nesta terça-feira, 23 de abril, Dia Mundial do Livro.
Como surgiu seu interesse por Machado de Assis?
Quando estava nos últimos anos do ensino fundamental gostava de pegar livros emprestados na biblioteca pública da minha cidade. O arquivo era muito rico em literatura nacional. A literatura oitocentista era a minha preferida. Entre os autores das obras que costumava ler, estavam José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e Machado de Assis.
Já adulta, passei a ler a obra de Machado de Assis com o olhar atento de historiadora. Toda a minha formação foi na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, em todas as minhas pesquisas, desde o trabalho de conclusão de curso até minha tese de doutorado, Machado de Assis e sua vasta produção literária, incluindo poesia, contos, crônicas, romances, foram ou minhas fontes, ou meu objeto de pesquisa. Foi Machado de Assis quem me ajudou – e ajuda – a entender a História do Brasil oitocentista e, como nosso presente está cheio de passado. É também ele, esse Machado de Assis historiador, como intitulou Sidney Chalhoub, que me auxilia no entendimento da complexidade do Brasil do século XXI.
Em sua opinião, qual a importância de Machado para um leitor?
A literatura de Machado de Assis é uma leitura que transforma porque é crítica, audaciosa e inteligente. Ao mesmo tempo, é dolorosa por ser complexa e problematizadora, aprofundando debates basilares da história do nosso País. Quando se associa o interesse pela trajetória de Machado de Assis à leitura de sua obra, a magia acontece.
Machado de Assis foi um jovem como tantos outros jovens brasileiros. Enfrentou a pobreza, preconceito racial e as limitações impostas por uma administração pública que muitas vezes marginalizou e violentou jovens como ele, principalmente devido à falta de oportunidades. Ele teve que lidar com as mentiras, vícios, injustiças e privilégios da vida pública brasileira. E a literatura foi a ferramenta que ele escolheu para combater tudo isso.
Em seu mestrado, atribuiu a Machado a autoria de um texto não assinado.
Em 2016, defendi minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Recebi bolsa da CAPES, o que me permitiu ter dedicação integral à pesquisa. No âmbito do mestrado, explorei o periódico semanal O Espelho, revista de literatura, modas, indústria e artes, que circulou entre setembro de 1859 e janeiro de 1860, na cidade do Rio de Janeiro.
Essa revista era propriedade do jovem Francisco Eleutério de Souza, que atuava como diretor e redator-chefe ao lado de outros dois jovens talentosos chamados Laurindo Rabello e Joaquim Maria Machado de Assis. Os três frequentavam a tipografia de Francisco de Paula Brito, figura de extrema importância para a história da literatura brasileira e considerado por Machado de Assis como o primeiro editor digno desse nome em nosso País. Paula Brito também contribuía para a revista e cedeu sua tipografia para a publicação dos primeiros números.
Além disso, Machado de Assis e Paula Brito participavam das reuniões da Sociedade Petalógica do Rocio Grande, uma agremiação fundada por Paula Brito, na década de 1850, e que funcionou até os primeiros anos da década de 1860. Ela contava com a participação de figuras proeminentes como Machado de Assis, Eusébio de Queirós, Teixeira e Sousa, Justiniano José da Rocha, entre outros. Nas atas da agremiação, os membros registravam que um dos objetivos era criar e disseminar mentiras para os "verdadeiros mentirosos" da Corte, apenas para posteriormente desmenti-las em público e os ridicularizar, bem como aqueles que nelas acreditavam, minando sua credibilidade na sociedade.
Com relação à atuação de Machado de Assis na revista O Espelho, ele foi o colaborador mais assíduo. Durante a investigação, analisei a sua participação através de um caminho que passou pela análise do quadro editorial da revista e de sua materialidade. O resultado foi a percepção de que Machado de Assis escreveu, aproximadamente, 40 textos para O Espelho. Esse número, comparado à quantidade que o autor publicou na imprensa em anos anteriores, demonstrou a importância do empreendimento para Machado de Assis, mas também de Machado de Assis para a revista: seus textos ocuparam a maior parte do espaço geográfico do impresso, quase cinco das 12 páginas.
O que fortaleceu ainda mais o argumento de que a biografia de Pedro II era um texto machadiano foi que na edição de número 6 d’O Espelho publicou-se um recado aos assinantes: “Brevemente encetaremos a publicação de uma galeria Dramática, biografias e um retrato correspondente. O fotógrafo é o senhor Gaspar Guimarães e o biógrafo é o senhor Machado de Assis.” Nas edições posteriores (7,8 e 9) nenhuma biografia ou retrato foi publicado. Apenas da edição de número 10, na primeira página e primeiro artigo, lugar ocupado por Machado de Assis.
Com a pesquisa, defendida em setembro de 2023, foi possível analisar as estratégias e os métodos de mentira que circulavam na imprensa do Rio de Janeiro durante as décadas de 1830 a 1860, especialmente nos jornais impressos pela Tipografia de Francisco de Paula Brito, que servia de sede para as reuniões da Petalógica, a partir de 1850. Ao investigar as mentiras inventadas pelos membros da agremiação, bem como aquelas publicadas na imprensa do Rio de Janeiro nas décadas anteriores, entre 1833 e 1849, foi possível compreender como a dicotomia entre verdade e mentira permeou os jogos políticos e literários da época. Além disso, ao examinar a trajetória dos membros da Sociedade Petalógica, foi possível entender como os diferentes modos de mentir também contribuem para a compreensão da história do Brasil no século XIX. De outro modo, essa análise permitiu traçar paralelos com o presente da história nacional.
O estudo sobre a Sociedade Petalógica do Rocio Grande e seus membros iniciados revela a complexidade da trajetória dos sujeitos históricos enquanto seres sociais. Francisco de Paula Brito, Joaquim Maria Machado de Assis, Justiniano José da Rocha, Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, entre outros, foram alvo de calúnias e falsificações, e encontraram na agremiação uma forma de se protegerem mutuamente, resistir e transformar o status quo daquela sociedade oitocentista. Talvez porque soubessem que para alguns homens, devido a um "acidente de cor", era permitido "mentir" mais do que para outros.
Qual a relevância dos livros para as sociedades?
O livro é um tesouro a ser descoberto e é um universo de possibilidades. Um passaporte para uma viagem cujo destino avião nenhum pode te levar. Livros são vetores de transformação, são resultados de construção de conhecimentos, transformando histórias, vidas, sociedades. Por isso é, muitas vezes, objeto de disputa política. Não nos querem leitores, não nos querem pensantes.
Para o jornalista João do Rio, Machado de Assis tinha um temperamento bem particular, era gentil e se incomodava “com os pequenos nadas da existência”. Chegava a se culpar por dias quando esquecia de cumprimentar alguém, preocupava-se com o que poderiam pensar. Quem o lê na crítica fina e combativa fica ainda mais encantado com o que Machado de Assis tem de humano e que se assemelha a nós.
A literatura machadiana me lembra que o mundo dos livros pode ser refúgio, combate, resistência, entendimento sobre a vida, sobre a complexidade dos indivíduos como seres sociais e sujeitos históricos. Desse modo, pode ser também desconfortável, porque o conhecimento é, muitas vezes, dolorido. Mas eu continuo escolhendo pagar o preço diante dessa aventura que só os livros podem proporcionar.
Sobre a data
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) oficializou 23 de abril como o Dia Mundial do Livro em sua 28ª Conferência Geral, realizada em 1995. A data marca o dia da morte, no ano de 1616, de dois dos mais importantes nomes da literatura mundial: Miguel de Cervantes e William Shakespeare.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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