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Diário 7 - Mudanças
O planeta mudou.
Há duzentos e cinquenta milhões de anos, todos os continentes eram um só. Há cem milhões, a Antártida era quente. Por alguns milhões nesse meio tempo existiram dinossauros.
Um dos testemunhos que chegou das última perfurações trouxe com ele registros de uma importante mudança climática ocorrida há aproximadamente 5 milhões de anos, no período Plioceno. A amostra com a textura de uma pasta de dentes calcária, com alguns rajados verdes e outros meio azulados, demonstrou que a Terra era 3 graus mais quente que hoje.
Não sei quanto aos dinossauros, mas a junção dos continentes e uma Antártida bem quente ainda podem ocorrer novamente. Na realidade, seguindo dados de observações geológicas, o supercontinente Pangea é só mais um de ciclos de união e quebra de continentes que já ocorreram ao menos duas vezes na história de nosso planeta. E sim, a reunião dos continentes poderá ocorrer em algumas centenas de milhões de anos no futuro.
As coisas estão como conhecemos, mas nada é estático e nem definitivo. Mudanças são naturais e inevitáveis, e o que em muitos casos não é nenhuma das duas coisas são processos que aceleram as mudanças e se impõem sobre seus ritmos espontâneos. A emissão de gás carbônico na atmosfera, por exemplo, durante o período Cretáceo (145 até 66 milhões de anos atrás) pode ter sido causada por atividades vulcânicas frequentes e é hoje exponencialmente maior e mais rápida, causada pela poluição humana. As consequências dessa rapidez e intensidade provam-se bem ruins, com o derretimento do gelo dos polos e acidificação dos oceanos, o que afeta fatalmente os ecossistemas marinhos e, consequentemente, todos os outros.
Tudo muda, mesmo que lentamente, mesmo que a gente não perceba, um pequeno desvio na rota nos levará para destinos diferentes.
Participar de uma expedição científica marinha foi para mim uma mudança de cenário, de fuso horário, de relação com o dia, a noite, o mar e o espaço. Falei sobre isso no post sobre adaptação e, agora que me adaptei à vida no mar, tudo isso mudará novamente. Só uso duas mudas de roupa praticamente, já que elas são lavadas em intervalos bem curtos. O balanço não incomoda mais e aquelas pisadas fortes para recuperar o equilíbrio não fazem mais as pessoas rirem. Dormir é até melhor e a foto do amanhecer tornou-se sagrada.
Além de saber mais sobre Geologia, aumentar minha experiência em divulgação e fazer novos amigos, eu me vejo frequentemente pensando no que está abaixo de nossos pés, no que deixamos, no que causamos. No momento tenho muita água e animais, e, embaixo de tudo isso, camadas das mais diversas cores, densidades, formações que um dia foram o presente do planeta.
Não sou a mesma pessoa que entrou neste navio. Essa é uma experiência intensa de trabalho e de vida e um isolamento interessante para desenvolver qualidades que ficam meio diluídas na vida normal, como paciência, disciplina e foco. Ficar no mesmo lugar por tanto tempo também me fez prestar mais atenção às coisas, já que são as mesmas por dois meses. Minha visão de ciência e dos cientistas também se aperfeiçoou.
Viver no mar é trocar várias cores pelo azul. É sentir-se ora visitante, ora intrusa, mas nunca moradora. Acho que eu romantizava o mar, mas ele pode ser árido como um deserto. Minha admiração por ele não mudou, o respeito sim.
Ainda não estamos em terra firme. Não terminou. Resta saber o que eu levarei comigo dessa experiência, mas a nova consciência de que nada é eterno nem garantido, e de que o ritmo e momento das mudanças faz uma grande diferença, são valiosos aprendizados que espero manter.
Portfolio cristianedelfina.com
Acompanhe o Diário de Bordo da expedição IODP 369.