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Diário 5 - Comunicação
Chegamos à metade da expedição.
As coisas por aqui entraram em uma rotina produtiva e já com bons resultados, pois um dos maiores objetivos da expedição, recuperar amostras de eventos oceânicos anóxicos (sem oxigênio) ocorridos há aproximadamente cem milhões de anos, foi alcançado. Isso permitirá estudos mais aprofundados sobre as causas do aquecimento global no período Cretáceo (145 até 60 milhões de anos atrás), uma vez que o esgotamento de oxigênio nos oceanos está diretamente relacionado à alta emissão de gás carbônico e o consequente aquecimento do ambiente.
Até o momento não existiam muitas evidências em boa quantidade e estado que permitissem uma análise mais detalhada das condições em que os eventos anóxicos ocorreram. As amostras recuperadas por aqui trazem ótimos registros, e os cientistas estão entusiasmados para estudá-las. Estamos já em um novo site de perfurações, agora em busca de rochas basálticas (provenientes de vulcões).
Quanto à vida a bordo, todos já se conhecem melhor e estão mais acostumados ao mar como quintal. Existem rumores de que baleias foram avistadas por alguns, mas as ondas se formam continuamente, em diferentes direções, gerando as espumas brancas que nos hipnotizam e iludem nossas vistas. A toda hora vemos volumes se erguendo, paramos, começamos a abrir a boca em preparação para chamar os outros para ver, apertamos os olhos para confirmar, e não... foi só mais uma onda. O pior é a sensação de que estamos sempre olhando para o lado oposto ao que as baleias estão passando.
Conviver e trabalhar entre tantas culturas diferentes traz muitos aprendizados e desafios. Eu diria que o maior desafio está na comunicação. Todos aqui falam e compreendem bem inglês, mas a comunicação não acontece apenas por meio do uso de uma só língua, ela acontece também com a forma como as palavras são ditas e escolhidas, com as expressões e silêncios, e com o que cada indivíduo traz de seus valores culturais, políticos e pessoais. A comunicação se dá por todo um sistema de linguagem. Este navio é um prato cheio não só para a realização de pesquisas em geologia, paleontologia e geoquímica. Pode ser também um intenso trabalho de análise de discursos. Essa necessidade de ser compreendido e se fazer compreender também é imprescindível na interação entre os times de áreas diferentes, que fazem suas leituras e traduções das diversas propriedades das amostras e precisam fazer com que esses dados se complementem em busca de respostas coerentes e unificadas para as questões propostas pela expedição.
É bonito ver o esforço que as pessoas fazem para compreender e serem compreendidas, com esse espaço limitado. Demanda sensibilidade e respeito que temos que encontrar enquanto humanos, adaptando nossos papéis sociais e políticos a este microcosmo no meio do oceano Índico. Não usamos dinheiro, não temos animais de estimação. Tudo é compartilhado. Nossos corpos buscam equilíbrio o tempo todo e as percepções mudam. Isso só pra exemplificar algumas peculiaridades de vivermos dois meses embarcados.
Pergunto-me como este ambiente interfere sobre nossas ações e comportamentos e o quanto o que somos e como vivemos afetam nossa produção científica. Filósofos da Ciência como Bruno Latour e Isabelle Stengers discutem isso, e sinto-me imersa 24 horas nessa epistemologia.
Acompanhe o diário de bordo da expedição.
Cristiane Delfina