Notícias
Área interdisciplinar no Brasil poderia ser modelo para a França, afirma Claude Raynaut
O diretor de Pesquisa do Centro Nacional da Pesquisa Científica da França, Claude Raynaut, em entrevista à Assessoria de Comunicação da Capes nesta segunda-feira, 29, diz acreditar que o que se faz na área interdisciplinar no Brasil poderia ser um modelo para a França. "Temos muito o que aprender", afirmou. Raynaut participa da 4ª Reunião Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares (ReCoPI), que segue até quarta-feira, 1º.
Claude Raynaut é responsável pela equipe de pesquisa interdisciplinar sobre processos de desertificação na Região Central de Níger e secretário-geral da Associação Francesa de Antropologia.
Veja a íntegra da entrevista:
A área interdisciplinar completa 10 anos no Sistema Nacional de Pós-Graduação em 2010 e, mesmo com pouco tempo, é área do conhecimento que mais cresce no país. Como é a situação da área interdisciplinar na França e quais as contribuições que esse intercâmbio pode trazer?
Acredito que o que está se fazendo na área interdisciplinar aqui no Brasil poderia ser um modelo para a França. A França tem uma experiência de interdisciplinaridade há algum tempo, começou nos anos 70, mas são programas de pesquisas interdisciplinares, especialmente para pesquisadores e professores já envolvidos com trabalhos específicos. A ideia está mais em colocar juntas pessoas já com perfis confirmados de pesquisadores com a previsão de que eles iriam articular suas contribuições. Na maioria dos casos os resultados não atingiram as esperanças depositadas durante a constituição destas equipes. São experiências no domínio da pesquisa, no domínio da universidade não podemos dizer que temos a experiência que o Brasil possui, principalmente na questão da formação. Os números dos cursos de doutorados interdisciplinares na França poderiam ser contados nos dedos de uma mão. Por isso, acho que a cooperação pode funcionar bastante no sentido de transferir algumas ideias do que está acontecendo aqui no Brasil para a França. Temos muito o que aprender.
O senhor explicou durante sua conferência que várias das questões cruciais da sociedade exigem uma abordagem interdisciplinar, de que a vida não vê fronteiras disciplinares. Poderia explicar melhor o que isso significa?
É muito simples. Na realidade, é uma experiência que nós todos temos, até mesmo em níveis bastante pessoais. Por exemplo, quando se apresenta um problema de saúde: há dimensões físicas e dimensões que de jeito nenhum são físicas. Até mesmo a demanda da pessoa doente para o médico envolve níveis de ajuda física, mas também psicológicas. No nível coletivo, acontece a mesma coisa. Os problemas que vão surgir no domínio do ambiente, da saúde, da gestão urbana são problemas que têm uma multiplicidade de dimensões. Há dimensões políticas, técnicas, culturais, interrelacionais. E como as demandas surgem da sociedade, elas aparecem com todas essas dimensões bem combinadas, sem ser depuradas e refinadas pelo raciocínio científico. Cabe ao cientista fazer depois todo o trabalho de análise para traduzir as questões sociais para uma questão científica e chamar as diversas disciplinas que poderão assim começar a contribuir e responder.
O senhor falou um pouco sobre alguns dos desafios práticos da interdisciplinaridade. Quais seriam esses principais desafios? O arranjo disciplinar das universidades é ainda maior deles?
Depende do nível de interdisciplinaridade. Um dos primeiros desafios é o institucional. É claro que o recorte disciplinar deu nascimento a territórios de poder, territórios de identificação, que fazem com seja difícil ultrapassar as barreiras e promover a colaboração. Outro desafio é mais intelectual, trata-se de fazer colaborar disciplinas que não vão enxergar os mesmos níveis de realidade. Em particular, fazer colaborar disciplinas que trabalham questões concretas, práticas e materiais da realidade com outras que trabalham com dimensões não tão palpáveis, imateriais, conceituais. Fazer colaborar esses dois grandes universos da análise do real é um desafio enorme.
O senhor participou da ReCoPi em 2008, agora está de volta em 2010. O senhor possui alguma análise, consegue perceber mudanças na área nesses dois anos?
Uma coisa importante é que muitos dos pontos que foram discutidos em 2008, em particular a questão da avaliação dos livros, como avaliar a produção científica muito específica interdisciplinar, foram levados em conta na modificação e aprimoramento do sistema de avaliação. Eu tenho realmente a impressão de que nós estamos numa situação de fórum de discussão democrático, em que todas as ideias que vem da base da universidade são utilizadas para a modificação e melhoramento do sistema.
O senhor possui alguma análise de cenário para o futuro da área interdisciplinar? Novas disciplinas consolidadas devem surgir?
Podemos pensar em vários futuros em função do tipo de interdisciplinaridade. Quando se fala de interdisciplinaridade mais conceitual, nós precisamos de novos instrumentos para pensar os desafios da sociedade moderna. Vão sair novos instrumentos conceituais para analisar a realidade. Além disso, já temos interdisciplinas que estão surgindo. A história da produção científica durante os dois últimos séculos foi sempre feita de encontros, fusões, divisões. Estamos num momento em que a própria ciência da materialidade, pelos progressos que ela faz, está atingindo níveis do real em que as disciplinas não fazem mais sentido. Nos níveis das nanotecnologias, por exemplo, física, química, biologia, todas as disciplinas podem se comunicar. Nós estamos construindo, por efeito do próprio progresso, novos campos disciplinares. Há uma necessidade de uma nova ciência, que possa realmente estabelecer novos diálogos com a sociedade e ajudar a responder os problemas complexos e híbridos que enfrentamos. Há todo um campo a ser construído.
Veja o que já foi publicado sobre a 4ª ReCoPI:
Entrevista com Arlindo Philippi Jr., coordenador da área interdisciplinar
ReCoPI reúne coordenadores de PPGs da área interdisciplinar na Capes