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Alfredo Pena-Vega fala da abordagem complexa para as crises do mundo contemporâneo
Para o sociólogo chileno Alfredo Pena-Vega, coordenador do Observatório Internacional de Reformas Universitárias, situado na França, o arranjo disciplinar da educação superior é limitado para tratar dos problemas complexos do mundo contemporâneo. "Existem vários problemas complexos que uma disciplina sozinha não consegue responder", afirma.
Pena-Vega participou nesta quarta-feira, 1º, da plenária "Da interdisciplinaridade à complexidade na pesquisa e no ensino de pós-graduação", parte das atividades da 4ª Reunião Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares (ReCoPI), encerrada no mesmo dia. O professor está no Brasil e participa do evento como parte da Escola de Altos Estudos .
Veja a íntegra da entrevista concedida à Assessoria de Comunicação da Capes:
O senhor possui uma experiência internacional, principalmente francesa, na área interdisciplinar. Que tipo de comparação é possível estabelecer entre o cenário internacional na área e a experiência brasileira?
As experiências que vemos fora do Brasil são evidentemente mais antigas. Na França, por exemplo, a interdisciplinaridade do ponto de vista institucional já existe há 20 anos. São duas décadas que a questão da interdisciplinaridade se coloca como uma necessidade, nos centros de pesquisas e também nas universidades. São programas quinquenais, em que a problemática interdisciplinar é uma necessidade e uma forma de motivar os pesquisadores pra fazer a interdisciplinaridade. Existem países na Europa – França, Suíça, Inglaterra – em que a interdisciplinaridade é uma realidade institucional, porém mesmo assim há dificuldades para praticar essa interdisciplinaridade.
Agora, a situação é ainda mais complicada em outros países. Eu fui fundador do Observatório Internacional de Reforma Universitária, então posso dizer de realidades, em que é tudo muito mais difícil. Há, por exemplo, o caso da América Latina, que mesmo com muita dificuldade há um interesse muito grande em se fazer interdisciplinaridade nas universidades.
A experiência no Brasil é muito importante. Primeiro, porque o Brasil é um exemplo para outros países que estão na América Latina. Segundo, porque o que está sendo feito é realizado de maneira bastante institucional, existem programas que completaram dez anos. Acho que isso pode resultar em possibilidades de cooperação com outros países da América Latina. É uma tendência importante e o Brasil deve ter um papel importante dentro do marco global.
O sistema disciplinar no qual estão estruturadas boa parte das universidades acaba por impedir uma abordagem complexa de problemas complexos do mundo?
A abordagem disciplinar não é que impede, mas é uma abordagem limitada. Hoje, a complexidade dos problemas do mundo envolve todas as áreas, não apenas as ciências humanas. Nas humanidades, evidentemente, há uma dimensão mais importante porque estamos frente a grandes crises. Crise climática, econômica, ética e ecológica. Vários problemas complexos que uma disciplina sozinha não consegue responder. Para responder a esses grandes problemas que enfrentamos hoje, precisamos de um diálogo dos conhecimentos, precisamos que as ciências e as disciplinas possam conversar. Há uma necessidade de uma abordagem em que diálogos do conhecimento possam permitir respostas à grande complexidade que nos encontramos.
Qual a importância de voltar a atenção para o ensino básico? A partir desses problemas complexos, como deve ser a formação de um "professor complexo"?
O ensino básico hoje possui uma lógica quantitativa que impede a evolução do ensino superior. Se a gente não modificar esta realidade, não prepararemos os jovens para a capacidade de lidar com teorias mais complexas. E a base do problema está hoje no ensino básico. Para projetar o Brasil em 2050, acho necessário uma profunda reflexão sobre como vai ser o ensino nos próximos 40 anos. Preparar o que será a base das pesquisas futuras.
O "professor complexo" deve ser uma pessoa que tenha a capacidade de admitir que temos que enfrentar as incertezas. As incertezas são muito mais importantes hoje que há 20 ou 30 anos atrás. Além de admitir o professor deve trazer as incertezas para a aula. Além disso, o professor complexo deve contextualizar os fenômenos. A contextualização é a base da compreensão. E mais, o professor complexo deve lidar com as contradições. As contradições não são negativas. Quanto mais aparecerem, mais o nosso espírito vai se abrir e mais vamos poder entender os problemas. Se o professor complexo consegue ter esses três princípios, estaremos dando um passo importante ao futuro. Sou um otimista, mas acho que temos muito chão pela frente. Isso não é para amanhã.
A estrutura departamental nas universidades, o sistema educacional que trabalha com critérios únicos são algumas dificuldades que a formação para os problemas complexos encontra. Que sugestões o senhor possui para transpor essas dificuldades? Há algum exemplo bem sucedido de abordagem complexa de problemas complexos?
Há experiência positivas em outros lugares. Por exemplo, uma que deveria ser apropriada e pensada são os institutos que se criam dentro e fora das universidades que estão orientando justamente no sentido de tratar problemas complexos. Por exemplo, o Instituto de Santa Fé, nos Estados Unidos. Ele adota há 20 anos uma abordagem teórica e epistemológica a partir da complexidade e da hipercomplexidade, com projetos em física, astrofísica, biologia. Todas as experiências bem sucedidas. Muitos dos cientistas que saem de lá são premiados, inclusive com Nobel. São institutos experientes que partem de idéias de dentro ou de fora das universidades para tentar justamente ver, estudar e elaborar projetos complexos.