Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso: estudo de um relato de viagem bagdali
Edição conjunta da Fundação Biblioteca Nacional, da Biblioteca Nacional da Argélia e das Bibliotecas Nacional e Ayacucho, da Venezuela, o livro contém o relato de viagem do imã Al-Baghdádi, que chegou ao Brasil em meados do século XIX, como tripulante de um navio otomano, e aqui permaneceu durante três anos. O imã descreve paisagens, cenas e costumes locais, inclusive as práticas religiosas de escravos africanos de confissão muçulmana. Obra trilíngue em português, espanhol e árabe.
"O singular no manuscrito Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso começa pelo barroquismo deste título, que bem evoca a afetação de linguagem de místicos brasileiros, a exemplo do sertanejo Antonio Conselheiro com seu “tempestades que se alevantam n’alma por ocasião do mistério da Anunciação”. Aqui, porém, é um muçulmano, o imã Al-Baghdádi, mais precisamente, ‘Abdurrahman bin Abdullah al-Baghdádi, que relata o espanto de sua viagem ao Brasil na segunda metade do século XIX. Começa pelo que designa como a ‘sede do Trono’ (Rio de Janeiro) e se estende à Bahia e a Pernambuco.
Uma só coisa existente, ensina a filosofia, não é um mundo. Mas há coisas que, reveladas na linguagem precisa, evidenciam imediatamente todo um mundo, com sua pluralidade. Há então singularidade como, na Física, a região cósmica, em que o espaço é infinitamente curvo. O manuscrito de Al-Baghdádi, nesta tradução e notas do professor Paulo Farah, é raro e único como Al-Wáhid, um dos nomes de Allah, que o religioso evoca ao escrever. As ‘curvas’ multicoloridas da língua árabe encontram aqui belas ressonâncias no português.
A este texto não falta sequer o enredo romanesco de seu descobrimento: o manuscrito, comprado de um turco por um alemão, é repassado agora à Biblioteca de Berlim e, um dia, chega às mãos de Paulo Farah. Agora, assinalando a inauguração da “Biblioteca Árabe-Sul-Americana”, dispõe-se no acervo da Fundação Biblioteca Nacional um tanto como a descrição da Bahia por Al-Baghdádi: ‘Um jardim com uma grande gaiola de prata repleta de pássaros que gorjeiam, de todas as espécies’”.
Muniz Sodré
Publicado em
21/11/2024 13h06
Atualizado em
22/11/2024 10h45
Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso - estudo de um relato de viagem bagdali.png
Autor(es):
Paulo Daniel Elias Farah Al-Baghdadi; tradução, notas, prefácio, texto analítico e transposição do manuscrito
Atualizado em
22/11/2024 10h45