Notícias
Perfil | Bruno Capilé pesquisa sobre a representação da natureza e a consolidação do Estado brasileiro
Bruno Capilé, pesquisador e bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional.
No processo de construção da identidade brasileira, fundamental para a consolidação do Estado-nação, a natureza tropical foi ricamente representada em pinturas e gravuras nas primeiras décadas. Paradoxalmente, no final do século XIX, parte dessa natureza foi apagada dos mapas urbanos antes mesmo de ser obliterada por mãos humanas. O pesquisador Bruno Capilé, bolsista do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional, analisa como se deu esse duplo processo de evocar e apagar a natureza em documentos iconográficos e cartográficos da Biblioteca Nacional.
Os documentos iconográficos analisados para o projeto são pinturas de paisagem da primeira metade do século XIX, em quase sua totalidade realizadas por artistas-viajantes europeus. A necessidade de traduzir a natureza tropical como algo inteligível foi fruto do encontro da arte e da ciência, e resultou em um estilo pictórico que ressaltava a vegetação brasileira em sua diversidade vegetal. Além de ser material para a compreensão da tropicalidade brasileira segundo os interesses do público europeu, a representação das plantas da nação marcou a geração de artistas brasileiros que também consumia essa arte. Esses pintores foram influenciados e formados pelos artistas-viajantes anteriores, resultando em obras que marcaram profundamente a identidade brasileira em quadros, gravuras, aquarelas e outras mídias.
Em contrapartida, conforme o Estado brasileiro se consolidava, suas cidades cresceram nos moldes da ideologia do progresso. Enquanto a natureza tropical das florestas era exaltada e evocada, os ecossistemas alagados dos arredores das cidades eram apagados dos mapas urbanos, processo que se deu no Rio de Janeiro e em outras cidades, onde esses ambientes deixaram de ser representados antes mesmo de serem aterrados. De maneira comparativa, o pesquisador Bruno Capilé analisa os documentos cartográficos da virada para o século XX presentes na Biblioteca Nacional para mostrar o revés da apropriação da natureza brasileira: seu apagamento.
A representação da natureza, no século XIX, marcou profundamente a identidade brasileira e a formação de seu Estado-nação. Como era de se esperar, os ambientes florestais, mais carismáticos e aprazíveis à estética da época, eram glorificados nas pinturas de paisagens do atual bioma da Mata Atlântica. Ao mesmo tempo, os ambientes alagados, mais indesejados e relacionados às enfermidades, eram apagados dos mapas urbanos na virada para o século XX. A pesquisa evidencia também que a consolidação do Estado se valeu de dois tipos de natureza: uma que remete à glória nacional e à saúde, e deveria ser exaltada e representada nas iconografias, e outra que virou ícone do indesejado, obstrução para o crescimento urbano, espaço de enfermidades.
Como as gravuras estudadas, a formação acadêmica de Bruno Capilé foi marcada pela diversidade. Graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e especializou-se em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), com anos de prática no ensino de Ciências, Biologia e Educação Ambiental. Sua transição para a área de História se deu no mestrado em História das Ciências no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ), tendo depois atuado como pesquisador com a bolsa do Programa de Capacitação Institucional do Museu de Astronomia e Ciências Afins (PCI/MAST), onde trabalhou com a história da cartografia. Em 2018, concluiu seu doutorado em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS/UFRJ), combinando as áreas da Biologia e História no campo da História Ambiental.
Sobre o apagamento da natureza urbana no Rio de Janeiro ver: Capilé, Bruno. Apagando a natureza: O desaparecimento dos ecossistemas alagados nos mapas urbanos do Rio de Janeiro. Terra Brasilis (Nova Série) [Online], v. 11, 2019.
https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.4306